Acaba a Guerra, começa a festa

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Ailton Alves 28/12/2009

Acaba a Guerra, começa a festa

Num gesto que poderia parecer, a primeira vista, descortês, Jules Rimet não entregou a taça que leva seu nome ao capitão da Argentina, a legítima campeã da Copa de 1942 (a Copa que ninguém viu, simplesmente porque não aconteceu). Guardou o troféu consigo, com medo de que os nazistas o roubasse da sede da Fifa, e só o tirou de debaixo do travesseiro para exibi-lo numa confeitaria de Lisboa, em agosto de 1945 – pouco depois que a primeira bomba atômica explodiu, em Hiroshima. A intenção do notável idealista francês era, apesar do espanto global com os horrores da guerra, criar o clima para a copa seguinte, marcada para meados de 1946.

No outono e inverno de 1945, Rimet empreendeu várias viagens Europa adentro, que ele chamou de “missões de convencimento”. Não obteve sucesso na Áustria, ainda se desvencilhando do Nazismo, na Bulgária e muito menos na recente criada União Soviética. Mas foi pior no Reino Unido, que disse não em bloco. Mesmo caso do soberano Eire.

A desilusão de Rimet só não foi maior porque de volta ao continente ele conseguiu cinco adesões importantes: Dinamarca, Bélgica, Itália, França e Hungria. Ele, então, se deu por satisfeito e voltou a Lisboa. E, para sua surpresa, sobre a sua mesa estavam três pedidos de participação. Sinal de que a Copa estava bastante conhecida, já que os telegramas chegaram de lugares tão diferentes quanto a Finlândia, o Equador e a Iugoslávia, já nessa época unificada e governada pelo Marechal Tito, que sabia da importância de manter os eslavos do sul sob a mesma bandeira.

Jules Rimet, mesmo sabendo que dificilmente ainda apareceria mais alguém interessado, resolveu estender (e pagou um anúncio nos principais jornais do mundo nesse sentido) o período de inscrições para 9 de março de 1946.

Quando esse prazo expirou, ele contabilizou 23 seleções interessadas em participar da segunda Copa que ninguém viu. E decidiu que Argentina (última campeã) e Portugal (país sede) não precisariam disputar as eliminatórias, e que as 21 seleções restantes seriam divididas em sete chaves de três, regionalizadas, classificando-se as duas primeiras colocadas.

O Brasil não teve nenhuma dificuldade para se classificar em primeiro lugar no Grupo 1, apesar dos surpreendentes empates com o Paraguai em São Januário |(1 a 1) e com o Peru, em Lima (0 a 0). Um massacre sobre os peruanos em casa (7 a 1) e a vitória em Assunção (1 a 0) garantiram a vaga. A outra ficou com os paraguaios, que venceram os peruanos por 2 a 1, em casa.

O Grupo 2 não precisou ser disputado. A Bolívia desistiu da competição porque se sentiu “ofendida” com o fato de ter que disputar as eliminatórias, já que Jules Rimet tinha prometido o contrário. Os bolivianos consideraram o fato um “desconvite” para a Copa e ameaçaram se desfiliar da FIFA. Uruguaios e chilenos, que não tinham nada a ver com isso, carimbaram o passaporte para Lisboa.

No Grupo 3 uma grande surpresa: Equador venceu os Estados Unidos (sem Houston, que morreu em combate na Guerra) por 6 a 0 e o México (ainda sem o legendário goleiro Carbajal) por 4 a 0, em casa, e arrancou dois empates em campos inimigos, ambos sem abertura de contagem, e se classificou, deixando para mexicanos e norte-americanos a disputa da outra vaga que, no final, ficou com o México, que venceu o jogo de ida por 2 a 0 e empatou em Los Angeles (0 a 0).

Suécia e Noruega, no Grupo 4, e Suíça e Hungria, no 5, confirmaram o favoritismo e se classificaram sem problemas, deixando de fora finlandeses e dinamarqueses.

Como era de se esperar, os italianos e iugoslavos golearam o Egito e se classificaram no Grupo 7.

No Grupo 6 das eliminatórias, as maiores emoções. A Espanha venceu a França em Paris (1 a 0), e na sequência derrotou a Bélgica (2 a 0) e, de novo, os franceses (3 a 1), se qualificando. A outra vaga foi praticamente definida em Paris, quando a França (com Jules Rimet na plateia) chegou a estar vencendo por 4 a 1, mas permitiu uma reação espetacular da Bélgica, que marcou três vezes e empatou o jogo, ficando na dependência de outra igualdade, que afinal veio, contra a Espanha.

Conhecidos os 16 finalistas, a Copa tinha tudo para ser espetacular. Se naquela época já existisse marketing, um perfeito seria a exibição de "Casablanca", o filme de Michael Curtis, de 1942, em que toda a Europa queria ir para Lisboa e de lá pegar um avião para a América. Antes, passavam pelo Marrocos, onde bebiam em um bar chamado "Rick' s", comandado por Bogart e onde cantava Sam.

Quatro anos depois, o mundo do futebol estava ligado em Portugal.

 


Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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