Agroflorestas ajudam a barrar avanço da soja no nordeste do Pará
TOMÉ-AÇU, PA (FOLHAPRESS) - Quem percorre as estradas que saem de Belém em direção ao nordeste do Pará observa enormes áreas desmatadas. Na cidade de Tomé-Açu (PA), espremida entre municípios com vasta produção de soja, a situação é oposta: sistemas agroflorestais conservam a amazônia e geram renda para agricultores familiares.
O cultivo de dendê, açaí e cacau aliado à preservação da floresta se tornou uma referência, e os produtores apresentaram o modelo na COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas realizada na capital paraense.
"Nós temos na faixa de 40 mil hectares aqui de dendê, e isso vem ajudando muito a nossa região a se proteger do avanço da soja", diz Alberto Oppata, presidente da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta).
A cidade não tinha qualquer plantação de soja até 2023, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O levantamento de produção agrícola municipal, feito pelo órgão desde 1988, identificou o cultivo do grão somente em 2024, em 5.000 hectares. Municípios próximos, como Paragominas e Tailândia, tiveram áreas plantadas de 270 mil hectares e 17,5 mil hectares no ano passado, respectivamente.
Em 1929, imigrantes japoneses chegaram a Tomé-Açu e começaram a plantar arroz, cacau e seringa, mas nenhuma das culturas prosseguiu na época. Anos depois, entrou em cena o "diamante negro", como era conhecida a pimenta-do-reino, cujo preço disparou após a Segunda Guerra Mundial.
A prosperidade dos novos agricultores durou pouco tempo. Um fungo dizimou os plantios na cidade, e o desmatamento para a monocultura de pimenta provocou um desequilíbrio ecológico: as espécies de sapos que controlavam o mosquito transmissor da malária perderam seu habitat, e a doença abalou a população recém-chegada do Japão.
"Uma escola que foi construída em 1931 teve de ser transformada em um hospital para atender os doentes", diz Oppata. Só na sua família, cinco morreram por malária.
Surpreendidos pelas dificuldades de plantar na amazônia, os japoneses começaram a desenvolver na década de 1970 um modelo que fosse menos danoso ao meio ambiente, aliando o cultivo à preservação. Era o início do sistema agroflorestal (SAF) de Tomé-Açu, que ganhou uma sigla própria: Safta.
O agricultor Ernesto Suzuki dá sequência ao legado do pai, que migrou do Japão para Tomé-Açu em 1960. De início, a família cultivava 120 hectares de monocultura de dendê em uma propriedade de 430 hectares, mas, hoje, são 50 hectares no modelo sustentável.
"Gradativamente, já iniciamos o plantio em agrofloresta, não mais em monocultura. Isso aí, para a gente, é coisa do passado", resume. "Nosso sistema agroflorestal junta os conhecimentos dos povos ancestrais, dos ribeirinhos e o trabalho dos imigrantes japoneses."
A partir de 2008, a propriedade de Suzuki foi palco de um estudo feito pela empresa de cosméticos Natura e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A análise apontou que era possível aliar o cultivo do dendê ao cacau e ao açaí -uma conclusão que chacoalhou o modo de produção local.
"Houve uma quebra de paradigma na região perante as grandes empresas de cultivo de dendê, que antes evitavam o cultivo de outras espécies por uma preocupação de prejudicar a produtividade", diz Suzuki.
"Hoje, com a pesquisa consolidada, estamos há três anos em expansão do SAF dendê e com várias parcerias, como Natura, Embrapa, Camta e a prefeitura."
A matéria principal que sai da propriedade de Suzuki é o óleo de palmiste, usado em cosméticos. Mas, com o plantio das outras espécies, é possível elevar a receita: a fazenda já desenvolveu uma linha própria de chocolates e licor de cacau. A nova modalidade se tornou ainda mais atrativa em um cenário de secas severas na amazônia.
"O sistema agroflorestal, no final do dia, imita uma floresta funcionando. São várias espécies juntas que garantem um microclima agradável para as plantações, além de ter a rotatividade de cultura, o que é muito bom, porque traz uma produtividade anual perene para o produtor rural", diz Laís Nara, analista do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras).
As agroflorestas também repõem nutrientes no solo. Antes de Suzuki adotar o novo sistema, a área tinha plantações de ciclo curto, como mandioca, milho e feijão. O estudo conduzido na propriedade identificou uma camada de cerca de 5 centímetros de solo com alta concentração de matéria orgânica. Hoje, com o cultivo sustentável, essa porção varia de 30 a 34 centímetros de espessura.
O produtor nota uma mudança no padrão de chuvas em Tomé-Açu nos últimos 15 anos: a época chuvosa, o inverno amazônico, vai de janeiro a junho, com o máximo de pluviosidade em março, mas ele percebe um deslocamento desse pico para abril.
De acordo com Suzuki, não choveu em julho de 2024, e a estiagem se estendeu até meados de agosto, um quadro inédito em ao menos 15 anos. "O açaí é muito sensível à falta de água, e, mesmo irrigando, houve colegas no ano passado que viram folhas secas. Aqui, nós não observamos isso, o sistema é resiliente às mudanças climáticas, e não usamos irrigação", afirma.
O agricultor Armando Mineshita também é filho de imigrantes japoneses e se dedica exclusivamente ao cultivo agroflorestal, em uma área de 15 hectares. A cultura principal é o cacau, plantado junto com pupunha, pimenta-do-reino, açaí, cupuaçu, banana, pitaya, baunilha e limão.
Uma das vantagens do modelo, segundo Mineshita, é o aproveitamento do espaço. "Se você fizer a monocultura, vai ter que ter 15 hectares para açaí, 15 hectares para cacau... A área vai ser muito grande e a despesa vai ser maior."
Outro ponto positivo do cultivo em agrofloresta é a umidade no local. "Na hora da colheita, se você colher no sol [em uma monocultura], vai sentir uma dificuldade. No sistema consorciado, tanto faz colher de manhã ou à tarde, o clima é o mesmo, muito agradável. Você perde até a noção do tempo", diz o agricultor.
Oppata calcula que uma família de Tomé-Açu pode obter até 15 salários mínimos de renda em dez hectares de cultivos em agroflorestas. Hoje, os agricultores trabalham para renovar 10 mil hectares desmatados pelo plantio predatório no início da ocupação japonesa.
Parte da produção é processada ainda na cidade, graças a uma agroindústria instalada em 1987 pelo governo japonês. Os agricultores entregam os frutos, e a cooperativa se encarrega de produzir polpas congeladas e sorbets.
O faturamento da Camta em 2024 foi de R$ 124 milhões, segundo Oppata. No ano passado, a cooperativa exportou 3.000 toneladas de açaí, e a expectativa é chegar a 4.000 toneladas em 2025. A maior parte dos produtos vai para o Japão, seguido por Portugal, Israel e Alemanha.
*O repórter viajou a convite do Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras).
