Flamengo avança na qualidade da água do mar, mas Botafogo segue imprópria para banho no Rio

Por ALÉXIA SOUSA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Sentada na beira do mar, com os filhos brincando na água rasa e calma, a dona de casa Carla Menezes, 36, tentava se refrescar do calor na Praia de Botafogo, numa tarde de sol recente na zona sul do Rio de Janeiro. A água escura não impediu que ela e as crianças entrassem no mar. "A gente sabe que a praia tem problema, mas aqui é tranquilo, não tem onda, as crianças gostam de ficar brincando", disse.

Veja a qualidade das praias do litoral do Brasil A cena contrasta com os dados mais recentes de balneabilidade. Embora a Praia de Botafogo tenha apresentado alguma melhora nos últimos anos, o local segue longe de ser considerado adequado para banho com regularidade, segundo o levantamento anual feito pela Folha com base em dados do Inea (Instituto Estadual do Ambiente).

Até 2020, Botafogo foi classificada como imprópria em 100% dos dias analisados. A partir de 2021, começaram a aparecer registros pontuais de condição favorável, mas insuficientes para indicar uma mudança consistente no quadro.

Embora 2025 tenham sido registradas liberações pontuais para banho, algo inédito após décadas de reprovação quase contínua, a frequência elevada de resultados negativos ainda impede uma mudança efetiva de categoria.

O relatório mostra que, entre novembro de 2024 e outubro deste ano, 67,1% das amostras coletadas nos dois pontos monitorados da praia --em frente à rua Marquês de Olinda e à comporta da enseada-- foram consideradas impróprias para banho. O índice mantém Botafogo com classificação péssima, a pior da zona sul no balanço anual.

Para o biólogo e professor da UFRJ Rodolfo Paranhos, a diferença em relação à vizinha Praia do Flamengo é clara. "O Flamengo teve uma melhora altamente significativa nos últimos dois anos. O gráfico é muito bonito, mostra um crescimento consistente de dias adequados para banho", afirmou.

Segundo Paranhos, que estuda há três décadas a qualidade da água da Baía de Guanabara, no caso de Botafogo a evolução ainda é limitada. "Não dá para dizer que Botafogo está liberada. Há melhora, mas ela não é comparável ao que aconteceu no Flamengo", disse.

No Flamengo, os dados indicam uma recuperação mais robusta. Os dois pontos monitorados da praia passaram a ser classificados como regulares em 2024 e 2025, após anos seguidos na categoria péssima.

Entre as 73 medições analisadas no último ano, o trecho da foz do rio Carioca teve 10,9% de resultados considerados impróprios para banho, enquanto o ponto em frente à rua Corrêa Dutra registrou 6,8%.

Na prática, isso significa que a água não esteve própria para banho durante todo o ano, mas apresentou melhora relevante em relação ao histórico recente.

O avanço na qualidade da água, segundo o professor Rodolfo Paranhos, tende a se manter. "Eu vejo isso como algo estrutural. Houve uma intervenção importante, que foi a limpeza do interceptor oceânico, algo que nunca tinha sido feito", explicou.

O interceptor oceânico é um túnel de 9 km que transporta o esgoto da zona sul até o emissário submarino de Ipanema. Ele foi desobstruído pela concessionária Águas do Rio pela primeira vez em 2022, após mais de 50 anos, com a retirada de cerca de 3.000 toneladas de resíduos.

A obra permitiu que rios que despejavam esgoto diretamente na enseada fossem desviados para o sistema coletor. Também foi instalada uma nova estação elevatória na Praça do Índio, no Flamengo, capaz de enviar cerca de 50 litros de esgoto por segundo para tratamento.

"Venho quase todo dia para correr ou jogar futevôlei. Fico realmente feliz de a Praia do Flamengo ter conquistado essa condição melhor da água, é uma coisa muito boa. Muito bacana ver essa área de lazer resgatada para a população", afirmou Lúcia Helena Pacheco, 62, moradora do Catete, bairro vizinho.

Paranhos ressalta, no entanto, que fatores como maré e chuva ainda podem afetar a qualidade da água. "Em períodos de maré baixa ou depois de chuvas fortes, pode haver piora momentânea. A água da chuva se mistura com esgoto e vai para a praia. Por isso, é sempre prudente evitar o banho logo após temporais", afirmou.

Em nota, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade informou que, na Praia de Botafogo, os resultados bacteriológicos apresentaram melhora sensível, embora essa evolução ainda não se traduza em condição de balneabilidade própria com a frequência desejável.

Segundo a pasta, contribuíram para esse avanço as ações implementadas no Flamengo, a otimização de troncos coletores na região da Urca e intervenções específicas na enseada, com o desvio de parte das contribuições para o interceptor oceânico e o emissário submarino de Ipanema.

A classificação anual considera medições semanais realizadas ao longo de um ano inteiro, seguindo normas federais e critérios da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). O método considera uma praia ruim quando fica imprópria entre 25% e 50% do tempo na avaliação anual. Quando o índice de medições desfavoráveis supera 50% a classificação é péssima. Nos dois extremos estão as praias boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias na maioria delas.