Empresas suspeitas de lavar dinheiro do PCC têm contratos com prefeituras que somam R$ 522 milhões

Por TULIO KRUSE E ROGÉRIO PAGNAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um grupo de 13 empresas suspeitas de participarem de um esquema de lavagem de dinheiro ?que inclui a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital)? assinou ao menos 66 contratos com 11 prefeituras do estado de São Paulo nos últimos quatro anos.

Os contratos, somados a 57 termos aditivos que prorrogaram os períodos de fornecimento e prestação de serviços aos municípios, correspondem a um total de R$ 584,6 milhões repassados dos cofres municipais para essas empresas suspeitas.

As suspeitas de lavagem de dinheiro são investigadas pela Polícia Civil paulista na Operação Falso Mercúrio, que levou ao bloqueio de R$ 6 bilhões, incluindo 49 imóveis, e à apreensão de 257 veículos. As informações sobre valores dos contratos com prefeituras foram levantadas pela Folha de S.Paulo a partir de publicações no Diário Oficial do Estado.

As contratações são para o fornecimento de softwares educacionais e conteúdo pedagógico, oferecimento de cursos profissionalizantes, aluguéis de centenas de veículos oficiais, de impressoras, e a compra de materiais de limpeza e de higiene, comida, móveis, uniformes para campeonatos de times de várzea e itens de papelaria.

Procuradas pela reportagem, as prefeituras afirmaram que as contratações seguiram rigorosamente o processo previsto em lei, que os contratos têm sido cumpridos regularmente e que não foram procuradas pelas autoridades policiais.

Já as empresas disseram que estão cientes da investigação, mas ainda não tiveram acesso aos documentos policiais, que suas atividades ocorrem dentro da legalidade e que estão à disposição das autoridades para colaborar.

Um documento da investigação aponta que o método para a lavagem de dinheiro era a "mescla patrimonial", ou seja, a passagem de dinheiro do crime misturado a receitas aparentemente lícitas nas contas bancárias das empresas, o que dificulta o rastreamento pelos órgãos de controle.

A investigação conseguiu descrever o caminho do dinheiro sujo, desde a coleta por suspeitos de integrar o PCC ?entre eles, pessoas que respondem pela exploração de uma rede de caça-níqueis e um condenado por tráfico de drogas? passando por intermediários e chegando aos beneficiários finais. Segundo o documento, também há investigados suspeitos de praticar estelionato e extorsão.

Documentos encontrados em celulares apreendidos pela Polícia Civil mostram transferências bancárias entre as empresas dos suspeitos de fazerem a coleta do dinheiro sujo e as firmas ligadas aos beneficiários finais, Eduardo Moreno Lopes (o Tio) e Thiago Telles Batista de Souza (de apelido Tom Cruise).

Lopes é sócio de duas empresas ?a Kompre Limp e a Stoka, ambas distribuidoras de materiais? que firmaram contratos com prefeituras da região metropolitana de São Paulo.

Ele também tem familiares como sócios de outra empresa citada na investigação, a Center Lopes, que opera no ramo de aluguel de veículos e firmou contratos que somam ao menos R$ 15,5 milhões com a Prefeitura de Barueri desde 2022.

Em outras oito empresas, Lopes é identificado como "operador" dos valores que passam por elas. Isso porque fez pagamentos dessas firmas para as empresas de intermediários no esquema, segundo apontam comprovantes encontrados nos celulares.

Já Telles é apontado como operador de três firmas que integraram o esquema, todas com contratos públicos.

A Prefeitura de Barueri responde por 69% dos valores de contratos (ou R$ 359,4 milhões) encontrados no Diário Oficial do Estado desde janeiro de 2022. Cotia está em segundo lugar, com R$ 72,3 milhões, ou cerca de 14% do total.

Uma das conversas encontradas pela investigação nos celulares dos suspeitos mostra que, em ao menos uma ocasião, Lopes demonstrou que contava com dinheiro público para fazer negócio com outro investigado. Foi em dezembro de 2024, quando Manoel Sérgio Sanches tentava lhe vender um prédio.

