Economia

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Entrevista com Hugo Penteado

:::09/03/2004

Antes do presidente Lula assumir o governo, voc? afirmou que o gatilho para uma retomada do bom humor no mercado seria o compromisso do novo presidente de respeito aos contratos j? assumidos, a manuten??o de esfor?os para conter a infla??o e o super?vit nas contas p?blicas. Como voc? avalia a performance do presidente em rela??o a esses pontos?

Hugo Penteado: A performance do governo brasileiro nesses itens de pol?tica macroecon?mica tem sido exemplar, mas alguns ajustes ainda precisar?o ser feitos. Temos hoje um modelo econ?mico que n?o d? ?s diferen?as institucionais, culturais, sociais, ambientais, etc. de cada pa?s. N?o existe uma f?rmula ?nica para atender todas as demandas da sociedade e um modelo ?nico est? fadado portanto a n?o gerar todos os resultados ben?ficos que imaginamos. Portanto, um ciclo de bom humor nos mercados n?o necessariamente se traduz numa realidade mais positiva para o povo brasileiro e os erros na teoria econ?mica tradicional, que ignora as vari?veis sociais e ambientais, est?o se acumulando a uma taxa vertiginosa e preocupante, basta ver a grave situa??o da ?gua em S?o Paulo e em outras cidades brasileiras, bem como no mundo. A ?gua ? finita e estamos gerando uma demanda crescente e exponencial por ela, derivada do crescimento econ?mico a qualquer custo. Temos um d?ficit social e ambiental crescente e as teorias econ?micas n?o reconhecem nenhum custo ecol?gico, como por exemplo, o custo ecol?gico da expans?o da fronteira agr?cola brasileira (a ?nica fronteira em expans?o no planeta). A economia tradicional ignora que essa expans?o n?o est? gerando empregos compat?veis com o crescimento populacional. A falta de empregos no mundo todo e aqui no Brasil, deve continuar a despeito do governo seguir com suas boas pol?ticas macroecon?micas e a despeito do ciclo de bom humor dos mercados, pois emprego depende de uma m?o menos invis?vel e de pol?ticas mais direcionadas, que n?o s?o estimuladas pelos mercados. Grande parte da cria??o de empregos ? tempor?ria, em cima por exemplo de projetos de constru??o civil ou de constru??o de usinas que quando prontas, dispensam a m?o de obra, a n?o ser que a gente construa e destrua o planeta inteiro e mesmo assim, n?o teremos empregos permanentes. As pessoas precisam aprender um of?cio que as torne ?teis para seus semelhantes e dessa forma ter?o meios de vida sustent?veis e desenvolvimento pessoal. Hoje ? uma enorme contradi??o a dilapida??o do patrim?nio humano e ambiental, sem o qual progresso econ?mico algum se sustentar? e est? mais do que na hora de reconhecer os limites ao crescimento a qualquer custo.

Voc? tem se mostrado bastante otimista em rela??o ? pol?tica monet?ria do Governo Lula, destacando que as expectativas de infla??o est?o muito pr?ximas da meta estabelecida para 2004. O que voc? espera daqui para frente?

Hugo Penteado: As metas de infla??o para 2004 s?o bastante apertadas. A meta de 5,5% ter? que ser atingida com um recuo dos pre?os livres de 8,1% em 2003 para apenas 4,5% em 2004, assumindo uma expectativa de varia??o dos pre?os administrados de 7,8%. Esse recuo ter? que ser obtido sem a ajuda do c?mbio e de uma demanda fraca, fatores respons?veis pela forte queda da infla??o dos pre?os livres em 2003. Al?m da dificuldade de obter uma queda de pre?os livres em 2004 com um c?mbio se depreciando ligeiramente e com uma demanda reaquecendo (cujos sinais j? est?o presentes nos dados dos ?ltimos dois trimestres do PIB de 2003), o BC ter? que observar com cautela o atual choque de pre?os de commodities, cuja magnitude, dissemina??o e dura??o ainda precisam ser avaliadas. Ainda ? cedo para apostar numa retomada na redu??o dos juros, mas isso pode acontecer a partir de abril, caso a tend?ncia inflacion?ria volte para n?veis compat?veis com a meta de 5,5% de 2004.

Na ?nsia de obter sempre os maiores retornos, muitos investidores acabam errando na hora de mudar a sua carteira de aplica?es. Qual conselho voc? daria?

