Natal moderno é fruto de séculos de transformações culturais
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Tanto a data estabelecida para celebrar o Natal quanto os costumes festivos associados a esse dia são resultado de um complexo processo de evolução cultural mundo afora. As narrativas sobre o nascimento de Jesus no Novo Testamento bíblico, debates teológicos e elementos não cristãos de diversas culturas se juntaram para criar, aos poucos, a festividade que conhecemos hoje.
Confira a seguir alguns dos elementos mais intrigantes dessa história.
POR QUE O NATAL É COMEMORADO EM 25 DE DEZEMBRO?
Na Bíblia, o Evangelho de Mateus e o Evangelho de Lucas, os dois únicos (num total de quatro evangelistas) que narram o nascimento de Jesus, não estabelecem uma data para esse evento. Durante cerca de dois séculos, os cristãos davam muito mais importância à Páscoa, época na qual Cristo tinha sido crucificado, e não havia o costume de celebrar a data de seu nascimento.
Ao que parece, esse costume começou a se fortalecer mais ou menos na época em que a fé cristã passou a ser mais aceita pela sociedade do Império Romano, até acabar se tornando a religião oficial de Roma no fim do século 4º d.C.
Ocorre que os romanos tinham algumas festividades religiosas associadas ao fim de dezembro. A mais importante era a Saturnália, uma espécie de Carnaval dedicado ao deus Saturno, que começava no dia 17 de dezembro. Também temos alguns registros sobre a festa do deus Sol Invicto, associada, de acordo com poucos manuscritos, ao dia 25 de dezembro.
Um almanaque romano datado da metade do século 4º traz, ao lado dessa data, a frase em latim "natus Christus in Betleem Judeae" ("Jesus nasce em Belém da Judeia"), sendo provavelmente o mais antigo registro da ligação do nascimento dele com 25 de dezembro. Por isso, é possível que a celebração do Sol Invicto tenha sido substituída pelos primeiros natais.
Há, porém, outra possibilidade. Como outros eruditos cristãos haviam estabelecido anteriormente o dia 25 de março como o da morte de Jesus, fazia sentido, do ponto de vista simbólico, que ele tivesse nascido numa data correspondente a nove meses mais tarde nesse calendário ?portanto, 25 de dezembro.
POR QUE O COSTUME É DESMONTAR ENFEITES NO DIA DE REIS?
O Dia de Reis, também conhecido como Epifania do Senhor e celebrado em 6 de janeiro, é uma data importante do calendário cristão há muitos séculos, comemorando a manifestação de Jesus a todas as nações do mundo por meio da visita dos reis magos ao menino e sua família. Tradicionalmente, o período que vai do Natal até a Epifania era conhecido como os 12 dias do Natal, encerrando-se esse período de celebração religiosa no dia 6 de janeiro.
QUAIS RELIGIÕES CELEBRAM O NATAL? EVANGÉLICOS NÃO COMEMORAM?
Historicamente, a imensa maioria das igrejas cristãs, tanto na Europa Ocidental (incluindo católicos e protestantes) quanto na Europa Oriental, Oriente Médio, África e Índia, têm o Natal como uma data muito importante de seu calendário religioso. No caso de boa parte das igrejas ditas orientais (como a Igreja Ortodoxa Russa, a Igreja Ortodoxa Etíope etc.), o dia acabou "andando para a frente" porque elas ainda adotam o chamado calendário juliano, originalmente desenvolvido na Roma antiga, que tem um atraso em relação ao nosso calendário civil. Por isso, o Natal dessas igrejas hoje cai no dia 7 de janeiro.
No século 17, porém, alguns grupos protestantes, como os puritanos ingleses e os presbiterianos escoceses, chegaram a proibir por lei as festas natalinas durante décadas, argumentando que não havia base para elas na Bíblia.
