Sob Lula, Agricultura diz que explorar potássio na Amazônia é essencial, e Ibama nega papel em licença

Por VINICIUS SASSINE

MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - O Ministério da Agricultura e Pecuária no governo Lula (PT) afirmou, em manifestações em processo na Justiça Federal do Amazonas, que o projeto de exploração de potássio na Amazônia é estratégico, essencial e deve receber tratamento prioritário, com máxima celeridade.

No mesmo processo, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) reforçou o entendimento de que a competência para o licenciamento do empreendimento é do órgão ambiental local, e não da esfera federal. O documento anexado aos autos é de 12 de janeiro de 2023.

Os dois posicionamentos estão alinhados à postura do governo Jair Bolsonaro (PL), que tratou o projeto na região de Autazes (AM), entre os rios Madeira e Amazonas, como prioritário.

No governo Lula, além da pasta da Agricultura, a exploração de potássio é defendida pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB).

A gestão passada tentou emplacar a validação da mineração em terras indígenas, por meio de um projeto de lei apresentado ao Congresso pelos então ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

À reportagem, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse que o órgão ainda analisa o caso. "Ainda não tivemos acesso ao processo de licenciamento que estava sendo conduzido pelo estado. O tema é bastante sensível", afirmou.

A empresa responsável pela tentativa de exploração mineral em Autazes é a Potássio do Brasil, um empreendimento do banco canadense Forbes & Manhattan. O projeto tem impacto direto ao povo mura, cuja terra está em processo de demarcação.

Na ação em curso na Justiça Federal, o MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas acusa a empresa de cooptação de indígenas na tentativa de garantir o negócio de potássio na região. Em razão dessa cooptação, a Justiça já determinou que a empresa devolva um pedaço de terra comprado de indígena dentro de um território tradicional.

O Conselho Indígena Mura apontou ainda uma atuação da guarda municipal de Autazes, a pedido da Potássio do Brasil, para intimidação de indígenas dentro de um dos territórios impactados.

A Justiça já havia determinado a retirada de placas da empresa no território. Em 16 de março, o MPF comunicou à Justiça o encaminhamento de uma representação criminal para investigação da permanência das placas e de "violações ao território tradicional e aos direitos do povo mura".

A Procuradoria pediu aplicação de multa de R$ 100 mil, mais R$ 50 mil por dia de descumprimento da ordem de retirada das placas.

Em 27 de março, a Potássio do Brasil comunicou à 1ª Vara Federal em Manaus, onde tramita o processo, a retirada das placas que indicavam uma suposta propriedade das terras.

"Em que pese a autorização expressa, proferida por Vossa Excelência, para que a empresa realizasse os atos necessários para a segurança dos imóveis, a Potássio do Brasil informa que procedeu com a retirada das placas dos terrenos em questão, restando, mais uma vez, configurada sua boa-fé e cooperação nestes autos", afirmou a empresa.

A Potássio do Brasil quer explorar potenciais minas de sais de potássio a menos de três quilômetros de uma terra indígena e chegou a operar dentro do território, segundo o MPF.

Para tentar garantir a exploração mineral na Amazônia, a empresa buscou licenciamento junto ao Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), o órgão ambiental local. Para a Procuradoria, a licença prévia emitida em 2015 é ilegal e todo o licenciamento deve ser feito pelo Ibama. O mesmo entendimento tem o povo mura, diretamente impactado pelo negócio.

As primeiras manifestações de órgãos federais no governo Lula, no curso do processo na Justiça Federal, mostram um alinhamento ao projeto.

Em 23 de fevereiro, a assessoria da secretaria-executiva do Ministério da Agricultura afirmou em documento que a exploração de potássio na Amazônia pode suprir o mercado nacional em até 50% num longo prazo. O potássio é base para fertilizantes utilizados na agricultura em larga escala.

"A consecução do projeto de exploração mineral da região amazônica, considerando seu potencial de fornecimento de cloreto de potássio, é estratégico e essencial para a busca dos objetivos do Plano Nacional de Fertilizantes", conclui o documento. O plano foi elaborado em 2021, no governo Bolsonaro.

A consultoria jurídica junto ao Ministério da Agricultura, a cargo da AGU (Advocacia-Geral da União), fez manifestação semelhante, em 1º de março. Segundo a área jurídica, existem "razões legais bastantes para vindicar o tratamento prioritário do projeto Potássio Autazes por parte de todos os agentes públicos envolvidos".

A AGU defendeu consulta ao povo mura e "regularização do licenciamento ambiental".

O Ibama, por sua vez, corroborou posicionamentos anteriores do órgão, em manifestação à Justiça em janeiro. Cabe ao órgão federal fazer licenciamento ambiental de empreendimentos que estejam localizados em terras indígenas, e a competência para a licença do projeto em Autazes é do órgão ambiental local, segundo um recurso da área jurídica da AGU que representa o Ibama.

No recurso, o órgão pede que a Justiça decida de forma clara se a competência para o licenciamento é da esfera federal.

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em julho de 2022 mostrou que o Ibama sob Bolsonaro refutou por três vezes, num período de quatro meses, conduzir o processo de licenciamento da exploração de potássio na Amazônia.

Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que qualquer empreendimento próximo a terras indígenas deve adotar procedimentos de "escuta e consulta livre prévia informada aos povos indígenas", dentro do que prevê convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) da qual o Brasil é signatário.

"Se isso não for considerado, se não houver regulamentação para esta prática, esta é, portanto, considerada atividade ilícita", disse a pasta.

A Potássio do Brasil afirma respeitar a atuação das instituições brasileiras e defendeu o Ipaam como órgão competente para o licenciamento. Segundo a empresa, o projeto aguarda a licença de instalação e não está em terra indígena. Além disso, há consulta aos indígenas, conforme o empreendimento.

A empresa também nega qualquer dolo ou coação de indígenas, e diz ter adquirido bens na região de Autazes de forma lícita e legítima.