Merz busca protagonismo no apoio à Ucrânia e vira alvo de Moscou

Por JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Anfitrião de Volodimir Zelenski e líderes europeus nesta segunda-feira (15), em Berlim, Friedrich Merz tem procurado resgatar o protagonismo da Alemanha nas relações exteriores da União Europeia. Se o esforço ainda não lhe confere apoio popular no próprio país, pelo menos o adversário direto já entendeu o recado: o premiê alemão virou alvo preferencial de fake news impulsionadas pela Rússia.

Há meses, segundo diplomatas alemães, Merz vem sendo objeto de ataques híbridos espalhados por robôs e serviços patrocinados supostamente por Moscou. Prontuários médicos falsos circulam descrevendo uma personalidade psicologicamente instável, valendo-se da verborragia do conservador alemão ?demonstrada, por exemplo, nas críticas a Belém antes da COP30.

A desinformação também assume formato de notícia em sites falsos. Vai de assuntos frequentes da política doméstica alemã, com uma falsa decisão do governo federal em abrigar mais refugiados, no momento em que o país faz exatamente o contrário, a boatos quase infantis, como de que teria matado filhotes de urso em uma caçada.

No mundo real, Merz, é um dos mais vocais líderes europeus contra a invasão russa na Ucrânia depois que os EUA assumiram um papel ambíguo nas negociações a partir da volta de Donald Trump à Casa Branca. Seu primeiro ato de governo, viabilizado antes mesmo da posse em maio, foi a concessão de um pacote de ajuda à Ucrânia de ? 3 bilhões (R$ 18,9 bilhões).

Cinco dias depois de assumir como primeiro-ministro, Merz já estava em Kiev, ao lado de Emmanuel Macron e do polonês Donald Tusk, apoiando Zelenski em clara provocação a Vladimir Putin. Naquele mesmo dia, o presidente russo celebrava os 80 anos da vitória russa na Segunda Guerra ladeado por ditadores de diversos portes e Luiz Inácio Lula da Silva.

Desde a campanha eleitoral, Merz elegeu a Rússia como perigo existencial, sentimento compartilhado pela maioria dos alemães e dos europeus. Como primeiro-ministro, não chegou a liberar os mísseis intercontinentais Taurus que chegou a prometer como candidato, mas manteve elevado o tom da crítica a Putin e a seus apoiadores.

Mais de uma vez, por exemplo, defendeu que a Hungria de Viktor Orbán deveria ser punida pela Comissão Europeia pelo reiterado apoio a Moscou nas votações sensíveis ao país: sanções econômicas, frota fantasma e interrupção do fornecimento de gás natural.

Foi Merz também quem primeiro apoiou a ideia da Dinamarca, na presidência rotativa da UE, de driblar o poder de veto do premiê húngaro e de Robert Fico, da Eslováquia, na decisão de usar ? 210 bilhões em recursos russos congelados para lastrear empréstimos à Ucrânia.

Uma rara resolução tomada no âmbito do Conselho Europeu transformou o assunto em um caso de alta segurança do bloco. Dessa forma, a maioria dos votos é suficiente para aprovação, e não mais a unanimidade, com em decisões regulares, poder que Orbán manipula com frequência.

A disposição alemã pela manobra é tanta que o país anunciou garantiria de até ? 50 bilhões caso alguma decisão judicial ou o fim da guerra empurre a conta do empréstimo para a Bélgica, depositária da maior parte dos recursos e, por isso mesmo, receosa de ser responsabilizada por eventual calote.

A utilização dos ativos congelados, que a Rússia teria de volta apenas quando começasse a pagar indenizações pelos danos causados à Ucrânia, seria o tema que mais incomoda Moscou e teria transformado Merz em alvo preferencial dos trolls russos.

Não por acaso, na última sexta-feira (12), o embaixador russo em Berlim foi convocado pelo governo local. Segundo porta-voz do ministério das Relações Exteriores, houve um aumento significativo de "atividades híbridas ameaçadoras" conduzidas supostamente por Moscou. O diplomata foi alertado de que seu país estava sendo investigado.

A pasta listou ao menos dez casos de fake news contra políticos e instituições, quase todos com algum tipo de ligação dos autores com o GRU, o serviço de inteligência militar russo.

Outras atividades incluiriam espionagem, ataques cibernéticos e tentativas de sabotagem. Como diversos outros países europeus, a Alemanha nos últimos meses também teve grandes aeroportos paralisados pela presença de drones.

Se Merz e seu gabinete inauguraram uma nova fase nas relações com a Rússia, ao menos neste tema a maioria do eleitorado parece concordar. As mesmas pesquisas que o apontam como um dos mais impopulares premiês do pós-guerra também dizem que a ajuda à Ucrânia é fundamental. Quase a metade (47,5%) é a favor do empenho alemão em busca de um cessar-fogo.