Custo, tarifa e entraves urbanos: por que São Paulo não enterra os cabos

Por MAURÍCIO BUSINARI

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Apagões recentes colocaram novamente em pauta o enterramento da rede elétrica em São Paulo, mas dados da prefeitura, da Aneel, da Enel e de especialistas indicam que, embora reduza falhas causadas por ventos e queda de árvores, a solução esbarra em custos elevados, impacto na tarifa e entraves urbanos.

O enterramento da rede elétrica em São Paulo enfrenta limites técnicos, regulatórios e financeiros que tornam inviável sua adoção em larga escala. Embora seja reconhecido como mais resistente a ventos e queda de árvores, o modelo esbarra em custos elevados, impacto potencial na tarifa e entraves urbanos que restringem sua expansão.

O custo elevado é apontado como o principal freio. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) afirma que redes subterrâneas custam cerca de dez vezes mais do que redes aéreas e alerta que a adoção indiscriminada poderia levar a aumentos "não toleráveis" na conta de luz.

Os apagões da semana passada ampliaram a pressão sobre a concessionária Enel e reacenderam o debate público. As interrupções ocorreram após temporais com ventos fortes e queda de árvores, afetando diferentes regiões da capital e da Grande São Paulo. Milhões de moradores ficaram sem luz por horas ou dias, com relatos de demora no restabelecimento do serviço.

Episódios de falta de energia em larga escala vêm se repetindo em São Paulo após eventos climáticos severos. Em novembro de 2023, um temporal deixou milhões de imóveis sem energia por vários dias, gerando críticas à atuação da Enel. Em 2024, novos apagões durante períodos de chuva fizeram do tema um dos focos do debate público durante a campanha municipal, vencida pelo prefeito Ricardo Nunes, reeleito no fim daquele ano.

Após os apagões dos últimos anos pressionarem a gestão municipal, a prefeitura afirma ter ampliado o enterramento da fiação em trechos específicos da cidade. Segundo a administração municipal, São Paulo soma hoje 46 km de redes enterradas por concessionárias de energia e telecomunicações, dos quais 28,8 km foram concluídos na atual gestão e outros 5 km estão em execução. O enterramento passou a ser integrado a obras viárias, como na requalificação da avenida Santo Amaro e do Complexo Viário João Beiçola, além de outras nove intervenções em andamento.

A dimensão do sistema elétrico ajuda a explicar por que o avanço é limitado. A Enel informa que opera cerca de 40 mil km de rede de distribuição em sua área de concessão, dos quais aproximadamente 3 mil km são de rede subterrânea, considerando os níveis de média, baixa e alta tensão.

Governo de São Paulo atribui à Enel falhas técnicas e operacionais recorrentes e cobra rigor do poder concedente federal. Em nota, a gestão estadual afirma que apagões prolongados em 2023, 2024 e no episódio iniciado em 9 de dezembro, que afetou mais de 2,2 milhões de consumidores, evidenciam a degradação do serviço. O governo cita que a concessionária liderou reclamações na Ouvidoria da Aneel entre 2024 e 2025, teve seis de sete Planos de Resultados reprovados entre 2020 e 2023 e acumulou mais de R$ 400 milhões em multas nos últimos sete anos. A administração estadual diz atuar por meio da Arsesp, com fiscalizações e envio de relatórios à Aneel, e defende que o Ministério de Minas e Energia avalie com rigor a concessão.

O custo elevado é o principal freio para a expansão do enterramento da rede elétrica em São Paulo. A Aneel afirma que redes subterrâneas custam cerca de dez vezes mais que redes aéreas e alerta que a adoção indiscriminada poderia levar a aumentos "não toleráveis" na tarifa de energia.

Estimativas indicam que o enterramento em larga escala exigiria investimentos bilionários. Segundo o professor José Aquiles Baesso Grimoni, do Departamento de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da USP, enquanto redes aéreas custam entre R$ 54 mil e R$ 67 mil por quilômetro, as subterrâneas chegam a cerca de R$ 430 mil por quilômetro.

