Em livro, expoente do novo antitruste nos EUA pede política robusta contra abusos das big techs
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O mais recente livro do jurista americano Tim Wu é um libelo contra os abusos monopolistas das big techs e uma defesa de uma política antitruste robusta.
Em "The Age of Extraction - How Tech Platforms Conquered the Economy and Threaten our Future Prosperity" (A era da extração - como as plataformas digitais conquistaram a economia e ameaçam a nossa prosperidade futura, em tradução literal), o professor de direito da Universidade Columbia mostra de que maneira o excesso de concentração de mercado das big techs prejudica consumidores, fornecedores e até a democracia.
"As grandes plataformas de tecnologia de hoje são impressionantes, divertidas e facilitam nossas vidas, mas também são projetadas para serem as ferramentas mais avançadas da história para extrair riqueza e recursos da economia", diz Wu na obra.
O jurista usa a Amazon como exemplo de como consumidores e fornecedores saem prejudicados.
Em 2014, o custo médio para um comerciante vender seus produtos na Amazon era de cerca de 19% da receita (no varejo tradicional é de 50%). "Os vendedores estavam felizes, as ações da Amazon estavam subindo, e parecia que a promessa do ganha-ganha na internet estava sendo cumprida", escreve Wu. Para crescer e manter seus clientes e vendedores fiéis, a Amazon subsidiava preços e frete.
Uma vez que seu poder de mercado estava estabelecido e muitos concorrentes haviam desistido ou sido comprados, a Amazon começou a "extrair" valor. Aumentou continuamente a taxa mensal e outras tarifas cobradas dos vendedores, que chegaram a 30% por venda. Começou a vender anúncios que, na prática, funcionavam como uma taxa obrigatória. Sem pagar pelos anúncios, o comerciante via seus produtos sumir nas buscas. Com o aumento nas taxas, os vendedores passaram a elevar seus preços, prejudicando os consumidores.
"Em 2023, as taxas tinham se tornado menos previsíveis, mas, na média, totalizavam mais de 50% do preço de venda do produto."
Naquela altura, no entanto, muitos consumidores já estavam fidelizados pelo Amazon Prime e pela praticidade, e os vendedores não tinham outros mercados tão grandes para vender seus produtos. Com isso, a Amazon continua extraindo valor, à custa de margens dos comerciantes e renda dos compradores.
"É uma verdade inquestionável que a mudança tecnológica cria riqueza. É a divisão dessa riqueza que sempre foi a parte complicada. Muitas vezes, os avanços tecnológicos têm sido usados para ampliar, não para reduzir, as disparidades econômicas."
Wu foi um dos responsáveis pela política antitruste no governo Biden, como assessor especial da Presidência para Política de Concorrência e Tecnologia, ao lado de Lina Khan, que era presidente da FTC (Comissão Federa de Comércio), e Jonathan Kanter, então vice-secretário de Justiça responsável pela Divisão Antitruste.
Os três são os baluartes da nova política progressista antitruste, chamados de "neobrandeisianos", em referência ao ministro da Suprema Corte Louis Brandeis (1856-1941). Brandeis acreditava que os monopólios eram inerentemente nocivos e pregava uma política antitruste mais assertiva para garantir condições justas de concorrência. Nas últimas décadas, vinha prevalecendo nos EUA uma política muito menos intervencionista, em que só se adotam medidas antimonopólio quando há clara demonstração de prejuízos aos consumidores, como alta de preços.
Nos últimos anos, principalmente no governo Biden, mas também nos dois mandatos de Trump, adotou-se uma postura mais militante contra o excesso de poder de mercado das big techs. O Departamento de Justiça abriu processos contra Google, Facebook, Amazon e outras grandes plataformas, acusando-as de comportamento anticoncorrencial.
Na hora de recomendar remédios contra a plataformização exacerbada da economia, o jurista americano não sai muito das soluções já conhecidas: regras antimonopólio fortes, neutralidade na prestação de serviços e não discriminação, capacitação de poderes compensatórios (sindicatos, consumidores), regular as big techs da mesma maneira que serviços públicos (empresas de luz, água, rodovias).
Ele avança ao ligar a concentração de poder e riqueza nas mãos de algumas poucas empresas à recente proliferação de governos com tendências autoritárias.
Wu cita o senador americano Estes Kefauver, que, em 1950, advertiu: "Não sou alarmista, mas a história de outras nações, onde fusões e concentrações fizeram com que o controle econômico ficasse nas mãos de pouquíssimas pessoas, é muito clara para ser ignorada".
Segundo ele, chegaria um ponto em que seria necessária uma intervenção para reassumir o controle da economia. "Isso resulta em um Estado fascista ou na nacionalização das indústrias e, posteriormente, em um Estado socialista ou comunista."
Para Wu, o caminho para um Estado autoritário "passa pelo desequilíbrio do poder econômico, e uma economia de plataforma contribui para esse problema".
Segundo ele, após a extração sistêmica de valor pelas plataformas, surge um ressentimento em massa ? e essa é a oportunidade de autocratas ascenderem.
Como disse o mentor dos novos guerreiros antitruste, Louis Brandeis: "Podemos ter democracia neste país ou podemos ter grande riqueza concentrada nas mãos de poucos, mas não podemos ter ambos".
