Brasileiro que 'fabrica' Aedes protetor é citado pela Nature entre cientistas que marcaram 2025

Por PHILLIPPE WATANABE

BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) - A vida de insetos parece ter feito sempre parte da realidade de Luciano Moreira, 58. Quando era criança, no quintal de sua casa, em São Paulo, misturava produtos de limpeza da casa e os injetava nos pequenos bichos, para ver o que acontecia. Hoje, pesquisador, ele lidera uma biofábrica de Aedes aegypti que carregam a bactéria Wolbachia, mecanismo que tem sido usado com sucesso no combate à dengue.

O pesquisador brasileiro foi escolhido pela revista Nature, uma das principais publicações científicas do mundo, como uma das dez pessoas que marcaram a ciência em 2025. Os nomes foram divulgados no início da tarde desta segunda (8).

A Nature ressalta que a lista, publicada desde 2011, não é um prêmio ou um ranking, e sim uma forma de contar a história de importantes marcos científicos e de quem participou deles. Antes, já apareceram na lista os brasileiros Celina Maria Turchi Martelli (2016), Ricardo Galvão (2019), Tulio de Oliveira (2021) e Marina Silva (2023).

Moreira, o citado da lista deste ano, conta que desde pequeno se interessava em achar soluções e que pensava na possibilidade de conseguir trazer algum benefício para a sociedade.

O pensamento e os insetos o seguiram até a UFV (Universidade Federal de Viçosa), em Minas Gerais, onde começou a estudar controle biológico de pragas florestais. Formado engenheiro agrônomo, dedicou seu mestrado à mesma área.

Depois de fazer parte do doutorado na Holanda, voltou ao Brasil e encontrou uma situação crítica de bolsas para pesquisa. Surgiu, nesse ínterim, um convite para um pós-doc em Cleveland, nos Estados Unidos, na Universidade Case Western Reserve. E foi ali que começou o contato mais próximo com mosquitos e malária. A pesquisa buscava genes de mosquito que conseguissem bloquear o plasmodium, parasita que causa a doença.

O salto para o Aedes e a Wolbachia veio só anos depois, quando um novo contato o levou até um outro pós-doc no laboratório de Scott O'Neill, da Universidade de Queensland, na Austrália.

Apesar de convites para ficar tanto nos EUA quanto na Austrália, Moreira acabou voltando ao Brasil, no começo da década passada, por questões familiares. "É difícil no Brasil. Tem muito mais recurso, principalmente na área científica, fora do Brasil. Acho que seria muito importante se a gente tivesse políticos que tivessem a visão de educação e ciência no país", afirma.

Entre as dificuldades para se manter como cientista, Moreira lembra da ajuda que recebeu de sua mãe, já falecida. Ela pagou, por 13 anos, a contribuição de INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) dele, considerando que pesquisadores se sustentam com bolsas de pesquisa com valores insuficientes e não são obrigados a contribuir para a Previdência ?o que compromete sua aposentadorias.

De volta ao Brasil, Moreira continuou os estudos com o Aedes e a Wolbachia.

Mas, neste momento, você pode estar se perguntando qual é a relação entre as duas coisas e a dengue.

Resumidamente, a Wolbachia é uma bactéria amplamente presente em seres da natureza. Mas cientistas descobriram que os Aedes aegypti, mosquitos transmissores da dengue, febre amarela, entre outras, contaminados pela Wolbachia têm um reduzido potencial de transmissão de doenças. Basicamente, a bactéria vive dentro da célula do inseto, compete com os vírus e acaba ganhando a competição, inibindo a replicação viral e, consequentemente, a transmissão.

Os mosquitos liberados no ambiente acabam procriando com os Aedes que não carregam a Wolbachia. A questão é que a bactéria é repassada para as novas gerações de mosquitos. Dessa forma, acaba se estabelecendo uma população local de Aedes com Wolbachia.

"A gente ao longo do tempo também foi descobrindo que não era só dengue. A Wolbachia também bloqueia dentro do mosquito o vírus da chikungunya, da zika, da febre amarela, [da febre do] mayaro", diz Moreira.

No início das pesquisas no Brasil, em 2012, o pesquisador conta que as criações de mosquitos com a bactéria Wolbachia eram muito manuais, em um espaço reduzido.

Mas foi assim que, em 2014, houve liberações de mosquito com Wolbachia em pequenas áreas de Niterói e do Rio de Janeiro.