Hugo Penteado: Muitos erros s?o cometidos no Brasil na hora de investir. O primeiro deles ? um drama social: apenas 1% dos idosos vive com recursos pr?prios, pois poucas pessoas fizeram um planejamento financeiro ao longo das suas vidas. Existe uma tend?ncia inexor?vel em todos os pa?ses de eleva??o da renda salarial ap?s o ingresso no mercado de trabalho, seguido de uma queda quando envelhecemos e aposentamos. Portanto, quando somos jovens, temos que manter um padr?o de consumo inferior ao das nossas rendas, poupando esse excedente na forma de investimentos, para no futuro, quando nossa renda cair na velhice, usarmos esses recursos para manter nosso bem estar, sem depender de ningu?m ou sem sofrer muitas agruras. Infelizmente, n?s brasileiros, n?o temos esse conceito de poupar recursos para o futuro e gastamos o que ganhamos, n?o respeitando o princ?pio do ciclo da vida. ? por essa raz?o que a velhice e a falta de recursos neste per?odo ? um enorme drama social, mais um entre tantos que temos nesse pa?s. Outra dica importante ? esquecer a vis?o imediatista pela qual n?s achamos que curto prazo ? um dia e longo prazo ? um ano. A primeira pergunta na hora de investir ?: "quando vou usar esse dinheiro". Se for usar no prazo inferior a dois anos, isso significa que ? um investimento cujo risco de perda de capital tem que ser minimizado. Em outras palavras, em dois anos, n?o h? tempo h?bil para recuperar perdas de capital em investimentos de risco e as varia?es dos investimentos no prazo de at? dois anos, mostram uma probabilidade alta de perda de capital. Do ponto de vista pr?tico, podemos dar um exemplo. Vamos imaginar algu?m que estava planejando comprar uma casa daqui a dois anos. Passou a fazer aplica?es financeiras e vai usar todo o dinheiro amealhado para comprar essa casa. Que tipo de investimentos essa pessoa tem que fazer? Investimentos sem risco de perda de capital e portanto fundos de a?es e fundos de derivativos ficam descartados. Quando o investimento ? de curto prazo (at? dois anos) o investimento tem que ser feito em fundos que n?o correm risco de mercado e a an?lise de cen?rio ? portanto desnecess?ria, porque nesse tipo de investimentos, mudan?as no cen?rio n?o afetam o retorno da aplica??o feita. Para investimentos de longo prazo, como por exemplo, recursos para a velhice, o investidor tem tempo h?bil para recuperar eventuais perdas de capital e pode investir na bolsa de valores ou em fundos de a?es e de derivativos. Aqui a an?lise do cen?rio ? fundamental, porque o tamanho da aloca??o e mudan?as no posicionamento devem estar fundamentados numa boa an?lise de cen?rio.

Como voc? analisa a quest?o do meio-ambiente e economia, sua correla??o e impactos?

