Sou a favor das câmeras, o bom policial não tem nada a esconder, diz novo chefe da Segurança de SP
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O gabinete do novo secretário de Segurança Pública, Osvaldo Nico Gonçalves, 68, é recheado de quadros na parede que ostentam o seu lado midiático. Ele mesmo não esconde que tem como uma das suas atividades preferidas publicizar os feitos da polícia, esteja ele presente ou não.
Nico foi nomeado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) no início do mês, em substituição ao deputado federal Guilherme Derrite (PP), que reassumiu o cargo em Brasília. Policial civil de carreira, é o primeiro delegado a tomar posse como chefe da segurança paulista. Diferentemente do seu antecessor, Nico procura se apresentar como um negociador.
Em poucos dias na cadeira, Nico já se viu com um caso de repercussão. A prisão de três policiais militares que teriam matado um suspeito de roubo a residência já rendido. Câmeras corporais foram analisadas por um superior do trio, que identificou irregularidades.
Nico disse ser favorável aos equipamentos, um discurso semelhante ao adotado por Derrite e Tarcísio atualmente, diferentemente do visto na campanha, quando o então candidato ao governo demonstrou contrariedade ao programa implementado pela Polícia Militar.
A reportagem entrevistou Nico na tarde de quinta-feira (18). A conversa necessitou ser interrompida por algumas vezes, devido à quantidade de ligações recebidas pelo secretário em seu celular. Do outro lado da linha, informações em tempo real sobre ocorrências daquele momento na cidade.
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PERGUNTA - Quem é Nico Gonçalves, o novo secretário de Segurança Pública de São Paulo?
NICO GONÇALVES - Se eu me emocionar, você não liga. Desde pequeno eu queria ser policial. Aos 12 anos, eu morava perto do 17º Distrito Policial, no Ipiranga [zona sul da cidade de São Paulo]. Minha mãe comprou uma caixa de graxa e eu engraxava sapatos na porta da delegacia. Aí, um investigador, que eu nunca vou esquecer, deixou que eu lavasse as viaturas para também ganhar uma caixinha. Desde aquela época, eu sabia que eu queria ser policial. Acho que deu certo porque eu estou aqui há 45 anos.
P - Sua sala está cheia de quadros com recortes de jornais?
NG - Tenho mais de 700 fitas [de vídeo] de casos antigos que eu fiz na polícia. Sempre gostei de divulgar o que a polícia faz. Tenho 145 fitas de casos em que negociei para libertar reféns. Sempre consegui libertar o refém sem disparar um tiro. Sempre conversando. Minha obrigação também era preservar a vida do tomador de refém. A própria vagabundagem me chamava, porque eu cumpria com o que eu falava. Minha trajetória foi sempre de compromisso assumido de não deixar dar esculacho neles.
P - Qual caso policial mais marcou sua carreira?
NG - O meu primeiro caso como investigador no 17º DP. Entrei na sala dos investigadores, estavam entrevistando um garoto que tinha sido abusado. O irmão dele, de 6 anos, tinha sido morto pelo abusador. Ele começou a descrever o agressor. Fiquei com aquela imagem na cabeça. Já passava das quatro da tarde. Eu me lembro que minha mãe foi levar um lanche para mim às seis. Ela não queria que eu fosse policial [voz embargada]. Aí, chegaram os policiais [do turno] das sete e eu falei: vou trabalhar com vocês. Entrei na viatura e fiquei no banco de trás. Então, vejo um rapaz com as características que o menino tinha falado. Quando pararam o carro no farol, desci da viatura. Fui atrás. Segurei o cara. Quando chegou na porta da delegacia, o menininho falou: foi aquele lá que matou meu irmão. Aí o [jornalista] Gil Gomes (1940-2018) fez a matéria e, do segundo para o terceiro dia como policial, eu virei atração no bairro [do Ipiranga].
P - Qual foi a estratégia para a dispersão da cracolândia?
NG - A gente bateu muito no tráfico. Fechamos aqueles hotéis que só serviam para abrigar gente do mal, que fazia especulação financeira. Vou citar o Léo do Moinho [Leonardo Monteiro Moja], preso em 2024, por suspeita de comandar o tráfico de drogas na favela do Moinho], que tinha propriedades aqui no centro. Teve muita gente que assumiu, pediu ajuda [para o serviço social municipal], de tanto a gente bater [no tráfico] e deixar sem drogas aqui no centro.
P - Moradores da favela do Moinho reclamavam da presença do tráfico, mas também reclamavam da forma truculenta como a polícia entrava na comunidade.
NG - A gente não quer nunca o confronto. Mas, às vezes, a polícia é recebida com pedra, com essas coisas, e se você não não impor a sua chegada, você também passa vergonha, entendeu?
P - O fim da cracolândia, da forma como ela era, é a maior entrega da Secretaria de Segurança Pública nesta gestão?
NG - Sim. Foi a maior entrega.
