Disputa entre Lula e Flávio Bolsonaro reedita guerra de rejeição da eleição de 2022

Por ANA LUIZA ALBUQUERQUE

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se o senador Flávio Bolsonaro (PL) mantiver sua candidatura ao Planalto em 2026, irá reeditar com o presidente Lula (PT) a guerra de rejeições da corrida eleitoral de 2022, avaliam políticos e estrategistas de campanha.

Na última eleição presidencial, Jair Bolsonaro (PL) saiu derrotado. Flávio já tenta mudar o roteiro se apresentando como uma versão moderada do pai.

Publicada na semana passada, a mais recente pesquisa Genial/Quaest animou bolsonaristas por mostrar Flávio logo atrás de Lula em intenções de voto no primeiro turno. No cenário com Tarcísio de Freitas (Republicanos), presidenciável preferido do centrão, o governador de São Paulo sai com 10%, enquanto Flávio aparece com 23%, e Lula, com 41%.

O levantamento, porém, mostra um dado crucial que pesa contra o filho de Bolsonaro: 60% dos entrevistados dizem que não votariam em Flávio. É a maior rejeição entre todos os cotados ?Lula tem 54%, Tarcísio, 47%, Ratinho Júnior (PSD), 39%, Ronaldo Caiado (União Brasil), 40%, e Romeu Zema (Novo), 35%.

Integrantes do PL admitem à reportagem que, se confirmada a rejeição na faixa de 60% nas próximas pesquisas, será muito difícil o senador se tornar viável.

Pesquisa Datafolha realizada de 2 a 4 de dezembro, anterior ao anúncio de Flávio, mostrava Lula com uma rejeição de 44%, superior à do senador, que tinha 38%, e à de Tarcísio, com 20%.

O potencial de rejeição ao sobrenome Bolsonaro é um empecilho para partidos do centrão abraçarem Flávio ao Planalto. Líderes do grupo indicavam preferir uma opção mais palatável, que unisse o centro e a direita.

Para uma pessoa com experiência em campanhas eleitorais, que falou com a reportagem sob reserva, uma opção para Flávio ter viabilidade é conseguir aumentar a rejeição de Lula.

Professor de comunicação política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Beto Vasques afirma esperar uma eleição de rejeições, decidida por diferença de poucos pontos percentuais.

"Por ser o Flávio, talvez possa até abrir mais espaço para o Lula. Ele tem a parte ruim do Bolsonaro e não tem a parte boa, o apelo popular de líder de massas", diz Vasques, que acumula algumas campanhas eleitorais em sua trajetória.

Para ele, o desafio de Flávio é muito grande porque, para aumentar a rejeição de Lula, seria preciso atacá-lo. Fazendo isso, porém, o filho de Jair poderia ser mais rejeitado. Terceirizar os ataques, diz o professor, não teria o mesmo efeito sobre a popularidade do petista.

"A rejeição será um problema para os dois, mas Lula está 10 pontos à frente no segundo turno, e Flávio tem 6 pontos a mais de rejeição", diz. "E Lula tem um supertrunfo que é a campanha como incumbente, que sempre tende a melhorar a aprovação e diminuir a rejeição."

Vasques afirma que a oposição não-bolsonarista tem um problema ?sem o apoio do sobrenome Bolsonaro, um candidato não consegue chegar ao segundo turno, mas, com o apoio, não consegue ganhar a eleição. Ele avalia que outros nomes tenderiam a se sair melhor do que Flávio, por partirem de rejeição menor. "Tarcísio unifica o centrão, tem tempo de TV. Michelle traz as mulheres e os evangélicos. Seria uma chapa muito forte."

Para o professor, a eleição terá um perfil plebiscitário e girará em torno da pergunta: "Lula deve ou não continuar?". Há, porém, um contraponto: se o candidato da direita tem rejeição maior que a do presidente, mesmo quem não avalia o governo positivamente pode votar em Lula.

"O eleitor oscilante, que deve decidir esta eleição, quer estabilidade, não gosta de confusão. Pode até não gostar do Lula, mas viu que nos últimos quatro anos o país não acabou. Agora, [ele vai pensar:] Flávio tem maturidade? Vai fazer ?loucurada? que nem o pai? Tem autonomia? O eleitor vai fazer esta conta."

Partidos de centro e estratégia de moderação

Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira diz à Folha não haver dúvidas de que 2026 terá uma eleição de rejeição. "Bolsonaro perdeu a eleição porque foi mais rejeitado do que Lula. Não atraiu o centro. Mas Flávio tem mais potencial do que o próprio Bolsonaro."

Questionado sobre a porcentagem máxima de rejeição para garantir a viabilidade do senador, Ciro Nogueira afirma que ela deve ser inferior à de Lula. Se a rejeição de Flávio não cair, diz, dificilmente os partidos de centro irão se aglutinar em torno da candidatura.

Jair Bolsonaro também precisou enfrentar o desafio da rejeição, especialmente entre as mulheres. Para tentar reverter o problema, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi acionada pelo PL e passou a adotar uma postura mais política, defendendo a campanha do marido em uma série de eventos em 2022.

Michelle poderia ser um trunfo para a campanha de Flávio, mas políticos do partido avaliam que ela ficou chateada com a escolha do filho por Jair Bolsonaro ?ainda mais porque o anúncio também pareceu um recado para ela, que na semana anterior havia agido em desacordo com o PL ao criticar o deputado federal André Fernandes no Ceará.

A estratégia de moderação de Flávio já ficou clara em entrevista à Folha. Ele afirmou que pensa diferente do pai em alguns assuntos e exemplificou dizendo ter tomado duas doses da vacina contra a Covid-19. Em uma publicação no Instagram, disse que já foi a favor da pena de morte, mas não é mais. "Todo mundo tem que ter a oportunidade de se redimir."

Entusiasta da candidatura do senador, o deputado estadual Lucas Bove (PL) esteve em almoço de Flávio com empresários em São Paulo e defende que Lula terá ainda mais dificuldade de contornar a rejeição.

"Será um desafio para ambos. Mas, na nossa visão, Lula tem um teto de votos e não tem um teto de rejeição. Depende muito do que ele fizer, e ele está numa situação muito delicada do ponto de vista econômico. A rejeição do Flávio é muito em relação ao que foi falsamente atrelado ao nome da família."

Para Bove, os eleitores de Ratinho Júnior, Zema e Caiado que dizem não votar em Flávio rejeitam Lula ainda mais, o que ajudaria o senador no segundo turno.

A tentativa de Flávio de se vender como moderado, porém, deve ser confrontada pela campanha de Lula com falas do senador em tom radical, inclusive recentes.

Em outubro, em resposta a uma publicação do secretário de Defesa dos Estados Unidos nas redes sociais, o filho de Jair Bolsonaro sugeriu que o país atacasse supostos barcos com drogas na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. "Você não gostaria de passar alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas?", perguntou Flávio a Pete Hegseth.