Um som gordo com muito retorno
Um som gordo com muito retorno
“Vale, vale tudo/ Vale, vale tudo/vale o que vier/Vale o que quiser/ Só não vale/dançar homem com homem/Nem mulher com mulher/o resto vale”. Tim Maia era uma espécie de bufão hedonista que jamais fez nenhuma concessão aos seus desejos e crendices. Rei da alegria, da ironia e do despudor conseguiu como poucos artistas atingir todas as classes sociais sem ceder um milímetro nem do seu gênio “difícil”, nem de seu gordo talento musical.
Nasceu no Rio de Janeiro na Tijuca em 1942, e aos dezesseis anos seguiu numa caravana de padres num vôo rumo os Estados Unidos sonhando em se dar bem na terra do Tio Sam. Chegou a Nova York com apenas 12 dólares no bolso, sem falar uma palavra em inglês e sem saber sequer em que lugar poderia se hospedar. Tim tornou-se a princípio uma espécie de Iracema na America, conforme descreve belamente Chico Buarque na canção que alegoriza o drama de inúmeros imigrantes “Iracema voou/ Para a América/Leva roupa de lã/E anda lépida/Vê um filme de quando em vez/Não domina o idioma inglês/Lava chão numa casa de chá....”
Nos Estados Unidos aprimorou seu potencial rítmico e assimilou com facilidade gírias e comportamentos da camada periférica composta em sua maior parte por negros moradores do Harlem. A influência do swing norte americano se faz bastante evidente a meu ver em “Tim Maia racional”, um de seus melhores trabalhos. Lançado em 1975, este disco ficou marcado pela devoção do artista à cultura racional, uma seita filosófico-religiosa que consistia na redenção por meio do equilíbrio com as origens extraterrenas. A conversão a seita implicou uma mudança significativa na vida conturbada de Tim Maia, que por um período largou as drogas, bebidas e comidas gordurosas em prol da salvação pessoal. É notável neste álbum a qualidade vocal do cantor, um canto límpido que permite destacar a beleza e singularidade de seu timbre, que transita com total desenvoltura entre arranjos repletos de ondulações rítmicas. Esses arranjos soam até hoje atuais e inventivos, embora as letras meio ingênuas sirvam quase que exclusivamente como alicerce das músicas, sem adquirirem nenhuma contundência temática de cunho social ou lírico.