Hugo Penteado: Existe um erro te?rico na teoria econ?mica e o maior problema desse erro ? que a Economia ganhou um destaque mundial na determina??o das pol?ticas econ?micas dos governos que influenciam a vida de todos n?s. Esse erro monumental ? vis?vel na mudan?a clim?tica e no maior processo de extin??o em massa da vida na Terra dos ?ltimos 65 milh?es de anos. Essa extin??o da vida est? sendo causada pelo esfacelamento de habitats e ecossistemas de uma forma acelerada. O sistema econ?mico ? todo ele medido em fluxos e em crescimento relativo e o impacto ecol?gico desse crescimento ? ignorado por inteiro, pois as teorias n?o consideram os recursos naturais como uma vari?vel relevante. Isso ? muito s?rio, pois para a teoria econ?mica tradicional a produ??o brota do nada, n?o existe restri??o f?sica, ecol?gica, espacial para produzir cada vez mais num espa?o relativo finito cada vez menor, com estoques de recursos naturais finitos, como ?gua e solo e com cada vez maiores riscos ecol?gicos. A aus?ncia dessa restri??o no corpo te?rico ? evidenciada pela ?nfase internacional apenas em pol?ticas de demanda (monet?ria e fiscal) e pela obsess?o man?aco-depressiva por crescimento a qualquer custo. O exemplo de pa?ses muito ricos como os Estados Unidos, que hoje produzem em 18 dias o que o Brasil produz em 365 dias, ? considerada uma evid?ncia da aus?ncia dessa restri??o. Isso ? um erro, pois o colapso ambiental nos Estados Unidos est? sendo evitado pela absor??o de recursos naturais, ecol?gicos e equil?brio ambiental de outros pa?ses por meio do com?rcio internacional. Quando estamos exportando nossos recursos da natureza via exporta??o agr?cola e de produtos prim?rios, estamos permitindo a sustenta??o ecol?gica dos Estados Unidos que j? n?o existe dentro das suas fronteiras. Na verdade, estamos exportando produtos e ao mesmo tempo importando desastres ambientais para dentro do Brasil. N?o h? d?vidas que dentro desse modelo insustent?vel, a Amaz?nia ir? se tranformar - e isso j? est? a caminho - numa enorme monocultura, pois n?o h? limites para crescer e cada vez mais bens e alimentos ter?o que ser fornecidos a popula?es crescentes da ?sia, da China e dos Estados Unidos. Os processos econ?micos s?o explicados at? os dias de hoje pelo uso da Mec?nica cl?ssica desde o surgimento da Economia h? 200 anos. O problema ? que o avan?o da f?sica moderna, h? mais de 100 anos, revolucionou a forma como vemos o mundo. Pela Mec?nica cl?ssica, os economistas conclu?ram que os processos econ?micos s?o revers?veis, previs?veis e incapazes de gerar mudan?as qualitativas definitivas. Os problemas ambientais n?o podem ser explicados pelo corpo te?rico tradicional e o caos ambiental est? a? a nosso lado para quem tiver coragem de enxerg?-lo. A f?sica moderna mostra que os processos econ?micos s?o irrevers?veis e geram sim mudan?as qualitativas definitivas. A mudan?a do clima da Terra est? a? para mostrar isso a todos.

Em rela??o ? biodiversidade brasileira, ela ainda ? mal aproveitada. Qual a sua opini?o sobre o assunto e o impulso para o desenvolvimento econ?mico do pa?s?

Hugo Penteado: A biodiversidade tem que ser aproveitada, mas dentro de um modelo multidisplicinar, que respeite a preserva??o da natureza, o seu uso, a sua integra??o com a sociedade e seja sempre usada para benfeitoria da maioria e n?o para explora??o apenas de ganhos econ?micos. Precisamos abandonar um modelo no qual a sociedade e o meio ambiente estejam sempre exclu?dos e tudo seja visto como oportunidade de lucros de curto prazo, que n?o se sustentam, enquanto essas vari?veis s?cio-ambientais estiverem fora da equa??o.

Voc? defende a seguinte tese: as empresas que quiserem garantir lucros no futuro devem incorporar ?s suas estrat?gias a preocupa??o com a preserva??o ambiental e a quest?o social. E ainda prop?e a abertura de espa?o na teoria econ?mica para a ecologia e para a no??o de que os recursos naturais s?o limitados. Quais as mudan?as nas rela?es econ?micas provocadas por essa conscientiza??o?

Hugo Penteado: As mudan?as s?o brutais. Essa ainda ? uma proposi??o inconclusiva. Em primeiro lugar, um bom economista tem que conhecer profundamente f?sica, biologia e ecologia. Em segundo lugar, a atua??o do economista n?o pode mais ser unidisciplinar. N?o podemos mais ter um economista recomendando ao governo investimentos na pesca, sem um ecologista e um bi?logo do lado mostrando os riscos de n?o sustenta??o dessa atividade. Ali?s, o que os pa?ses ricos e o Brasil j? fizeram com os oceanos e com as reservas pesqueiras ? avassalador, um enorme crime de lesa-humanidade, que jamais obter? ressarcimento enquanto n?s estivermos viajando nesse planeta. Esse erro n?o pode continuar, o economista sozinho n?o pode tratar dos recursos pesqueiros ou com quaisquer recursos cujo uso tenha implica?es sobre o meio ambiente, sobre o equil?brio ecol?gico e a sociedade. Esse Jardim do ?den da Economia Tradicional n?o existe e a insist?ncia nisso ? ainda uma surpresa muito grande.

Pesquisas indicam que 1/4 da popula??o europ?ia e americana pertence ao grupo classificado de "novos culturais", que demonstram preocupa??o acima da m?dia com preserva??o ambiental e qualidade de vida. Em 1965, o percentual era de 5%. Como voc? analisa esse crescimento, acima da m?dia, da preocupa??o com preserva??o do meio ambiente?

