Ex-presidente do Inep vê gravidade em repetição de questões do Enem 2025
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ex-presidente do Inep Luiz Cláudio Costa classificou como grave o novo episódio de semelhança entre questões do Enem 2025 e materiais do estudante de medicina Edcley Teixeira. O exame foi aplicado neste domingo (7) em três cidades do Pará.
Ex-reitor da UFV (Universidade Federal de Viçosa) e presidente do Inep, órgão ligado ao MEC (Ministério da Educação), entre 2012 e 2014, Costa afirmou que, caso tenha ocorrido algum acesso antecipado às perguntas, a isonomia do exame teria sido comprometida, já que isso daria vantagem indevida a quem teve contato prévio com o conteúdo.
Menos de um mês após o escândalo envolvendo a antecipação de perguntas do Enem, apostilas do estudante voltaram a apresentar ao menos cinco questões muito semelhantes às aplicadas no segundo dia de provas na Grande Belém. A situação se agravou porque, após o primeiro caso, o material circulou nas redes sociais, permitindo que candidatos no Pará tivessem acesso ao conteúdo antes da aplicação.
"Causa atenção aí, porque é um fato recorrente com essa fonte [...] É preciso apurar tudo em detalhe para preservar a credibilidade do exame. O instituto é de muita qualidade, mas é necessário garantir tranquilidade aos estudantes", disse Costa à Folha. Segundo ele, o Inep precisa ampliar o banco de itens para reduzir o risco de repetição.
O atual presidente do Inep, Manuel Palacios, afirmou à Folha que não há indícios de vazamento e que o resultado da aplicação no Pará será mantido. Ele negou que a circulação das apostilas tenha beneficiado candidatos e disse que a nota do Enem é calculada por um modelo psicométrico que considera o conjunto das respostas, de modo que mesmo itens parecidos não alteram o desempenho global.
Segundo Palacios, as coincidências observadas em materiais de Edcley Teixeira decorrem de memorização parcial de questões de pré-testes realizados em anos anteriores. "Não houve vazamento. O que ocorreu foi um esforço de recuperação de itens pela memória, o que pode gerar semelhanças, mas não afeta a validade da prova", afirmou.
Procurado, o estudante disse que a semelhança entre suas apostilas e as questões decorre da "identidade consolidada" do exame, e não de acesso irregular ao conteúdo.
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De acordo com ele, seu material reproduz padrões da matriz de referência por meio de engenharia reversa e ferramentas lógico-computacionais. Ele afirmou que a coincidência não configura irregularidade e defendeu que o Inep reveja a anulação de itens.
Palacios afirmou que muitas das coincidências envolvem tarefas típicas do ensino médio, como interpretação de gráficos e cálculo de proporções. "Em muitos casos, é a tarefa que é semelhante, não o item. São problemas usuais das áreas avaliadas", disse.
Costa defendeu o pré-teste, mas afirmou que o problema surge quando itens pré-testados retornam ao exame no mesmo ano. "Parece que questões do pré-teste estão sendo usadas no mesmo ano da aplicação. Isso mostra que é necessário ampliar muito o banco de questões."
Palacios disse que, segundo informações de sua equipe, os itens utilizados foram pré-testados em 2023 e 2024, dentro de um conjunto que abrange cerca de dez anos de pré-testes. O mais antigo, nesta edição, é de 2013.
Ele ainda ressaltou que o pré-teste não é um ensaio da prova final, mas um processo que calibra itens que podem ou não ser incorporados ao Enem. "Sem pré-testes, não é possível produzir resultados comparáveis entre edições."
O presidente do Inep afirmou que o principal desafio hoje é operacional. Segundo ele, a realização das rodadas de pré-testes ?que envolvem cerca de 800 questões? enfrenta dificuldades pela necessidade de reunir um grande número de estudantes. "É preciso mobilizar cerca de 15 mil alunos a cada etapa, e muitos faltam. Daí você precisa criar incentivos para a participação."
USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Costa também defendeu o uso de tecnologia para reforçar a produção e a segurança dos itens e disse que a inteligência artificial pode apoiar tanto a criação quanto a testagem, sob supervisão humana.
Em entrevista anterior à Folha, a ex-presidente do Inep Maria Helena Castro também apontou que, no médio e longo prazo, a IA pode ser uma saída para a geração de questões.
Palacios afirmou que o Inep estuda o uso de IA para simular respostas, mas disse que o processo depende antes de tudo da participação de estudantes, porque são eles que permitem calibrar a máquina.
Segundo ele, as simulações só fazem sentido quando a ferramenta aprende a partir do comportamento real dos participantes. "Você combina humanos com máquinas", disse. O presidente acrescentou que, mesmo com o avanço da tecnologia, a participação humana não deve desaparecer. "Os estudantes continuam essenciais no processo."
Edcley Teixeira, aluno de medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará), ganhou notoriedade após antecipar perguntas do Enem 2025 ?e também de edições de 2023 e 2024. Ele nega qualquer vazamento e diz basear suas previsões em padrões de pré-testes oficiais utilizados pelo Inep na calibração de itens.
À Folha de S.Paulo o estudante atribuiu sua capacidade de antecipação à experiência acumulada em 13 participações no Enem e afirmou aplicar um "método de percepção algorítmica", baseado na leitura de editais e na observação de padrões linguísticos nas questões.
O MEC já havia anulado três questões do Enem 2025 e acionado a Polícia Federal após a divulgação de vídeos em que o estudante mostrava perguntas semelhantes às aplicadas na prova nacional de novembro.
A aplicação no Pará mobilizou cerca de 95 mil candidatos em Belém, Ananindeua e Marituba, em exame adiado devido à COP30. Uma edição do Enem voltada à população privada de liberdade está prevista para este mês.