Livro de Macri funciona como sessão de terapia e sugere retorno a política

Por SYLVIA COLOMBO

(FOLHAPRESS) - Em "Franco", o ex-presidente argentino Mauricio Macri escreve sobre o pai, mas o livro deve ser lido como um gesto político vinculado ao contexto atual da Argentina. Macri publica a obra num momento de afastamento de Javier Milei, cuja candidatura apoiou na última eleição. A obra insinua a vontade de Macri de se reposicionar no tabuleiro argentino.

O livro gira em torno da conflituosa relação que Macri teve com o pai, que, segundo o ex-presidente, sempre foi um antagonista, colocando-o em posições difíceis em suas empresas e depois humilhando-o.

O próprio Macri recorre a uma imagem da cultura contemporânea para tentar explicar a complexidade dessa relação. Conta que amigos lhe sugeriram assistir à série "Succession", ao perceberem semelhanças entre a dinâmica abusiva de Logan Roy com o filho primogênito Kendall Roy e o vínculo entre Franco e Mauricio.

Macri viu a série e conta que deu risada. "Imagine, meu pai era mil vezes mais cruel." Ao longo das páginas, Macri vai contando como isso se dava na prática, com o pai colocando-o, ainda muito jovem, em posições importantes de suas empresas, e essa responsabilidade o desestabilizava.

Franco Macri (1930-2019) surge como personagem central. Imigrante italiano que construiu um império empresarial na Argentina, chegou a controlar mais de 45% da indústria automobilística, além de comprar os correios e possuir grandes empresas de construção. Atuou inclusive no Brasil. A relação de pai e filho foi marcada por uma tensão constante, que atravessou toda a vida adulta do ex-presidente. "Meu pai foi meu maior professor, mas também meu principal antagonista", diz o ex-presidente.

Esse antagonismo é apresentado como o principal motor da trajetória de Mauricio Macri. Em sua leitura, foi justamente a dureza do pai e a necessidade de escapar de sua sombra que o estimularam a buscar ser superior a ele. Superar Franco significava conquistar um tipo de poder que o pai nunca havia tido, o poder político.

O sequestro de Macri, em 1991, aparece como ponto de inflexão. Os 12 dias que passou em cativeiro alteraram sua percepção da vida. A experiência extrema o estimulou a romper o conflito cotidiano com o pai. A partir dali, Macri começa a seguir outro caminho, mesmo diante da incredulidade e da fúria de Franco.

Primeiro, virou presidente do Boca Juniors. Depois, abraçou a carreira política, culminando na Presidência da República. Em "Franco", Macri sugere que essas escolhas não foram apenas estratégicas, mas respostas diretas a uma relação paterna marcada pela disputa. Tornar-se presidente foi, em última instância, a forma de romper com o modelo que o precedeu.

Há um momento em que o conflito parece se inverter. Macri tem a sensação de que finalmente havia "ganhado" do pai. Mas é aí que se inicia, para ele, uma necessidade obsessiva de remendar a relação.

Embora se pareça com o que Macri contaria a seu psicanalista, o livro retrata também o cenário político argentino dos anos de Carlos Menem até os dias de hoje.

A mensagem final de Macri fica nas entrelinhas: sinaliza que cresceu, está mais maduro como político, livrou-se da vigilância paterna e, por que não, poderia reaparecer numa próxima disputa eleitoral.