Atrás de saúde, segurança supera economia e vira principal problema do país para 16% da população, diz Datafolha
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O percentual de brasileiros que veem na segurança pública o principal problema do país chegou a 16%, mostra o mais recente levantamento do instituto Datafolha.
O setor está atrás de saúde, área reconhecida como o maior gargalo nacional para 20% da população, mas à frente da economia -o principal problema para 11% dos entrevistados.
É um cenário que se inverteu na comparação com o último Datafolha, de abril deste ano, quando economia era o principal problema para 22% dos brasileiros e a violência, para 11%. O nível de confiança é de 95%.
Mas não é um patamar inédito: a segurança também era o maior problema do país para a população em setembro de 2023, quando o Datafolha apontou que o setor empatava com saúde, ambos em 17%.
A pesquisa ouviu 2.002 pessoas entre os dias 2 e 4 de dezembro de forma presencial em 113 municípios. A margem de erro da amostragem principal é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
A violência é mais citada entre os homens --18% deles enxergam-na como o maior problema do país-- e a saúde lidera entre as mulheres, com 26%. As respostas são espontâneas e cada pessoa só podia escolher uma opção.
A mudança na percepção, dizem especialistas, acompanha a avaliação de que o Brasil vem se tornando um país mais violento. Segundo eles, relatos de alguém que tenha sido vítima de algum delito são cada vez mais frequentes em círculos de amizade ou ambientes de trabalho.
Mas isso se deve também ao maior debate sobre o tema capitaneado por grandes operações recentes que mostraram o poderio tanto bélico quanto econômico de organizações criminosas.
A começar pela Carbono Oculto, ação deflagrada em agosto em São Paulo que mirou a infiltração do PCC (Primeiro Comando da Capital) em postos de gasolina e fintechs. O esquema movimentou R$ 52 bilhões de 2020 a 2024, segundo a investigação.
Dela surgiram outros desdobramentos, a exemplo da Operação Spare, no final de setembro, que mirou 267 postos de combustível e revelou a atuação do PCC também no setor de motéis.
Mais tarde, em 28 de outubro, uma megaoperação contra o Comando Vermelho em favelas do Rio de Janeiro reforçou que a organização criminosa possui fuzis, granadas e usam mesmo drones bomba para conter o avanço policial. A operação terminou com 122 mortes, a mais letal da história do país.
São ocorrências que mostraram "uma coisa que não vinha sendo dita: a irradiação do crime organizado pelo país", afirma o coronel reformado da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública.
"Estava debaixo do tapete. De repente, você puxa o tapete e fala 'caramba, tem o Comando Vermelho, o PCC, eles estão dominando o crime no país'. Isso acabou assustando", afirma Vicente.
Essa percepção gerou reações. No âmbito do Congresso, por exemplo, a Câmara aprovou o projeto de lei Antifacção a partir de relatório que fala numa "sociedade refém do medo, em que o cidadão comum vive encurralado entre o domínio de grupos infratores e a limitação operacional do Estado".
O texto institui o chamado Marco Legal no Combate ao Crime Organizado e cria novos tipos penais com penas que ultrapassam 40 anos. O texto foi aprovado com mudanças pelo Senado e agora retorna à Câmara.
Outras iniciativas fazem frente ao problema da violência no âmbito federal, a exemplo da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Segurança Pública, cuja última versão prevê um referendo sobre a redução da maioridade penal.
Mas investidas ocorrem também em níveis locais, com a criação e fortalecimento de guardas municipais e, no caso de São Paulo, com o sistema Smart Sampa --bandeira do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que cruza o rosto de pessoas filmadas em locais públicos com banco de dados do Poder Judiciário para identificar foragidos.
Segundo o Anuário Brasileiro do setor, o número de mortes violentas chegou à mínima histórica no Brasil em 2024. Ao mesmo tempo, os registros de feminicídios cresceram 0,7% e tentativas de feminicídio, 19%. O ano passado registrou também o maior número de estupros e estupros de vulnerável da história, com 87.545 vítimas no total.
"Temos queda nos índices de homicídios, por exemplo, mas não nos crimes como violências contra a mulher, sexual ou contra crianças e adolescentes, que vêm aumentando", diz Renato Sérgio de Lima, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (que organiza o Anuário).
Há também a explosão de golpes digitais, que inundaram o país nos últimos anos. Levantamento do Datafolha publicado em agosto em parceria com o Fórum mostra que um em cada três brasileiros sofreu algum tipo de golpe financeiro digital nos últimos 12 meses.
Em números, isso representa 56 milhões de pessoas atingidas e um prejuízo de R$ 111,9 bilhões.
Em 2024 o país teve 2.166.552 casos de estelionato. Isso indica um aumento de 407% na comparação com 2018, quando foram 426.799.
A região em que a violência é mais citada como o principal problema do país é a Sudeste, onde 19% dos moradores têm essa avaliação. A menor está no Sul, com 10%. A região Nordeste, que concentra os estados mais violentos do Brasil, empata com Centro-Oeste/Norte, com 14%.
A segurança está numericamente à frente como o principal problema do país também entre aqueles com mais de 60 anos (21%).
O tema tem menor importância aos mais jovens, de 16 a 24 anos, para os quais saúde (16%) e economia (14%) são os principais problemas do Brasil --para esses, a violência fica em 5%. No recorte por idade, a margem é de seis pontos para público de 16 a 24 anos e de cinco pontos para as outras faixas.
O setor também é o maior problema do Brasil entre aqueles que se consideram bolsonaristas (18%), superando a saúde (17%). Entre os declaradamente petistas a situação se inverte: 24% deles veem na saúde o maior gargalo e 17%, na segurança.
Desempenho
Se a economia é o terceiro maior problema do país para os brasileiros, segundo pesquisa Datafolha, o setor é a área de pior desempenho do governo Lula 3 segundo a maior parte dos entrevistados: 14% pensam dessa forma. Segurança e saúde aparecem empatados, com 12%, seguidos por educação (7%) e corrupção (3%).
São pontos ainda sensíveis ao governo federal --especialmente no caso da segurança, tema historicamente visto como um calcanhar de aquiles de governos de esquerda no Brasil. "Estão completamente perdidos", diz Vicente.
Some-se a isso declarações do presidente e de seus aliados que reverberaram mal. O ministro Ricardo Lewandowski já disse, por exemplo, que "a polícia prende mal e o Judiciário é obrigado a soltar" --ele alega que a frase foi retirada de contexto.
Lula, enquanto isso, se retratou após afirmar que traficantes são vítimas de usuários.
A avaliação de que a economia é a pior área do governo é maior entre jovens e adultos até 44 anos, faixa etária a partir da qual os percentuais caem a números abaixo de 10%.
Com a segurança é o contrário: aumenta de 7% da primeira faixa etária para 14% na última --num empate dentro da margem de erro para 16 anos, de seis pontos percentuais para mais ou para menos.
Neste caso, eleitores declarados de Lula e de Bolsonaro em 2022 empatam tecnicamente quando dizem que a segurança é a pior área da gestão petista: são 14% e 12%, considerando uma margem de erro de três pontos entre quem votou em Lula e de quatro entre quem votou em Bolsonaro.
A educação é avaliada como a área de melhor desempenho, vista assim por 10% dos brasileiros. Em seguida vem o combate à desigualdade social (8%), saúde (6%) e economia (5%). Além disso, 28% consideram que o governo não vai bem em nenhuma área, e 2% dizem que ele vai bem em todas.
