Pesquisa desvenda enigmático ritual funerário com caixões suspensos
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Um estudo recente desvendou um dos maiores mistérios da arqueologia chinesa: a identidade dos responsáveis pela tradição dos caixões suspensos, vistos há milênios em penhascos no sul do país.
A pesquisa foi publicada na revista Nature e conduzida por especialistas chineses e internacionais. Em conjunto, eles analisaram o DNA de onze indivíduos com mais de 2 mil anos recuperados em sítios arqueológicos chineses, além de restos mortais de quatro pessoas que estavam em caixões suspensos na Tailândia, onde o ritual também era praticado.
Paralelamente, os pesquisadores sequenciaram o genoma de 30 pessoas vivas pertencentes ao grupo étnico Bo. A comparação genética revelou que os Bo modernos herdam grande parte de suas origens dos praticantes dessa tradição funerária.
"Nossos resultados indicam que o povo Bo atual deriva uma proporção substancial de sua ancestralidade de praticantes da tradição funerária do caixão suspenso", disseram pesquisadores, em estudo publicado na Nature
Outro ponto importante revelado pela pesquisa é que, mesmo há mil anos, as comunidades que utilizavam caixões suspensos já apresentavam forte diversidade e mistura genética. Em um único sítio em Yunnan, foram encontrados indivíduos com origens distintas, o que aponta para um grau de mobilidade e intercâmbio cultural maior do que se imaginava.
Com isso, o mistério secular ganha respostas concretas. Os descendentes diretos dessas populações ainda vivem hoje, mostrando que os laços genéticos sobreviveram por milênios no sul da China.
QUEM SÃO OS BO?
O povo Bo é um grupo étnico minoritário que vive principalmente em Yunnan e Sichuan. Historicamente, sua cultura sofreu forte declínio durante antigas dinastias chinesas, especialmente após conflitos que quase dizimaram o grupo.
Parte dos sobreviventes se misturou a outras populações locais. Hoje em da, seus descendentes mantêm traços culturais fragmentados, com poucos registros oficiais preservados.
POR QUE OS CAIXÕES ERAM SUSPENSOS?
Para muitos povos asiáticos antigos, a altura simbolizava proximidade com o céu, os ancestrais e as divindades. Suspender os caixões, portanto, era uma forma de honrar o espírito e garantir uma passagem digna para a vida após a morte.
"O sepultamento em caixões suspensos consistia em colocar o corpo em um caixão de madeira fixado em penhascos, cavernas ou fendas rochosas, geralmente próximos a rios ou regiões montanhosas", disseram pesquisadores.
Além disso, o ritual também tinha funções práticas. Proteger os mortos de enchentes, saqueadores e animais, garantindo a integridade da sepultura.
A pesquisa indica ainda que o ritual não era destinado a todos. Muitos dos enterrados dessa forma provavelmente eram líderes, guerreiros ou indivíduos de prestígio, recebendo tratamento especial.
Acredita-se que a tradição tenha desaparecido há cerca de 600 anos, devido a ataques constantes e à perseguição que o grupo sofreu. A partir daí, outros métodos de sepultamento -como em cavernas- passaram a ser utilizados em regiões da China, Tailândia e Taiwan.
O estudo resolve um enigma arqueológico que perdurava por séculos. Assim, oferece visibilidade e identidade a um povo historicamente marginalizado.