Servidoras relatam pressão no TCE para atenuar auditorias sobre Governo de SP

Por BRUNO RIBEIRO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Duas auditoras do TCE (Tribunal de Contas do Estado) disseram ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo) que sofreram pressões internas para ignorar falhas na gestão de rodovias das administrações Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (sem partido).

Segundo elas, a interferência de superiores levou à produção de auditorias que ignoraram problemas no setor de estradas e resultaram em relatórios que permitiram ao governo assinar concessões por valores abaixo do que as rodovias de fato valiam, causando prejuízo bilionário ao estado.

As servidoras afirmam que a pressão sobre os relatórios desencadeou perseguições dentro do tribunal. Em depoimentos ao MP-SP e à Polícia Civil, em uma investigação sob sigilo, relataram assédio moral e, no caso de uma delas, assédio sexual. As duas foram removidas das áreas em que atuavam e dizem ter perdido progressões de carreira porque deixaram de ser avaliadas por suas chefias.

O TCE disse à Folha que tem compromisso com a ética e que uma das denúncias, a de assédio sexual, foi investigada e arquivada. A gestão Tarcísio afirmou que "eventuais ilações sobre a interferência de terceiros" no trabalho do TCE "são absolutamente equivocadas e indevidas".

O tribunal é composto por sete conselheiros, escolhidos pelo governador e pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Desde 2023, quatro nomes alinhados a Tarcísio foram indicados para o colegiado, formando a maioria do plenário responsável por julgar as contas do governo e validar relatórios técnicos produzidos pelos auditores.

Os casos citados pelas servidoras envolvem a análise das contas de 2023 do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), dirigido por Sérgio Codelo, coronel reformado do Exército ligado a Tarcísio, e a fiscalização das contas de 2022 da Artesp, na gestão Rodrigo Garcia. Em ambos, segundo as auditoras, trechos relevantes dos relatórios foram retirados na etapa de revisão interna.

No caso do DER, as auditoras afirmam que foram suprimidos achados sobre má gestão patrimonial, incluindo registro inadequado de bens reversíveis (equipamentos e estruturas que devem voltar ao poder público ao fim das concessões), devolução de rodovias em estado precário e falhas decorrentes de obras mal executadas.

Em outra frente, de pátios e leilões, a auditoria havia apontado o desaparecimento de 47 veículos, cartelização entre sete concessionárias de pátios com sócios em comum e ligações com offshores no Panamá. Segundo as servidoras, esses elementos foram cortados da versão final.

"A auditoria apontava falhas estruturais na gestão do DER que geram impactos severos ao orçamento estadual, à qualidade das rodovias e ao bem-estar da população. Tudo isso foi simplesmente cortado", afirma trecho de uma das representações.

Na Artesp, ainda segundo as servidoras, foram removidas constatações de alta inexecução de obras e sinais de que a agência estaria atuando em favor das concessionárias, pela dependência de empresas terceirizadas. Elas dizem que uma funcionária do consórcio vencedor de uma licitação participou da elaboração do edital, o que configuraria conflito de interesses. Também foram suprimidos apontamentos sobre cláusulas restritivas que limitavam a concorrência.

A omissão, segundo uma das representações, reduziu o crédito favorável ao estado nos cálculos de reequilíbrio ?ajustes feitos quando há mudanças nos custos ou receitas das concessões?, gerando impacto de R$ 7,5 bilhões.

A agência afirmou à Folha que os servidores envolvidos nos casos de conflito de interesse relatados foram demitidos.

"Desde 2024, a Artesp passou por uma reestruturação administrativa e funcional, com a criação de instâncias de controle interno e da primeira Corregedoria da Agência, responsável por auditoria interna, prevenção de irregularidades e coordenação das respostas ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público", disse.

"Todos os questionamentos formulados pelo TCE e pelo MP foram devidamente tratados e sanados. Para recompor sua capacidade institucional e reduzir a dependência histórica de terceirizações, o Governo do Estado autorizou a realização do primeiro concurso público da Artesp em mais de uma década", disse a agência, ao ressaltar que os problemas apontados referiam-se à gestão anterior.

Nos relatos enviados ao MP-SP, uma das auditoras diz ter sido chamada de "fraca, incompetente e insuportável", além de receber tarefas com prazos considerados impossíveis e pedidos para assinar auditorias que não realizou. A outra afirma ter sido alvo de assédio sexual, com comentários sobre seu corpo e promessa de favorecimento profissional em troca de relações sexuais.

As duas ingressaram com ações populares contra o TCE, apresentaram representações ao MP-SP e prestaram depoimento à Polícia Civil. O tribunal deixou de preencher as avaliações de desempenho das servidoras, o que resultou no não pagamento de progressões salariais. Procuradas, elas não quiseram dar entrevista e pediram para ter seus nomes preservados.

Por meio de nota, além de dizer que a acusação de assédio sexual foi investigada e arquivada por falta de materialidade, o TCE afirmou à Folha que não houve represália e que as avaliações não foram feitas porque as chefias passaram a figurar como rés nas ações movidas pelas auditoras, o que as teria impedido de avaliá-las.

Disse ainda que, na área para a qual foram transferidas, não havia tempo hábil para análise do desempenho. O tribunal informou que cumprirá decisão judicial que determinou a avaliação para progressão, embora tenha apresentado recurso.

Além de chamar de equivocadas eventuais ilações sobre interferência de terceiros no trabalho do TCE, a gestão Tarcísio disse ter entregue toda a documentação solicitada sobre o DER, afirmou que as contas foram aprovadas e declarou repudiar qualquer prática de assédio.

Rodrigo Garcia foi procurado, mas não comentou o caso.