Empresária citada em inquérito do STF bancou painel gigante que associa esquerda a PCC

Por FERNANDA MENA E CAUE FONSECA

SÃO PAULO, SP, E PORTO ALEGRE. RS (FOLHAPRESS) - Responsável pela contratação de dois painéis gigantes em Porto Alegre que associavam esquerda a PCC, a empresária Nair Berenice da Silva, conhecida como Tuty, foi citada no inquérito do STF (Supremo Tribunal Federal) que investigou os atos antidemocráticos ocorridos em Brasília em 2020.

Segundo relatório da Polícia Federal que consta do inquérito sobre as manifestações de ataque à mais alta corte do país, Tuty dividiu uma conta de R$ 7.000, pagos pelo aluguel de dois caminhões em Brasília, com a ex-coordenadora do MBL (Movimento Brasil Livre) no Rio Grande do Sul, Paula Cassol, hoje candidata a deputada estadual pelo PL, atual partido do presidente Jair Bolsonaro.

No pedido de arquivamento do inquérito feito ao relator, ministro Alexandre de Moraes, o Ministério Público Federal argumenta, entre outras coisas, que Tuty e Cassol não foram ouvidas pela PF e que o elo entre elas e outros contratantes de caminhões utilizados nos atos não foi investigado.

Agora, Tuty ressurge como o nome por trás dos painéis dispostos em Porto Alegre. Procurada, ela nega envolvimento.

Com um lado amarelo, com a bandeira do Brasil, e outro vermelho, com uma foice e um martelo cruzados, ícones do comunismo, o painel ladeava supostos opostos como "agro" versus "MST" e "bandido preso" versus "bandido solto" e "liberdade" versus "censura".

O outdoor relacionava esquerda a PCC e narcotráfico encabeçado pela frase "Você decide" e foi retirado a pedido da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul. Outros outdoors com mesmo conteúdo e formato foram encontrados em outros estados do país, o que sugere algum tipo de orquestração.

A empresa registrada na nota fiscal de R$ 18.478,26 apresentada ao Ministério Público pela empresa Life Mídias Urbanas, responsável pelo outdoor, está em nome de Nair Berenice da Silva, a Tuty.

Em sua conta numa rede social, reconhecida como propagadora de informações falsas, Tuty chegou a postar imagens do painel gaúcho.

O perfil trazia também fotos e vídeos de Paula Cassol e imagens da empresária em atos de apoio ao presidente Bolsonaro. A conta foi apagada depois de revelado que Tuty foi financiadora do outdoor.

Tuty informou, por meio de nota, que as informações sobre seu envolvimento no outdoor e nos atos antidemocráticos, que constam de documentos oficiais disponíveis tanto no site do TRE-RS como no site do STF, são "fake news".

Ela afirma, ainda, que "está sendo realizada a catalogação das narrativas partidárias travestidas de reportagem e dos respectivos relatores, enquanto são preparadas medidas judiciais ?cíveis e criminais? contra empresas financiadoras do conteúdo e de seus empregados redatores".

Já Paula Cassol se diz amiga de Tuty, mas nega ter participação financeira na compra dos painéis.

Cassol fez três postagens sobre o painel. Na primeira, posando ao lado de um cartaz com o mesmo texto do outdoor, disse: "Hoje os comunistas surtaram com uma empena em Porto Alegre com essas informações. Não existe nenhuma mentira, mas quando são expostos, querem calar quem mostra a verdade."

Questionada pela reportagem, Cassol disse que não conhecia o conteúdo dos painéis. "Sabia que ela [Tuty] e um grupo estariam contratando painéis, mas não conhecia o conteúdo", informou, sem especificar quem faria parte deste grupo, formado, segundo ela, por "voluntários que lutam para livrar o Brasil do comunismo".

Questionada se houve uma ação orquestrada com o mesmo conteúdo pelo Brasil, disse: "Eu já tinha visto nas redes, muito antes desse painel, fotos circulando de outros outdoors com o mesmo conteúdo. Não existe nenhuma ação coordenada. Existem pessoas no Brasil que sabem o que está acontecendo e o perigo que enfrentamos. Que sabem que o conteúdo daquilo é a mais pura realidade. As pessoas trabalham de forma orgânica."

A nota fiscal apresentada pela Life à Justiça eleitoral descreve que o valor cobrado é referente a "despesas gráficas de impressão da lona, mão de obra de instalação e retirada, aluguel da parede e energia elétrica", com "exibição bonificada".

Tuty já havia utilizado os serviços da Life em 2019 para espalhar outdoors em apoio ao pacote anticrime do então ministro Sergio Moro. Na época, ela declarou que os espaços foram cedidos pelas empresas de anúncio.

Leonardo Zigon Hoffmann, sócio da Life, disse à reportagem que o preço padrão para um anúncio do mesmo porte exibido por um mês gira em torno de R$ 89 mil.

Ele justificou o valor efetivado no caso do outdoor irregular pago por Tuty a partir de variáveis como descontos praticados pela concorrência, tempo em que o espaço está desocupado, histórico do cliente etc.

"O conteúdo das campanhas é de responsabilidade dos anunciantes que contrataram, e conviver com a simpatia ou rejeição a estas faz parte da liberdade que deve prevalecer na sociedade", divulgou a empresa por meio de nota.

"Que a nossa sociedade saiba conviver com posições e opiniões diferentes, e que as pessoas entendam que isso torna uma nação e uma democracia mais forte."

Hoffmann argumenta ainda que o espaço já foi utilizado para veicular anúncio contrário à Bolsonaro em março deste ano.

Ele se refere a uma peça bancada pela Assufrgs (Sindicato dos Técnico-administrativos da UFRGS, UFSCPA e IFRS) que culpava Bolsonaro pelos preços da cesta básica, do gás de cozinha e da gasolina. O valor negociado na ocasião somou R$ 26,5 mil, divididos entre R$ 8.500 pela confecção da propaganda e de R$ 18 mil por sua exibição.

A Assufrgs reclama que a Life vetou duas versões da peça, argumentando que o condomínio não permitira as versões anteriores. Já o condomínio nega qualquer influência sobre o conteúdo dos painéis veiculados na empena cega do edifício.

As versões vetadas continham os dizeres "Fora Bolsonaro" e riscos vermelhos nos olhos do presidente.