Lopes responde que, para comprar o imóvel, precisava receber pagamento da Prefeitura de Cotia. No dia seguinte, ele informa Manoel que havia almoçado com o prefeito ?à época, Rogério Cardoso Franco (PSD)?e recebido uma promessa de pagamento.

A empresa Center Lopes, da família do investigado, havia firmado com a gestão municipal um contrato de R$ 45 milhões para locação de veículos havia menos de um mês. Ao longo de 2025, a empresa seguiu firmando contratos com a prefeitura.

Os diálogos apontam que Lopes e Telles recebem valores em espécie e os intermediários, responsáveis pela empresa Key Car, negociam transferências bancárias. Os pacotes de dinheiro são entregues por motoboys.

Num dos diálogos com Lopes, Sanches tenta viabilizar um pagamento de R$ 400 mil a um dos beneficiários do esquema. A conta indicada para o pagamento é de uma casa de pôquer na Liberdade (no centro de São Paulo), o que desperta o receio do cliente.

Para convencê-lo, Sanches encaminha a Lopes um áudio de Alessandro Braga, sócio da Key Car, que argumenta que usar conta da casa de apostas seria vantajoso. No fim, Lopes aceitou.

A polícia encontrou cinco pagamentos relacionados a essa transação, num total de R$ 312 mil, feitos pela Assinco Informática à casa de pôquer. Questionada, a empresa disse que não teve acesso ao processo da Operação Falso Mercúrio, que tramita em segredo de Justiça.

OUTRO LADO

As empresas Center Lopes, Kompre Limp e Stoka disseram que estão cientes da investigação e que não lhes foi concedido acesso aos processos na Justiça relacionados à Falso Mercúrio, o que as impede de comentar os detalhes do caso. Todas disseram que suas atividades ocorrem de forma regular.

Essas empresas repudiaram "de forma veemente qualquer tentativa de associação de seu nome ou de seu sócio a práticas ilícitas" e reafirmaram o compromisso com a legalidade. A empresa Arco & Flecha Distribuidora também rechaçou "qualquer tentativa de associação a práticas ilícitas ou a organizações criminosas" e disse que está "à disposição para colaborar com a Justiça e com as autoridades".

A Assinco Informática e a Micro Ka Informática afirmaram que aguardam permissão para acesso aos autos e que acreditam "não ser alvo da investigação".

Já a Gifi Comércio e a Nova SS Pães e Doces disseram que não tiveram acesso aos documentos da investigação, e que tentam compreender o contexto em que seus nomes foram mencionados. As duas empresas afirmaram que cumprem "rigorosamente todas as obrigações assumidas nos contratos firmados com o poder público."

Questionada, a Prefeitura de Barueri afirmou que "todos os contratos firmados com empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de materiais indicadas foram celebrados em estrita observância à legislação vigente, por meio de regulares procedimentos administrativos e licitatórios, com ampla publicidade e transparência".

Acrescentou que as empresas contratadas cumprem "regularmente as obrigações previstas nos respectivos contratos, os quais permanecem válidos e eficazes", e que não há qualquer decisão judicial para suspendê-los.

A Prefeitura de Cotia ressaltou que o contrato com a Center Lopes foi firmado pela gestão anterior. Disse também que "acompanha os desdobramentos da Operação Falso Mercúrio e reafirma que está à disposição das autoridades competentes."

Em nota, a Prefeitura de Osasco disse que "não há como saber a origem das empresas que participam das licitações, posto que, se cumpridos os requisitos legais de participação, não há como impedi-las" de participar. Ressaltou que aprova a Operação Falso Mercúrio.

As prefeituras de Embu das Artes, Santana de Parnaíba, Itapevi, Iracemápolis e Sorocaba também disseram que os processos de contratação das empresas investigadas seguiram a lei e que os serviços foram prestados normalmente.

Procuradas, as prefeituras de Araçariguama, Mairiporã, Mauá, Pindamonhangaba, Pirapora do Bom Jesus e Poá não responderam.

As empresas Suzupaper Comércio de Papelaria e ASX Participações e Tecnologia, procuradas por email e telefone, não responderam. Os investigados Eduardo Lopes e Thiago Telles foram procurados por meio de seus emails pessoais, e também não responderam.