Putin quer expandir zona tampão em área que não anexou da Ucrânia

Por IGOR GIELOW

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta quarta-feira (17) que irá expandir uma zona tampão nas regiões em que a Ucrânia faz fronteira com seu país para evitar futuros ataques de Kiev. A área não faz parte das demandas públicas do Kremlin para acabar com a guerra que iniciou em 2022.

Putin já havia dado a ordem para estabelecer o tampão em 2024 e, novamente, neste ano. Sua expansão sugere mais um item nas mesas de negociação promovidas pelo Donald Trump nas últimas semanas ou, como o discurso do russo deixou claro, a disposição de seguir o conflito.

O líder discursou durante o encontro anual com o comando do Ministério da Defesa, em Moscou. "Os objetivos da operação militar especial serão sem dúvida atingidos. Nós preferiríamos fazer isso e tratar das raízes do conflito por meio da diplomacia", disse, elogiando Trump e criticando os europeus.

"Se o lado oposto e seus patronos estrangeiros recusarem discussões substantivas, a Rússia vai alcançar a libertação de suas terras históricas por meios militares. A tarefa de criar e expandir uma zona de segurança tampão será feita de modo consistente."

No vaivém de discussões sobre um plano de paz, os EUA sugeriram a criação de uma área desmilitarizada nos 20% da região de Donetsk que Kiev ainda controla. Só que não era esse o ponto de Putin, como a fala subsequente do ministro Andrei Belousov (Defesa) explicitou.

Ele disse que a zona tampão será estabelecida na fronteira nordeste ucraniana, para evitar novas invasões como a promovida por Zelenski na região de Kursk (sul russo), repelida após oito meses em maio passado. E citou nominalmente o bastião de Kupiansk, na província de Kharkiv.

No fim de novembro, a Rússia anunciou a conquista da cidade. A Ucrânia contra-atacou e, nesta quarta, afirmou ter retomado 90% do local. Belousov negou, e disse que ainda tem o controle do local, apesar dos ataques dos rivais.

A atenção dada de lado a lado mostra a importância do tema. Kharkiv e Sumi, regiões do nordeste ucraniano que fazem fronteira com a Rússia, não estavam listadas como objetivo de guerra na minuta apresentada pelo Kremlin em junho.

Em ambos os locais há pequenos trechos controlados por Moscou, que Putin agora quer expandir. Oficialmente, o russo anexou de forma ilegal em 2022 Donetsk e Lugansk, no leste, além de Zaporíjia e Kherson, ao sul. Dessas, controla respectivamente 80%, 100%, 75% e 75%.

No imaginário russo, deveriam estar sob controle de Moscou também Kharkiv, cuja capital homônima é a segunda maior cidade do vizinho, Mikolaiv e Odessa, na costa do mar Negro.

Como a Folha de S.Paulo mostrou no fim do ano passado, o Kremlin até bancou a publicação de um livro didático para ser distribuído em Kharkiv, a exemplo do que fez nas outras quatro regiões anexadas.

Putin e Belousov retomaram o otimismo dos anúncios recentes, anotando vitórias em pontos importantes da frente de batalha, como Pokrovsk (Donetsk) e Vovtchansk (Kharkiv). "As Forças Armadas liberaram mais de 300 assentamentos e mais de 6.000 km2 no ano, um terço a mais do que em 2024", disse o presidente.

Os dados são consistentes com o que apontam monitores ucranianos de perda territorial. Isso dito, equivalem a cerca de 1% do vizinho, do qual o Kremlin controla cerca de 20%, incluindo a Crimeia anexada em 2014 e as áreas no leste que já dominava por meio de separatistas.

Belousov foi além da retórica do chefe e disse que Kiev e Europa "criaram condições reais para a continuidade da ação militar em 2026". Trump gostaria de ver uma trégua na guerra que havia prometido acabar em 24 horas até o Natal, e as negociações continuam intensas.

Segundo o Kremlin, ainda não foi recebida a versão revisada por Zelenski da proposta americana, e o enviado de Trump para o conflito, Steve Witkoff, não deve ir a Moscou nesta semana.

No mais, Putin enalteceu no encontro o desenvolvimento de novas armas, como os mísseis Orechnik e Burevestnik, além do "torpedo do Juízo Final" Poseidon. Disse que a Marinha russa incorporou 19 navios e "vários submarinos" neste ano.

Ele voltou a dizer que os governos europeus "alimentam histeria" sobre "a mentira" de que a Rússia quer atacá-los, com isso aumentando seu gasto militar e de fato se preparando para um conflito.