Radiação focada na medula traz menos riscos e maior sobrevida para idosos que precisam fazer transplante

Por VITOR HUGO BATISTA

ORLANDO, EUA (FOLHAPRESS) - Um estudo clínico testou um protocolo menos agressivo de preparação para transplante de medula óssea em pacientes com 60 anos ou mais. Combinando radiação direcionada apenas à medula e quimioterapia reduzida, que são opções menos tóxicas para o corpo, 45% dos pacientes estavam vivos e sem piora da doença após dois anos.

A taxa de sobrevida global nesse mesmo período, ou seja, a quantidade de pacientes vivos, independentemente de a doença ter voltado ou não, também foi de 45%. Em outras palavras, isso significa que o protocolo é ideal para idosos mais frágeis, garantindo eficácia com baixa toxicidade nessa população.

O estudo foi realizado por pesquisadores do Einstein Hospital Israelita. Os resultados foram apresentados durante o encontro anual da ASH (Sociedade Americana de Hematologia), que aconteceu em Orlando, Flórida, nos Estados Unidos, entre os dias 6 e 9 de dezembro.

O transplante de medula óssea, como é popularmente conhecido o transplante de células-tronco hematopoéticas (TCH), substitui as células doentes da medula por células saudáveis de um doador.

O procedimento é feito em pacientes com leucemias (que afetam células sanguíneas da medula), mieloma múltiplo (que afeta celular de defesa) e síndromes mielodisplásicas (que afetam a produção de células saudáveis).

Antes de realizar um transplante desse tipo, os pacientes precisam tomar uma série de medicamentos e realizar radiação para preparar o corpo. No protocolo padrão, o processo é mais agressivo e pode ser perigoso, principalmente para idosos com mais fragilidades e com outros problemas de saúde.

LEIA MAIS

"Nessa etapa de condicionamento para preparar o corpo para o transplante, o paciente é submetido a quimioterapia e radioterapia em altas doses. Essa é uma etapa muito crítica e pesada, porque gera alta toxicidade. Alguns pacientes podem morrer", afirma Mariana Kerbauy, especialista em hematologia e transplante de medula, e médica do Einstein Hospital Israelita.

O estudo do Einstein avaliou 28 idosos, com média de idade de 67 anos, entre 2017 e 2024. Metade deles tinha doença ativa ou resistente a tratamentos anteriores, ou seja, eram casos mais difíceis. Todos foram acompanhados por cerca de 34 meses.

Os pesquisadores usaram uma combinação mais tolerável no preparo dos pacientes: busulfano e fludarabina para uma quimioterapia mais leve e uma radiação mais precisa.

Os pacientes foram submetidos a uma irradiação de medula direcionada (TMI), que é mais focada do que a técnica tradicional, chamada de irradiação corporal total (TBI). Ambos os procedimentos destroem as células malignas.

Na TMI, a radiação é aplicada de forma precisa e direta na medula óssea, localizada em todo o esqueleto, e é ajustada para atingir principalmente as áreas necessárias.

"Quando a gente faz a radioterapia tradicional, a gente irradia o corpo inteiro do paciente. Então acaba sendo tóxico para o pulmão, para o intestino. Mas na irradiação direcionada, a gente desenha exatamente onde a radiação vai chegar", diz Kerbauy.

A vantagem é que a TMI ajuda a proteger outros órgãos e tecidos que não precisam ser irradiados, o que aumenta a eficácia e reduz os efeitos colaterais, colmo vermelhidão da pele, queda de pelos, diarreia e alterações no paladar.

O paciente permanece deitado enquanto uma máquina distribui feixes de radiação de alta energia nas áreas-alvo da medula óssea. O procedimento leva cerca de 30 minutos a uma hora e costuma ser indolor.

"Mostramos que é factível realizar transplante em pacientes idosos que, com o protocolo convencional, não tolerariam o preparo e dificilmente se curariam. Com essa técnica, conseguimos tratar com sucesso essa população antes excluída", afirma Kerbauy.

ENTENDA OS RESULTADOS DO ESTUDO

Problema tradicional:

- Pacientes idosos com leucemia grave ou síndromes mielodisplásicas precisam de transplante de medula para ter chance de cura.

- Mas o condicionamento clássico (quimioterapia e radioterapia) é tóxico demais para eles, pois causa falência de órgãos e infecções.

- Com isso, idosos não conseguem fazer o transplante. Sem transplante, dificilmente se curam, pois a doença progride e mata.

A solução com a nova técnica:

- Com TMI (radiação precisa só na medula), a toxicidade cai drasticamente, pois a radiação é direcionada apenas nas áreas necessárias, protegendo outros órgãos e tecidos.

- Com o novo protocolo, portanto, idosos conseguem tolerar o preparo: fazem o transplante com sucesso e alcançam maior chance de cura.

O repórter viajou a convite da Johnson & Johnson.