'Heróis' fantasiados ganham as ruas e as redes sociais pelo país
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Pelas ruas de Belém, Paráman é a figura que cobra de autoridades o conserto do asfalto, além de salvar gatinhos e postar vídeos engraçados em redes sociais. No Rio de Janeiro, o Gato da Cidade denuncia a falta de segurança em passarela para pedestres e doa cesta básica a uma família carente.
Ao redor do Brasil, pessoas criam identidades de super-heróis, trajados com fantasias, e publicam vídeos e fotos na internet onde dizem se comportar como mocinhos que salvam moradores ou mesmo como justiceiros, usando símbolos dos quadrinhos e do cinema. Seguem um movimento já conhecido no exterior, da sigla RLSH (real-life superhero, ou super-herói da vida real).
Paráman é um desses que diz negar a violência e optar pela abordagem amigável de prestar serviços à comunidade. Márcio do Carmo, 50, é muito fã de jogos de tabuleiro e desenvolveu a identidade de heróis local há pouco menos de dez anos. "Sempre quero mostrar uma forma sadia de ser um super-herói exemplar".
Segundo Carmo, a comunidade na capital do Pará o adora, pois cobra publicamente autoridades. Seu Instagram intercala vídeos de humor, em que brinca com sua autodenominada posição de herói e a graça de sua roupa precária, e vídeos nos quais tenta ajudar as comunidades locais. Entre as publicações, ele pede para que sejam pavimentadas ruas de um conjunto habitacional.
No Rio de Janeiro, uma figura se destaca entre todos os adeptos do heroísmo popular. Com 1,89 m de altura, quase cem quilos, Gato da Cidade traja uma armadura laranja composta por uma infinidade de polímeros leves, mas --promete ele-- capazes de parar uma faca.
O rapaz de 26 anos diz ser um burocrata, e busca ao máximo o anonimato, segundo ele, por medo de represálias de criminosos e milicianos da cidade em que mora e atua: Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Ex-integrante do Exército, Gato da Cidade afirma nunca ter desferido um soco sequer; violência não é seu mote, uma vez que se recusa a "caçar criminosos e coisa e tal". "Eu quero ser um exemplo para as pessoas da minha região, uma fonte de esperança", diz.
Vídeos de seu perfil no Instagram o mostram arrecadando cestas básicas para uma família vulnerável, acompanhando uma adolescente até sua casa durante a madrugada e acalmando uma pessoa em situação de rua em aparente crise psicótica violenta.
Apesar do apelo nas redes sociais, o temor por se expor é comum entre quem desempenha o papel. "Nenhum vigilante passa [a verdadeira identidade]", disse o mascarado Mr. Raptor, de São Paulo.
Inspirado no Gato da Cidade e no filme Kick Ass para iniciar sua jornada no caminho dos super-heróis da vida real, o vigilante de 22 anos (que também pediu o anonimato) não visa a violência.
"Já ajudei em torno de umas sete pessoas em caso de furtos, brigas, bullying etc, mas nunca prendi ninguém porque isso é trabalho da polícia", diz.
Mesmo assim, o mascarado já sofreu ameaças por um grupo de ladrões que costumavam furtar celulares no centro de São Paulo. Durou uns quatro meses, conta Raptor, para quem o intuito é cuidar e proteger.
Com o nome de Super-heróis da Vida Real (SHVR), o movimento de pessoas fantasiadas de personagens autoproclamados tem registros no mundo desde a década de 1980.
No México de 1985, um herói chamado Superbarrió Gomez chamou atenção da imprensa trajado numa roupa típica de lutador de luta-livre, com direito a máscara e as cores de Chapolin Colorado. Dizia defender os interesses do povo ao antagonizar a classe política e as elites locais.
Há quem arrisque sair da linha de "herói", e se autointitule justiceiro. O grupo Espectros Patriotas produz vídeos de rondas noturnas que são publicados no Youtube.
Neles, homens mascarados abordam adolescentes, em sua maioria negros, pelas ruas do centro do Rio, a maioria na madrugada.
Em um desses vídeos, filmado em fevereiro, o grupo imobiliza dois adolescentes de 15 e 17 anos na região da Leopoldina, no Rio.
Ao perceber que eles não tinham nada, o vigilante encapado numa bandeira do Brasil os libera após filmar seus rostos, expondo-os na internet. "Joga no grupo as imagens desses aqui. Se alguém pegar aqui é sem perdão."
Quem filma comenta no vídeo que, caso algo de errado tivesse sido flagrado, o "pau ia cantar bonito nesse cantinho aqui".
O canal existe desde 2016. Ao longo de seus vídeos, é comum dizerem que "puxaram a ficha corrida" daqueles alvos da ação, baseados em fatores como "estar andando sozinho na rua de forma suspeita".
Em outro vídeo, de 2024, com uma máscara de caveira, um deles aparece imobilizando um jovem negro. "Vagabundo, safado, não tem carteira, não tem dinheiro. Vem pra roubar a população".
Em resposta via WhatsApp, um dos membros disse que eles são incapazes de ver uma injustiça e ficar de braços cruzados. Ele admite o uso da força "no calor do momento" e que eles não querem incentivar linchamentos ou justiceiros, e que acabaram, por vezes, a "agir com mais energia que o necessário para cessar a ação [do suposto crime]".
Questionada, a Polícia Civil do Rio afirmou em nota que "desconhece qualquer ação relevante e estruturada desta natureza no estado do Rio de Janeiro".
