Busca:     


O erro fundamental do PT

Cláudio de Oliveira - Junho 2016
 

Ao meu ver, o erro fundamental do PT está na incompreensão do que o pessoal do antigo PCB chamava de a "questão democrática". Quando o PT surgiu, em 1980, o pessoal do Partidão avaliava que não era hora de uma "revolução socialista", mas sim de uma "revolução democrática": o que a realidade lhe impunha era derrotar o regime ditatorial e convocar o Poder Constituinte para instituir um Estado de Direito Democrático e de bem-estar social no Brasil.

A frente política para realizar essa tarefa não era uma "frente popular", exclusivamente de esquerda, como propunha o PT, mas uma "frente democrática", na qual estivessem incluídos a esquerda, a centro-esquerda e o centro.

A proposta de "frente democrática" foi ratificada pelo PCB em seu congresso de 1967. Com base nela, o Partidão participou da fundação do MDB, ao lado dos remanescentes do PSD (centro) de JK, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, do PTB (centro-esquerda) e do PSB (esquerda).

Sem compreender a "questão democrática", grupos de extrema-esquerda leninistas empreenderam a luta armada contra o regime nos anos 1960/1970. Foram eles que estiveram na base da fundação do PT.

Tal incompreensão levou o PT a estrear nas eleições de 1982 com o lema "vote 3, o resto é burguês" e a fazer oposição aos primeiros governadores democráticos eleitos diretamente, do PMDB (Tancredo, Franco Montoro, José Richa, Ãris Rezende) e do PDT (Leonel Brizola). 

Levou também a não participar da votação que elegeu Tancredo Neves presidente contra Paulo Maluf e que pôs fim ao regime. Igualmente, durante os trabalhos da Constituinte, o PT atuou isolado do bloco progressista de centro-esquerda comandado por Ulysses e vitorioso sobre o "Centrão", bloco conservador apoiado pelo presidente José Sarney.

A falta de compreensão da "questão democrática" fez o PT votar contra a Constituição de 1988 e a não participar do governo Itamar Franco, cujo ministério era majoritariamente uma expressão da "frente democrática", formado pelo PMDB ulyssista, PSDB, PDT, PSB e PPS.

Em 1994, o PT fez um movimento semelhante ao PCB. Em vez de ruptura, a visão de um processo de reformas contínuas dentro do Estado de Direito Democrático. Mas, eleito em 2002, Lula deveria ter aproveitado o clima de diálogo do gabinete de transição organizado por Fernando Henrique Cardoso e buscado uma composição com os tucanos para a formação de um governo que girasse em torno de um eixo formado pelo PT, PSDB, PDT, PSB, PPS e PMDB ulyssista.

Em vez de um governo de "frente democrática" com base em um programa comum daqueles partidos, Lula fez um governo baseado exclusivamente no projeto de poder do PT, a cujo programa os partidos aliados estivessem subordinados. Para tanto cooptou o PMDB conservador e partidos atrasados como PTB, PP, PR, PSD, PRB.

No pós-guerra, enquanto o PC italiano perseverou na proposta de governo de frente democrática das forças antifascistas (PC, PS e DC) com base em um programa comum, Stalin impôs nas "democracias populares" governos nos quais as forças antifascistas se subordinassem aos PCs. Para os stalinistas, a democracia não era um fim, um valor em si mesmo, mas apenas um meio para a conquista do poder.

A incompreensão da "questão democrática" tem levado hoje o PT ao isolamento político. Em vez de um giro para uma "frente popular", exclusivamente de esquerda, o partido deveria buscar reconstruir pontes e repropor uma "frente democrática", cujo eixo girasse em torno de uma aliança PT, PSDB, PDT, PSB, Rede, PPS e setores do PMDB.

Qual caminho tomará o PT? Para o sectarismo e o isolacionismo semelhante ao ultraesquerdista "Manifesto de Agosto de 1950" ou para uma política de "frente democrática" parecida com aquela da "Declaração de Março de 1958" e do congresso de 1967 do PCB? O tempo dirá.

----------

Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista.

----------

A visão instrumental das alianças
Brevíssima análise do governo Dilma
O golpismo do "fora Sarney" e outros foras
O pluralismo no campo da esquerda
Nem toda a direita está contra Dilma, nem toda a esquerda está com o governo
Quando um governo de esquerda perde a capacidade de liderar
O isolamento do PT e a frente democrática
O que esperar do novo governo



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

  •