Algumas denominações cristãs mais conservadoras e inspiradas por essa tradição do mundo de língua inglesa também enxergam com maus olhos a comemoração do Natal. É o caso das Testemunhas de Jeová, por exemplo, e de alguns subgrupos presbiterianos atuais. Isso também vale para a Congregação Cristã no Brasil. Outras denominações evangélicas de origem mais recente e populares no Brasil, como as neopentecostais, frequentemente celebram a data.
Com a globalização, muitas culturas não cristãs também aderiram a algum tipo de celebração natalina, como ocorre no Japão e na Turquia, por exemplo.
COMO ERA A COMEMORAÇÃO NO INÍCIO DA IGREJA CATÓLICA?
Sabemos relativamente pouco sobre as celebrações do Natal nos primeiros séculos após a ascensão do cristianismo como religião dominante. Ao longo da Idade Média, mais informações sobre o tema vão aparecendo, e fica claro que já havia muitas coisas em comum com os natais mais recentes.
Embora as missas natalinas fossem muito importantes, assim como o Advento (período de penitência anterior ao Natal, ainda em vigor no catolicismo), a festa em si já era fortemente marcada pela alegria, pelos grandes banquetes (em especial, é claro, para quem podia pagar por ele) e pelo consumo de álcool em grande quantidade.
Outras tradições muito comuns poderiam ser comparadas ao teatro amador. Havia tanto a representação de cenas bíblicas organizadas pelo clero quanto grupos de dançarinos e cantores que iam de casa em casa, às vezes, mascarados, pedindo bebida para seus anfitriões. Ainda na Idade Média, no século 13, a montagem de presépios foi popularizada por influência de são Francisco de Assis.
DAR PRESENTES NO NATAL É TRADIÇÃO RELIGIOSA?
Não, mas, ao que tudo indica, o costume é bastante antigo, se levarmos em conta a possível influência do festival romano da Saturnália, também celebrado no fim de dezembro (ver o primeiro tópico). Com o tempo, também houve a associação entre os presentes dados pelos magos ao menino Jesus, segundo o Evangelho de Mateus, e a troca de presentes nessa época.
O costume de dar presentes às crianças foi se consolidando na Europa ao longo da Idade Média e do período da Reforma Protestante, a partir do século 16. Cada região, porém, desenvolveu suas próprias tradições sobre figuras religiosas ou mágicas que traziam esses presentes, muitas vezes um pouco antes do Natal, no começo de dezembro, ou então na Epifania (ver o segundo tópico).
Só na Itália, por exemplo, dependendo da região, esse papel é atribuído ao Menino Jesus, a santa Lúcia ou à "Befana", uma velhota que lembra uma bruxa. A popularização do Papai Noel mundo afora é um fenômeno recente.
COMO SURGIU PAPAI NOEL?
A inspiração inicial para a figura do bom velhinho foi o bispo são Nicolau de Mira, que teria morrido no ano 343 d.C. na atual Turquia. Histórias que circularam sobre o religioso depois de sua morte diziam, entre outras coisas, que ele tinha ressuscitado meninos e ajudado três moças a escapar da necessidade de se prostituir por causa da pobreza. Para isso, ele teria jogado três bolsas cheias de moedas pela janela das garotas durante a noite, sem revelar sua presença. Assim, elas conseguiram usar o dinheiro como dote para encontrar bons maridos.
A veneração do santo se espalhou para a Europa Ocidental graças a marinheiros italianos que visitaram a Turquia na época das Cruzadas, e ele se tornou particularmente popular em países como a Holanda e a Alemanha. Aos poucos, foi adquirindo a aparência rechonchuda e as roupas vermelhas e brancas que conhecemos hoje, misturando-se também com figuras folclóricas semelhantes chamadas de "Pai Natal" (é a origem do termo em francês Père Noël, de onde veio "Papai Noel" em português).
A popularidade global que o Papai Noel tem hoje se fortalece sobretudo da segunda metade do século 19 em diante, quando escritores populares o retratam como símbolo natalino e, mais tarde, a figura é usada para estimular a troca de presentes e o consumo de massa, sobretudo nos EUA.