P - Na sua primeira semana como secretário, policiais foram presos pela morte de um suspeito que estava desarmado em Moema, na zona sul de São Paulo.
NG - Tristeza, né? Tínhamos tudo para tirar 10 nessa ocorrência. Estávamos na cola dessa quadrilha, que tinha invadido uma casa, torturado uma família. Mas não sei por que o policial fez uma coisa dessas. Não é certo. Tanto é que, a própria Corregedoria da Polícia Militar, observou as câmeras e os responsáveis foram autuados.
P - Mas a letalidade policial no estado aumentou muito. Os mortos em confronto com a polícia passaram de 418, em 2022, para 813, em 2024, segundo a Secretaria de Segurança Pública.
NG - Quando você aumenta o trabalho, colocando mais gente na rua, com mais operações, haverá mais ocorrências. A gente não quer o confronto, mas também não quero que o policial morra.
P - Mas o número de mortes por policiais dobrou. É assim mesmo ou dá para mudar isso?
NG - Dá para mudar, mas é o que eu te falei, não queremos o confronto. Ontem, em uma ocorrência, estávamos negociando a entrega [dos suspeitos] e aí a pessoa saiu atirando na polícia. A polícia tem que ser respeitada também. Trabalhei na rua por mais de 30 anos, foram poucos os confrontos que eu tive.
P - Alguns policiais, talvez uma minoria, estão obstruindo as câmeras corporais?
NG - Não é essa a orientação. Tanto que a Corregedoria tem acesso para ligar a câmera na hora que for.
P - O senhor é a favor das câmeras corporais?
NG - Eu sou a favor da câmera. Isso protege o bom policial, você entendeu? Todo lugar do mundo, todo policial anda com câmera. Sou a favor. Tanto é que a gente comprou mais câmeras.
P - Do efetivo de aproximadamente 80 mil policiais militares de São Paulo, quantos utilizam câmeras corporais?
NG - São 11 mil câmeras [o número foi posteriormente corrigido para 15 mil novas câmeras adquiridas pela atual gestão].
P - Se o senhor pudesse, ampliaria?
NG - Vou ampliar mais.
P - Para todo o efetivo?
NG - Isso protege o bom policial. Tem gente que chega perto da câmera, começa a desaforar o policial, que precisa ter sangue frio. Então, também protege a ação do policial. Eu acho que um bom policial, que tem tudo gravado, não tem nada a esconder.
P - O senhor vê a necessidade de mudança na legislação criminal?
NG - Sim, no artigo 180 [crime de receptação]. Se tem ladrão é porque tem o receptador. Outro dia nós aprendemos um rapaz aqui com dez alianças. Ele já sabia para quem vender e nós não conseguimos prender o receptador porque a lei não ajudou.
P - Como assim a lei não ajudou?
NG - Porque o crime de receptação tem penas brancas, então é difícil segurar o criminoso preso. Em um show desses no [estádio] como o do Pacaembu vem gente para furtar celular. Eles saem de lá com 15 ou 20 celulares. A gente prende. No próximo show, eles estão lá de volta. Então, pô, se a gente conseguir segurar o receptador, prender o receptador, o ladrão não tem para quem vender.
P - O PCC é o principal problema da segurança em São Paulo?
NG - Não podemos enganar, né? Mas olha que fizemos na Operação Escudo e teve a recuperação do território lá no Guarujá [Baixada Santista] após a morte do soldado Patrick [Bastos dos Reis]. Aí todo mundo, a imprensa, fala que fizemos uma operação vingança. Não fizemos operação vingança. Nós recuperamos um território que estava dominado. A gente foi crucificado durante 40 dias de operação. E a população vibrando com a operação. Quem mora lá [no Guarujá], vibrando.
P - O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou 11 policiais por organização criminosa no caso Antonio Vinícius Gritzbach, executado no aeroporto de Guarulhos há um ano. Como o senhor pretende combater a corrupção policial e outras atividades irregulares praticadas por policiais, como os bicos?
NG - Eu fui o presidente da força-tarefa para resolver o caso do aeroporto. Foram 21 policiais presos. Acho que escolheram fazer um bico uma pessoa errada. Ele [Gritzbach] não tem nada de empresário. Estava praticando crime, lavagem de dinheiro Todos foram demitidos. Porque o regulamento é forte. E quem atuou foram nossas corregedorias. Isso mostra a transparência do governo. Precisamos cortar na pele. Doeu para caramba, mas foi dada a resposta para a sociedade.
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RAIO-X | OSVALDO NICO GONÇALVES, 68
Admitido como investigador da Polícia Civil em 1980. Formado em direito, é professor concursado da Academia de Polícia. Antes de ser secretário atuou como delegado-geral, cargo mais alto da instituição. Foi responsável pela criação de grupos considerados de elite da Polícia Civil, como o GOE (Grupo de Operações Especiais) e o Dope (Departamento de Operações Policiais Especializadas).
