Ancestral mais antigo dos seres humanos já era capaz de andar ereto, diz estudo

Por REINALDO JOSÉ LOPES

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - O mais antigo e misterioso membro da linhagem de primatas que deu origem aos seres humanos já era capaz de caminhar ereto há 7 milhões de anos, afirmam pesquisadores franceses que analisaram o fêmur (osso da coxa) da espécie. Ao mesmo tempo, seus braços ainda tinham adaptações para subir em árvores com eficiência, tal como os chimpanzés de hoje.

Essas conclusões, apresentadas na edição desta semana da revista científica Nature, ajudam a dissipar um pouco as dúvidas que cercam o Sahelanthropus tchadensis, descoberto no Chade (centro-norte da África) e revelado ao público pela primeira vez há 20 anos. Na época, a equipe internacional responsável pela descoberta, sob liderança de cientistas da Universidade de Poitiers, havia identificado apenas o crânio do primata, bastante completo, mas com o formato distorcido.

Reconstruções da forma original do crânio, feitas com a ajuda de exames de tomografia computadorizada, indicavam que o indivíduo, apelidado de Toumaï ("esperança de vida" num dos idiomas nativos do Chade), tinha um cérebro de tamanho similar aos dos grandes símios africanos de hoje. Mas a informação mais importante vinda das análises tinha a ver com a posição da abertura craniana que se conecta com as vértebras do pescoço.

Em animais quadrúpedes, como os chimpanzés, essa abertura fica na parte de trás do crânio. Mas, no caso de Toumaï, ela se posiciona bem embaixo do crânio, no meio. Ou seja, ele ficaria com a cabeça "reta" em posição vertical, tal como os seres humanos. Seria um indicativo forte de que o S. tchadensis seria um animal bípede tal como nós. Já que, entre os primatas conhecidos, apenas os hominínios (grupo do ser humano e de seus parentes próximos extintos) são bípedes, isso indicaria que a criatura é o mais antigo membro dessa linhagem.

Muita gente, porém, não se convenceu com essa análise, e a falta de mais fósseis da espécie dificultava uma reconstrução mais completa do hominínio. Agora, a equipe de Poitiers está apresentando detalhes sobre a locomoção da espécie com base em três ossos novos: um fêmur (o esquerdo) e duas ulnas (um dos ossos do braço que se conectam com as mãos), à direita e à esquerda.

"Nosso estudo mostra que o mais antigo representante do nosso grupo de primatas era capaz de se mover de forma bípede nas árvores e também no chão. Demonstramos ainda que o Sahelanthropus conseguia se movimentar como quadrúpede nas árvores", disse à Folha o pesquisador Guillaume Daver, primeiro autor do estudo.

O lado bípede da espécie estaria ligado, entre outras coisas, ao fato de a parte de cima do fêmur estar virada para a frente e ser relativamente achatada, tal como acontece nos demais hominínios. A musculatura dos glúteos (o traseiro) também parece ter sido robusta o suficiente para sustentar esse tipo de movimentação.

Já os ossos do braço apresentam uma curvatura típica de animais que sustentavam seu peso neles durante a movimentação frequente pelas árvores, com os cotovelos flexionados. Segundo os pesquisadores, a combinação faria sentido num ambiente em que havia áreas com mata de galeria (em torno de rios e lagos), palmeiras e áreas mais abertas, com gramíneas, permitindo que os bichos explorassem recursos tanto no chão quanto no alto das árvores.

"Consideramos que o bipedalismo dos hominínios pode ter surgido logo depois da separação das linhagens de seres humanos e chimpanzés ou foi herdado do último ancestral comum de ambos. A esta altura, é difícil dizer qual das hipóteses é a correta", diz o cientista francês.

Para o paleontólogo Daniel Lieberman, da Universidade Harvard, que comentou o estudo a pedido da Nature, os dados do fêmur ainda não são definitivos, mas faz mais sentido imaginar que o Sahelanthropus era bípede quando eles são considerados junto com os detalhes do crânio. Apenas mais informações sobre a anatomia da espécie serão capazes de resolver o dilema de vez, conclui ele. Será que mais fósseis da espécie ainda se escondem nas areias do Chade? "Para ser honesto, não dá para saber, mas acreditamos que é possível e continuaremos nossos esforços de trabalho de campo", diz Daver.