Árvore de Santa Cecília condenada à morte sobreviveu por 9 anos até ser derrubada por vendaval

Por FABIO VICTOR

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Caberá a uma ainda miúda canafístula, plantada na manhã da última sexta-feira (5) na altura do número 78 da rua Imaculada Conceição, em Santa Cecília, a missão de renovar uma história cinquentenária encerrada no temporal de 12 de março passado.

Naquele dia, entre as mais de 340 árvores derrubadas pela fúria do vento, tombou uma tipuana no bairro da região central de São Paulo. Era, como todo ser vivo com décadas de existência, uma planta cheia de história.

Afetados pelos eventos extremos da emergência climática e pela agitação que o tema ambiental de modo geral suscita nos humanos, os anos finais da tipuana da Imaculada Conceição foram turbulentos.

Em 2016, a partir de queixas de moradores de um prédio vizinho, temerosos pela velhice da árvore, a Prefeitura de São Paulo abriu um processo para avaliá-la, e um engenheiro agrônomo emitiu um laudo condenando-a.

Então com 15 metros de altura e 74 centímetros de diâmetro no tronco, a tipuana apresentava, conforme o documento, "estado fitossanitário ruim", "galhos secos" e "sinais de senescência". Já tinha à época quase 50 anos. A remoção só foi marcada para o início da primavera de 2017.

No dia em que a equipe subcontratada pela prefeitura foi ao local fazer o serviço, um esquadrão de moradores --composto principalmente de condôminos do lado oposto da rua-- acionou a polícia, foi aberto um boletim de ocorrência, e a remoção foi cancelada.

Contei parte dessa história numa reportagem na revista piauí.

Mesmo condenada, a tipuana da Imaculada Conceição sobreviveu mais nove anos. Por um lado, fez a alegria de muitos, com sua sombra, suas flores amarelas e, na alvorada e no crepúsculo, sinfonias de pássaros que lá também faziam seus ninhos.

"Moro no 11º andar, e [a copa da tipuana] ficava na altura de minha janela. Quando floria era linda demais. Essa árvore era a identidade da rua, todos perdemos muito", disse a coordenadora de projetos Paula Leal, moradora de um edifício em frente.

"Tinha muita maritaca. Conhecia a árvore desde criança, tenho 48 anos e ela já existia quando vinha visitar meus avós nesse prédio, onde já moro há 28 anos. Minha mãe era uma defensora das plantas dessa região, e incorporei o desejo dela. Mas confesso que fiquei com medo [quando foi condenada]", afirmou a publicitária Adriana Saranga, do mesmo condomínio.

O receio dela tinha razão de ser. Por sorte, não houve acidentes com a tipuana nem nos nove anos em que viveu condenada nem tampouco durante sua queda no temporal --tombou sobre um imóvel desabitado.

"Saí da guarita com medo. A ventania foi feia, entortava a bicha, torcia que ela parecia uma corda", lembra o zelador Sidney Zambianco.

Do time que preferia que a remoção desde a década passada, o também zelador (do prédio mais próximo à tipuana) José Aparecido Moreira Silva diz que não gostava muito dela "por causa das folhas, às vezes varria três sacos cheios, e porque a raiz estava estourando a calçada, alguns idosos caíram".

Espécie exótica originária da Bolívia e da Argentina, a tipuana (Tipuana tipu) foi uma das árvores mais plantadas em São Paulo nas arborizações promovidas no século 20. De copas frondosas, crescimento rápido e raízes agressivas, hoje compõem uma floresta de árvores velhas e perigosas, suscetíveis a queda em temporais.

Vários casos de morte em temporais nos últimos, como o de março, foram por quedas de tipuanas. Já há alguns anos, a prefeitura passou a plantar somente árvores nativas, como ipês, patas-de-vaca e canafístulas igual a substituta da rua Imaculada Conceição.

O engenheiro agrônomo Claudinei Rocha, chefe de uma das 12 equipes de poda e remoção da prefeitura que atuam na região, era o encarregado pela derrubada frustrada em 2017. Resignou-se à época, mas alertou para os perigos de manter de pé uma árvore velha e doente.

Desta vez, voltou à rua quando a tipuana tombou. "Fui ver se encontrava algum morador que resistiu na época -não encontrei um. As pessoas leigas muitas vezes não compreendem que nosso serviço é para evitar esse tipo de problema."

Os despojos da tipuana caída em 12 de março foram cortados e recolhidos nos dias seguintes. A enorme raiz só foi totalmente retirada em outubro. O plantio de uma nova muda (chamado de "compensação") ocorreu quase nove meses depois da queda e dois meses depois da remoção da raiz -e um dia depois de a reportagem buscar informações sobre o hiato.

Porteiro do edifício em frente, Rubens Souza sentirá falta dos passarinhos e da sombra que, no verão, a velha tipuana projetava sobre a guarita onde fica. Gostou que agora tem mais luz e sol pela manhã, "mas no verão o calor será punk".

O zelador Sidney guardou como lembrança uma tora do tronco dela. Pensava em fazer uma mesinha ou tábua para churrasco, mas, sem ter lixado e envernizado, viu que não dava. "Serviu de decoração, e para os meus gatos afinarem as unhas".