Prova de reaplicação do Enem tem duas questões antecipadas por estudante de medicina
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As apostilas atribuídas ao estudante de medicina Edcley Teixeira voltaram a apresentar questões muito semelhantes a provas do Enem. Dessa vez, foram antecipadas perguntas da reaplicação, realizada nos dias 16 e 17 de dezembro. O caderno de provas foi divulgado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) nesta terça-feira (23).
A reaplicação foi voltada para alunos que não puderam fazer o teste nos dias originais por problemas previstos no edital, como doenças contagiosas ou problemas logísticos.
A Folha comparou cópias de materiais digitais divulgados por Edcley em pastas virtuais --como a intitulada "Estarão no Enem"-- retiradas das redes sociais após a repercussão do caso. Parte desses arquivos também circulava em grupos e perfis na internet, de onde a reportagem obteve o conteúdo.
Em ao menos duas questões, a reaplicação do Enem reproduz a mesma estrutura lógica presente nos exercícios das apostilas, com alterações pontuais de valores, personagens ou contexto, mas mantendo o raciocínio central exigido do candidato.
Em um dos casos, a questão oficial trata da compra inicial de 40 televisores, com preço unitário de R$ 1.200 e custo de frete previamente definido, seguida de uma redução de 60% no valor do transporte. A partir desse desconto, o candidato deve recalcular a quantidade de aparelhos adquiridos e comparar o gasto final com o planejamento inicial.
No material atribuído a Edcley, o problema parte do mesmo cenário matemático: 40 televisores, preço unitário idêntico e redução de 60% no custo do frete. A diferença está no enunciado e na pergunta final, que solicita o número máximo de televisores adicionais comprados sem ultrapassar o valor inicialmente previsto. Em ambos os casos, a resolução exige o mesmo encadeamento de cálculos.
Outra semelhança aparece em uma questão de análise combinatória. Tanto a reaplicação do Enem quanto o exercício das apostilas tratam da formação de códigos numéricos de 13 dígitos, com os três primeiros fixos --7, 8 e 9-- e regras específicas para os demais algarismos. Nos dois enunciados, a solução depende da aplicação do princípio multiplicativo para calcular o total de combinações possíveis.
Procurado para comentar sobre o novo episódio, o Inep afirmou que mantém o posicionamento já apresentado anteriormente à Folha.
Em entrevista anterior, o presidente do instituto, Manuel Palacios, disse que a equipe iniciou uma avaliação em larga escala após os primeiros relatos de semelhanças entre questões do Enem e materiais estudados por Edcley. Segundo ele, a análise não encontrou indícios de acesso prévio à prova. "Ninguém viu a prova", afirmou.
Palacios atribuiu as coincidências à memorização de questões pré-testadas pelo Inep e disse que o episódio não compromete a segurança nem a validade das notas. "O que havia eram questões semelhantes, com maior ou menor proximidade, mas nenhuma era idêntica", declarou.
Segundo o presidente do Inep, o pré-teste envolve itens isolados e não provas completas. Ele afirmou que mais de 4.000 questões já passaram por esse processo, considerado essencial para garantir a comparabilidade entre diferentes edições do exame.
À Folha Edcley voltou a negar qualquer vazamento na noite dessa terça-feira (23). Disse receber "com serenidade" a informação de que questões da reaplicação dialogam com materiais que publicou gratuitamente na internet. Segundo ele, a coincidência representa uma validação técnica de sua análise preditiva, baseada exclusivamente em conteúdos recorrentes do Enem.
Edcley afirmou realizar um trabalho contínuo de análise estatística e pedagógica dos padrões do exame ao longo dos anos. Segundo ele, quando antecipou temas ou estilos de cobrança, isso ocorreu a partir do estudo da matriz de referência do Inep, sem acesso privilegiado a informações sigilosas.
O universitário disse ainda manter respeito pelas instituições responsáveis pelo exame e confiança na lisura do processo avaliativo.
Além dessas, a Folha identificou outras duas questões que, embora distintas, partem de textos literários semelhantes. Em uma delas, de língua portuguesa, tanto o Enem quanto a apostila utilizam trechos do conto "O diplomático", de Machado de Assis. Na prova oficial, o enunciado traz um fragmento inicial da obra e pede a identificação de características do ideário realista do século 19. No material atribuído a Edcley, o exercício parte do trecho seguinte do mesmo conto e cobra a análise psicológica do personagem Rangel.
Em outra questão, do caderno de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, a reaplicação do Enem aborda o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, com foco nos impactos ambientais, sociais e econômicos da política pública no SUS (Sistema Único de Saúde). Tema semelhante aparece em materiais atribuídos ao estudante, baseados em textos oficiais do Ministério da Saúde.
Entenda o caso
Aluno de medicina da Universidade Federal do Ceará, Edcley passou a ganhar projeção nacional ao divulgar previsões de questões que depois apareceram na aplicação regular do Enem 2025, além de provas de 2023 e 2024 e da reaplicação no Pará.
Em vídeos publicados em seu canal no YouTube, e posteriormente retirados do ar, afirma que suas previsões se baseiam na análise de questões de pré-testes aplicados pelo Inep para calibrar itens futuros do exame. À Folha, disse que o desempenho decorre da experiência acumulada em 13 participações no Enem e do que define como um "método de percepção algorítmica", construído a partir da leitura de editais e da observação de padrões recorrentes nos enunciados.
O caso levou o MEC (Ministério da Educação) a anular três questões do Enem 2025 e a acionar a Polícia Federal, após a circulação de vídeos em que Edcley apresentava exercícios semelhantes aos aplicados na prova nacional de novembro.
Além das coincidências pontuais entre questões, o estudante também antecipou a adoção do chamado testlet --modelo que reúne cinco itens ancorados em um mesmo texto-base. O formato estreou oficialmente no Enem 2025 e voltou a aparecer na reaplicação realizada no último domingo (30), no Pará.
Palacios afirmou que a adoção do testlet não esteve sob sigilo e integra um processo de modernização do exame. Segundo ele, o modelo preserva as habilidades tradicionalmente avaliadas e busca tornar a prova mais contextualizada e precisa.