Hugo Penteado: Embora essas estat?sticas sejam verdadeiras, essa corrente cultural ainda n?o ? forte e organizada o suficiente para mudar as tend?ncias suicidas das pol?ticas econ?micas atuais. Por essa raz?o, a maior locomotiva planet?ria, os Estados Unidos, est? passando por retrocesso ambiental, removendo legisla??o de prote??o ?s costas americanas, aos pouqu?ssimos remanescentes florestais e autorizando a produ??o novamente de gases antes banidos, por?m nocivos ? camada de Oz?nio e ligados ao efeito estufa. Portanto, estamos num ponto cr?tico em que o modelo errado est? sendo submetido a uma press?o enorme. Acreditamos no modelo dos pa?ses ricos, simplesmente porque queremos ficar iguais a eles, mas do ponto de vista f?sico ambiental isso coloca a humanidade numa rota de crise tanto econ?mica quanto ecol?gica.

Investimentos no meio-ambiente podem ser uma das sa?das para gera??o de emprego e aumento de renda do brasileiro?

Hugo Penteado: A ?nica solu??o de emprego para todos passa pela necessidade de estimular atividades ligadas a empresas pequenas, com distribui??o da terra e dos meios de produ??o e em atividades sustent?veis do ponto de vista ambiental. No mundo todo o emprego est? sendo gerado primordialmente pelas pequenas empresas ou por atividades aut?nomas, ent?o est? na hora de olhar para essas atividades e estimul?-las. Trabalhos da ONU mostram que atividades sustent?veis do ponto de vista ambiental s?o capazes de gerar empregos na raz?o de 5 para 1 quando comparadas com atividades tradicionais. Isso ? inquestion?vel e n?o tem mais o que discutir sobre esse tema. Para solucionar a quest?o do emprego n?o adianta nada contratar 200 mil trabalhadores para construir uma usina hidrel?trica e demiti-los depois de dois anos, como tamb?m n?o adianta nada pagar 300,00 por m?s para cada um deles, pois assim n?o conseguem ter independ?ncia financeira para um projeto aut?nomo futuro. Outro ponto importante, n?o h? terra, ?gua e espa?o f?sico nem para o crescimento populacional infinito nem para a expans?o de atividades que supostamente geram empregos para a popula??o. N?o h? tamb?m como aceitar um crescimento que n?o est? voltado para atividades efetivamente geradoras de empregos permanentes e compat?veis com o crescimento populacional. A popula??o brasileira aumenta 1,5 milh?o por ano, a agricultura pujante desse pa?s gerou um d?ficit de 8 milh?es de empregos quando relativizada ao crescimento da for?a de trabalho agr?cola. Portanto, gera??o de empregos deve sempre ser vista em compara??o com o crescimento populacional. Tendo isso em vista, os d?ficits s?o crescentes, o emprego ? circunstancial e o trabalhador tem seu destino nas m?os do humor dos neg?cios e as empresas est?o cada vez mais empurrando um passivo social para toda sociedade e os governos. Est? na hora de encontrar mais e mais parcerias e solu?es para todos e para o benef?cio de todos, sem exce??o alguma.

Como o senhor avalia os programas de microcr?dito?

Hugo Penteado: Conforme previsto, o BC manteve a taxa Selic. No entanto, a ata que explica a decis?o veio mais conservadora do que o esperado, manifestando a preocupa??o do BC em atingir o centro da meta. Considerando as proje?es para infla??o para os pr?ximos meses, esperamos uma retomada do ciclo de corte de juros a partir de abril, quando os ?ndices de infla??o dever?o apresentar uma maior desacelera??o. Antes disso as taxas devem ser mantidas em mar?o. A preserva??o de uma infla??o est?vel ? condi??o sine qua non para reduzir os riscos macroecon?micos e permitir a continuidade do crescimento, embora, com base em tudo que dissemos aqui, esse crescimento per se seja mais fonte de problemas do que solu??o e precisa ser revisto, bem como a ?nfase excessiva nas pol?ticas de demanda, como se tudo brotasse do nada sem vincula??o alguma com a natureza e a sociedade.


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Desir?e Couri e Andr?ia Nascimento
s?o editoras da revista
Pauta Econ?mica