E estudos mostram que a intervenção surte efeito, não só no Brasil, mas também em outros locais pelo mundo, como na Colômbia ?que tem sua própria biofábrica de mosquitos?, onde o método é aplicado com coordenação do WMP (World Mosquito Program).

Porém, para sair do laboratório e da experimentação, e chegar à vida real da população, um pouco de trabalho político é necessário.

"A gente foi mostrando em laboratório o que acontecia e depois em campo foi dando certo. Em reuniões com o Ministério da Saúde, eles foram vendo. E, com todo o contexto de dengue no Brasil, sempre a mesma coisa, utilizando inseticida ?tem um problema de resistência aos inseticidas?, o Ministério da Saúde de vários governos estava querendo trazer outras tecnologias, outras estratégias para somar", diz Moreira.

Em 2025, a maior biofábrica do mundo de mosquitos Aedes aegypti com a Wolbachia foi inaugurada em Curitiba. A empresa com o nome de Wolbito do Brasil é uma iniciativa sem fins lucrativos, fruto de parceria do Instituto de Biologia Molecular do Paraná, vinculado à Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e o WMP, e que tem Moreira como CEO. Também neste ano, o Ministério da Saúde anunciou a expansão do uso dos mosquitos para mais 40 cidades brasileiras.

Os mosquitos ali gerados receberam o nome de Wolbitos (fusão das palavras Wolbachia e mosquito).

Segundo o pesquisador, a fábrica produz mais de 100 milhões de ovos de mosquito por semana.

Na planta fabril, toda automatizada, encontram-se ovos, larvas e cem gaiolas ?maiores do que uma pessoa? com 160 mil mosquitos em cada. Esses são alimentados para produzir mais ovos. E, para alimentar um Aedes, claro que é usado sangue, cerca de 70 litros por semana. O líquido vital vem de cavalos e de bancos de sangue ?usam bolsas que seriam descartadas.

Os mosquitos são despachados para as diferentes cidades hoje atendidas ainda como ovos.

Um dos objetivos de Moreira já foi alcançado: a construção da biofábrica e a produção dos mosquitos. Agora, diz o pesquisador, a ideia é espalhar os mosquitos com Wolbachia por mais cidades, para trabalhar em conjunto com outras iniciativas contra as doenças causadas pelo Aedes.

Moreira diz que, quando teve a oportunidade de trabalhar com mosquitos e percebeu o potencial impacto, foi impelido a continuar nesse caminho. Ele aponta que o método não é uma empreitada solo e destaca o trabalho conjunto envolvido na pesquisa.

"O intuito final é proteger vidas, reduzir o sofrimento de pessoas pelas doenças causadas pelo mosquito", afirma o cientista.

QUEM MARCOU A CIÊNCIA EM 2025, SEGUNDO A REVISTA NATURE

Achal Agrawal

Dedica tempo a aumentar a conscientização sobre violações de integridade em pesquisas na Índia. Seus esforços, assim como os de outros, contribuíram para uma histórica mudança política das instituições de ensino superior na Índia

KJ Muldoon

Bebê de seis meses que recebeu a primeira terapia de edição genética CRISPR hiper-personalizada.

Liang Wenfeng

O ex-analista financeiro fundou a DeepSeek, empresa chinesa de inteligência artificial.

Luciano Moreira

O brasileiro lidera a iniciativa de mosquitos Aedes aegypti que carregam a bactéria Wolbachia.

Mengran Du

A pesquisadora chinesa e sua equipe descobriram o ecossistema com animais mais profundo conhecido no planeta durante mergulhos em 2024, os quais eles descreveram neste ano em pesquisa publicada

Precious Matsoso

Copresidiu o grupo de negociação da OMS (Organização Mundial da Saúde) que guiou o primeiro tratado global sobre pandemia

Sarah Tabrizi

Líder da consultoria científica em estudo que encontrou evidências fortes de que uma terapia gênica poderia retardar a progressão da doença de Huntington. Dedica-se também a outras diversas terapias em desenvolvimento contra a doença neurodegenerativa

Susan Monarez

Ex-diretora do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA, ela teria sido demitida após resistir a mudanças na política de vacinas que considerava contrárias a evidências científicas e potencialmente ilegais, defendidas pelo secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr.

Tony Tyson

Um dos pesquisadores responsáveis pelo observatório Vera Rubin Observatory, no Chile

Yifat Merbl

A pesquisadora e a sua equipe encontraram uma nova faceta do sistema imunológico escondida no lixo celular.