Chefe da junta militar de Mianmar diz que eleições serão 'livres e justas'
FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) - O líder da junta militar de Mianmar, Min Aung Hlaing, afirmou que as eleições no país neste domingo (28) são "livres e justas", mesmo organizadas pelas próprias Forças Armadas que derrubaram o governo civil em um golpe de Estado há cinco anos e passaram a conduzir a nação do Sudeste Asiático sob um regime contestado pela comunidade internacional. Aung Hlaing deu a declaração a jornalistas após votar na capital, Naypyidaw.
"É fundamental que o futuro de Mianmar seja determinado por meio de um processo livre, justo, inclusivo e crível, que reflita a vontade do seu povo", declarou em comunicado a ONU (Organização das Nações Unidas), no qual afirma que "se solidariza com o povo de Mianmar e suas aspirações democráticas".
O pleito é visto por críticos e observadores internacionais como uma tentativa de legitimar o regime militar que anulou o resultado das eleições de 2020 sob o argumento de que houve fraudes em larga escala.
O Partido da União, Solidariedade e Desenvolvimento (USDP), alinhado aos militares, é o principal participante do pleito e concentra mais de um quinto dos candidatos, segundo a Rede Asiática para Eleições Livres (Anfrel).
A ex-líder e Nobel da Paz Aung San Suu Kyi e seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (LND), que venceu de forma esmagadora a última eleição, boicotaram a votação. Ela permanece detida.
A LND e a maioria das legendas que concorreram há cinco anos foram dissolvidas. A votação, já encerrada neste domingo com sinais de baixa participação eleitoral, ocorreu em três etapas ao longo de um mês e utilizou urnas eletrônicas que não permitem a inscrição manual de candidatos nem votos nulos.
A guerra civil fez os militares perderem o controle de amplas áreas de Mianmar para forças rebeldes, e o pleito não ocorrerá nos territórios sob domínio desses grupos. Um censo divulgado pela própria junta no ano passado reconheceu que cerca de 19 milhões de pessoas, de uma população superior a 50 milhões, não foram recenseadas por "restrições de segurança".
Nesse contexto, as autoridades cancelaram a escolha de 65 das 330 cadeiras da Câmara Baixa. Também ficarão excluídos mais de um milhão de rohingyas apátridas, que vivem refugiados em Bangladesh desde a repressão militar iniciada em 2017 contra essa minoria.
A Anfrel afirma que a Comissão Eleitoral da União, responsável pela supervisão do pleito, é controlada pelas Forças Armadas e não atua de forma independente. O chefe do órgão, Than Soe, foi nomeado após a deposição do governo de Suu Kyi e é alvo de sanções e proibição de viagens impostas pela União Europeia por "minar a democracia" no país.
Desde o golpe, a junta bloqueou redes sociais como Facebook, Instagram e X e aprovou leis que preveem até dez anos de prisão para protestos ou críticas às eleições. Mais de 200 pessoas já foram processadas com base nessa legislação, incluindo casos relacionados a mensagens privadas em redes sociais, protestos relâmpago, distribuição de panfletos e depredação de material de campanha.
O regime convidou observadores internacionais, mas teve pouca adesão. Segundo a mídia estatal, uma das poucas delegações a chegar ao país veio da Belarus, desde 1994 sob comando do ditador Aleksandr Lukachenko.
Tom Andrews, enviado especial da ONU para os direitos humanos em Mianmar, disse no domingo que a eleição não era uma saída para a crise do país e deveria ser fortemente rejeitada.
Zaw Min Tun, porta-voz da junta, reconheceu as críticas internacionais à votação. "No entanto, a partir desta eleição, haverá estabilidade política", disse ele a jornalistas após votar em Naypyitaw. "Acreditamos que haverá um futuro melhor."
Apesar disso, a participação eleitoral em Mianmar não se aproximou da registrada na eleição anterior, realizada sob restrições da pandemia de Covid-19, inclusive na capital comercial, Yangon, e na cidade central de Mandalay, segundo moradores.
A participação foi de cerca de 70% nas eleições gerais de Mianmar em 2020 e 2015, de acordo com a Ifes (Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos.
Não houve o mesmo entusiasmo e energia das campanhas eleitorais anteriores, embora vários moradores das maiores cidades de Mianmar que falaram à agência de notícias Reuters não tenham relatado qualquer coerção por parte da administração militar para pressionar as pessoas a votar.
Algumas seções eleitorais em Yangon, algumas delas próximas a áreas residenciais com famílias de militares, tinham dezenas de eleitores em fila por volta do meio-dia, mas outras estavam praticamente vazias, segundo dois moradores da metrópole.
ENTENDA O PROCESSO ELEITORAL
As cadeiras no Parlamento de Mianmar serão alocadas por meio de um sistema combinado de maioria simples e representação proporcional, o que, segundo a Anfrel, favorece amplamente os partidos maiores. Os critérios para se registrar como uma legenda nacional capaz de concorrer a vagas em várias áreas foram endurecidos, de acordo com a organização de monitoramento eleitoral asiática, e apenas 6 das 57 siglas se qualificaram.
Os resultados devem sair no fim de janeiro. Independentemente do desempenho de cada partido nas urnas, a Constituição elaborada pelos militares determina que um quarto das cadeiras seja reservado para as Forças Armadas. A Câmara Baixa, a Câmara Alta e os membros das Forças elegem cada um um vice-presidente dentre seus membros, e o Parlamento conjunto vota para decidir qual dos três será elevado à Presidência.