Estima-se que o custo de implantação seria de R$ 20 bilhões para o centro da cidade a até R$ 200 bilhões para todo o município. "Os custos de instalação das redes subterrâneas são mais elevados do que os das redes aéreas, mas elas apresentam melhores resultados na redução de desligamentos e na diminuição dos custos de operação e manutenção ao longo do tempo", explica.

Regra diz que custo do enterramento só vai para tarifa em casos excepcionais. Segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a distribuidora tem autonomia para escolher os padrões da rede, mas deve respeitar critérios de eficiência e modicidade tarifária.

Se a obra for por estética ou urbanismo, quem pede é que paga. Em nota ao UOL, a Aneel cita o artigo 110 da Resolução Normativa nº 1.000, que atribui ao poder público ou a outros demandantes o pagamento pela conversão da rede aérea em subterrânea. A Enel confirma que, nesses casos, os valores não são repassados à tarifa.

Os benefícios urbanos do enterramento tornam insuficiente uma solução apenas regulatória. Para o engenheiro eletricista Carlos Dornellas, consultor em regulação do setor elétrico e membro do Cigre-Brasil (Conselho Internacional de Grandes Sistemas Elétricos), o modelo busca proteger o consumidor de aumentos generalizados na conta de luz, mas acaba deslocando o debate para o campo das políticas públicas. "Como o enterramento traz benefícios urbanos que vão além do sistema elétrico, a discussão deixa de ser apenas técnica e passa para o campo das políticas públicas, especialmente sobre quem deve financiar esse tipo de investimento", afirma.

Especialistas apontam que a expansão do enterramento da rede também esbarra em desigualdades territoriais na cidade. Regiões centrais e bairros de maior renda concentram hoje a maior parte da fiação subterrânea, enquanto áreas periféricas seguem atendidas quase exclusivamente por redes aéreas. "Bairros mais verticalizados e com alta densidade de consumo sofrem impactos maiores quando há desligamentos, mas o desafio é melhorar a rede sem concentrar investimentos apenas nas áreas nobres da cidade", afirma Grimoni.

Enterramento da rede reduz falhas causadas por ventos e queda de árvores, mas não elimina o risco de apagões em larga escala. Grimoni cita como exemplo positivo o campus do Butantã da USP, que opera majoritariamente com rede subterrânea e praticamente não registra desligamentos associados a intempéries, além de ter eliminado problemas como roubo de cabos.

Redes subterrâneas são mais resilientes, mas fazem parte de um conjunto mais amplo de soluções. Woong Jin Lee, gerente de engenharia da Prysmian para a América Latina e coordenador do Comitê de Estudos sobre Cabos Isolados do Cigre-Brasil, afirma que esse tipo de rede é a topologia mais protegida contra eventos climáticos extremos. "Mas elas precisam ser implantadas de forma planejada e priorizando os trechos mais críticos", diz. Dornellas avalia que os melhores resultados vêm da combinação entre enterramento pontual, automação da rede, uso de redes aéreas protegidas e melhor gestão da arborização urbana.

O enterramento da rede elétrica deve ser tratado como uma solução seletiva, integrada a um conjunto mais amplo de medidas. Os especialistas defendem o mapeamento de trechos críticos da cidade - como áreas com alta incidência de falhas, grande densidade de consumo ou serviços essenciais - para concentrar os investimentos mais caros.

A modernização da rede aérea é apontada como alternativa mais viável do que soluções generalizadas de enterramento. Ela inclui o uso de cabos protegidos, automação para transferência rápida de carga entre circuitos e melhor gestão da arborização urbana. A avaliação é que programas graduais, com metas claras e monitoramento de resultados tendem a ser mais eficientes do que soluções amplas, que podem pressionar a tarifa sem retorno proporcional para o consumidor.