Pesquisas eleitorais e possibilidades interpretativas

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Pesquisas eleitorais e possibilidades interpretativas
Eleições 2012 20/9/2012

Pesquisas eleitorais e possibilidades interpretativas

As pesquisas de opinião estão solidamente inscritas na cultura política brasileira, embora com um pouco menos de intensidade do que nos Estados Unidos – onde institutos tradicionais se contam em dezenas. Entretanto, o que as pesquisas significam de fato? É possível fazer afirmações categóricas a partir de números e séries estatísticas, sem levar em conta que podem esconder arestas e ideologias por detrás do mito da objetividade e da imparcialidade matemáticas? No fundo, por mais confiáveis que pesquisas com bases estatísticas possam ser – e, se forem bem feitas, podem ser ­­–, é sempre necessário saber interpretá-las adequadamente.

Números são torturáveis a dizer o que queremos que digam. Seja por meio de falácias ecológicas ou, simplesmente, por problemas de interpretação, muitas ideias são inferidas das pesquisas de forma inadequada. Um exemplo real envolve as eleições presidenciais americanas de 2000, 2004 e 2008 (vide o trabalho de Andrew Gelman – "Red State, Blue State, Rich State, Poor State", Princeton University Press, 2008): os estados mais ricos (com maior renda per capita) votaram preferencialmente em democratas, enquanto estados mais pobres tenderam seus votos para o Partido Republicano.

Uma análise apressada poderia indicar que eleitores com maior renda também seguiam individualmente esse padrão. Entretanto, nas mesmas eleições, os eleitores mais ricos votaram preferencialmente nos republicanos e os eleitores mais pobres no Partido Democrata. Como explicar o fenômeno? Simples: foram os eleitores mais pobres dos estados mais ricos que garantiram a vitória democrata naquelas unidades federativas.

Na eleição juizforana ­– e em qualquer outra –, analisar os números das pesquisas pode levar a equívocos semelhantes. E constitui maior risco ainda acolher acriticamente as leituras que as próprias forças políticas fazem desses resultados: é preciso não perder de vista que qualquer campanha apresentará os resultados das pesquisas fazendo recortes autointeressados.

Na segunda pesquisa Ibope, divulgada no dia 15 de setembro, os resultados foram comemorados por algumas forças políticas e repercutiram no HGPE como sinais inequívocos de que elas avançaram: Bruno Siqueira subiu dois pontos em relação à pesquisa anterior (de 22 para 24) e Custódio Matos subiu três pontos (de 17 para 20); Margarida Salomão caiu três pontos (de 37 para 34), mas a ênfase da linha argumentativa de sua campanha foi no sentido de que os dados sinalizavam a consolidação de sua liderança.

É ilegítimo que os atores apresentem os números a partir do viés que lhes interessa? Definitivamente não. Mas é preciso evitar que uma interpretação superficial nos impeça de ver de fato o que os resultados revelam. E, nesse caso, a primeira afirmação necessária é óbvia: as mudanças da pesquisa estimulada estão rigorosamente dentro da margem de erro – ou seja, subir ou descer dentro dessa margem pode significar que, efetivamente, tudo pode ter continuado, em linhas gerais, como já estava na pesquisa anterior.

Mesmo os números da pesquisa espontânea (Margarida subiu de 22 para 29; Bruno subiu de 13 para 20; Custódio subiu de 10 para 18), que oscilaram para além da margem de erro, devem ser lidos como reforços à tese interpretativa de que o jogo permanece em módulo inercial: as oscilações foram muito próximas para todos os candidatos.

Uma das formas de analisar as possíveis mudanças de cenário é a "Pesquisa das Pesquisas", introduzida no país em 2010, pelo cientista político Marcus Figueiredo (IESP/Uerj). Ao agregar dados de diversas pesquisas de opinião de variados institutos ao longo da corrida eleitoral e estabelecer uma linha de tendência polinomial de ordem 2, o gráfico tende a demonstrar para onde caminham as intenções de voto. Em Juiz de Fora, entretanto, por conta do pequeno número de pesquisas, a metodologia não se sustenta. Descobrir as tendências por detrás dessas oscilações torna-se inviável por esse método.

Nos indicadores de rejeição dessa última pesquisa Ibope (Margarida passou de 15 para 16; Bruno reduziu de 10 para 3; Custódio reduziu de 51 para 37), as mudanças foram mais significativas, mas o saldo final só reforça aquilo que outras enquetes já haviam revelado: há forte tendência de que Margarida esteja no segundo turno, há grande disputa entre Bruno e Custódio pela segunda posição, e no segundo turno as possibilidades de vitória petista são muito mais palpáveis num embate com o tucano do que com o peemedebista.

Noutras palavras, nada que já não estivesse claro antes dessa pesquisa de setembro – apesar de, em sentido contrário, os discursos das campanhas nos últimos dias terem apontado para supostas grandes novidades. E mesmo essas tendências devem ser relativizadas: números não são guias objetivos e imparciais, pelo simples fato de não serem gerados a partir de critérios universais e indiscutíveis e de requererem uma interpretação subjetiva.

Isso não implica que as pesquisas de opinião e as análises estatísticas sejam instrumentos menos importantes ou que devam ser ignorados na análise política. Aceitar a falibilidade dos números e de sua interpretação é um passo fundamental para que não nos precipitemos em análises por vezes equivocadas.


Paulo Roberto Figueira Leal (professor da UFJF; doutor em Ciência Política pelo Iuperj) e Vinícius Werneck Barbosa Diniz (doutorando em Ciência Política pelo Iesp-Uerj)