Justiça mantém multa de R$ 300 milhões contra JHSF e Prefeitura de SP por condomínio de luxo

Por FABIO VICTOR

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Moradores do bairro Cidade Jardim representados por uma associação obtiveram mais uma vitória na Justiça contra a construtora JHSF e a Prefeitura de São Paulo para que ambas paguem uma multa milionária por construção irregular de um condomínio de luxo no bairro, na zona oeste paulistana.

Em acórdão publicado em setembro passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou recurso da Aveiro Incorporações, controlada pela JHSF, e da Prefeitura de São Paulo contra decisão anterior da corte que deu ganho de causa à Sociedade Amigos da Cidade Jardim.

As rés estão recorrendo novamente, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na sentença original, de 2019, assinada pela juíza Liliane Keyko Hioki, da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, o TJ-SP declarou a nulidade de alvarás de edificação e execução da construção.

Como foi proferida quando o edifício já estava de pé, converteu a obrigação de demolir em indenização e determinou reversão do valor a um fundo especial para a sociedade ?ou seja, o dinheiro da causa não irá para a parte vencedora.

Embora não haja esse cálculo na sentença, na época, considerando o valor de mercado das 16 unidades do condomínio de luxo Residência Cidade Jardim, o valor da multa foi estimado em R$ 300 milhões.

Os apartamentos do residencial têm de 714 m² a 1.815 m2 de área privativa, com cinco salas, depósito e oito vagas de garagem. Uma das menores unidades, de 740 m², com quatro suítes e oito vagas de garagem, está anunciada num portal de imóveis por R$ 44 milhões. Um clube privativo integra o complexo.

A multa milionária foi a solução encontrada pela juíza para não causar prejuízos "incomensuráveis" aos proprietários dos imóveis com a demolição, mas, também, não deixar impunes aqueles que "não agiram em boa-fé" e lucraram com as vendas.

Em 2021, desembargadores da 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP já haviam rejeitado um recurso das rés e mantido de forma integral a decisão de primeira instância.

Agora, o mesmo colegiado do tribunal paulista ?por determinação do STJ, que anulou os acórdãos anteriores e ordenou o seu reexame? voltou a se debruçar na matéria e rejeitou um novo recurso da JHSF e da Prefeitura de SP (embargos de declaração).

No novo acórdão, o desembargador relator Leonel Costa rebateu todos os argumentos das rés, entre eles os de julgamento extra petita (quando o juiz decide fora dos limites do pedido feito pelo autor da ação), cerceamento de defesa, ausência de comprovação de dano e afronta aos princípios da boa fé e segurança jurídica.

Neste último ponto, lembrou que o TJ-SP já havia "considerado tratar de atos ilícitos, sem efetivo respaldo jurídico, violadores inclusive da probidade administrativa".

É mais um capítulo de uma novela iniciada em 2012, quando o Ministério Público e a Sociedade Amigos da Cidade Jardim começaram a apontar irregularidades no empreendimento da construtora Aveiro, controlada pela JHSF.

Em resumo, argumentam que um complexo daquele porte (27,9 mil m² de área construída, com 20 pavimentos e 72 metros de altura, num terreno de 7.500 m²) não poderia ser erguido naquela área, destinada a casas.

Já a Aveiro/JHSF alegava que a maior parte do terreno estava no perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, o que lhe garantiria permissão para construir ali o condomínio em troca de contrapartidas.

Em 2014, a Sociedade Amigos da Cidade Jardim ingressou com uma ação civil pública contra a JHSF/Aveiro para tentar impedir ou paralisar a construção do condomínio, sem êxito.

Conforme a sentença de primeira instância, apenas uma pequena parcela do terreno estava inserida no perímetro da Operação Urbana, insuficiente para legitimar o aproveitamento integral dos benefícios urbanísticos concedidos pela Lei da Operação Urbana.

Dois órgãos municipais chegaram a avalizar a irregularidade ao afirmar equivocadamente que o terreno utilizado para construção do prédio estava 62% dentro da área compreendida pela operação Água Espraiada, e, assim, podia construir acima dos sobrados característicos da região.

Um dos órgãos foi a estatal São Paulo Urbanismo, contrariando inclusive entendimento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. O outro foi a CTLU (Câmara Técnica de Legislação Urbanística) que não tinha competência para determinar quais eram os limites abrangidos pela lei, segundo a Justiça.

A dúvida sobre quanto do terreno estava dentro do perímetro previsto pela Operação Água Espraiada foi sanada por perícia judicial, segundo a qual apenas de 11% a 12,4% do terreno estava dentro da área, bem distante dos 63% exigidos para se pleitear os benefícios da lei.

A sentença anulou os alvarás expedidos pelo município, que permitiram à construtora iniciar as obras. Além desses documentos, a JHSF alegava ter assinado um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a Promotoria, que permitiu o prosseguimento e término da construção.

O condomínio Residência Cidade Jardim fica na rua Armando Petrella, próximo ao shopping de luxo que leva o nome do bairro, também um empreendimento da JHSF.

Entre os compradores dos apartamentos de luxo do condomínio, conforme pedido à Justiça para ingressar como assistentes no processo, estão bilionários da elite econômica do país, como o banqueiro Ricardo Villela Marino, vice-presidente do Conselho de Administração do Itaú, José Ermírio de Moraes Neto, herdeiro do Grupo Votorantim, o empresário Dario Guarita Neto, o investidor Fabio Alperowitch e o ex-executivo do Itaú Marcio Schettini.

Como a região em seu entorno, repleta de mansões, a rua Armando Petrella tem pouquíssima circulação de pessoas. Quando a reportagem esteve no local, no início de noite de quinta-feira (11 de dezembro), parecia uma rua fantasma: havia muito mais seguranças e manobristas do que pedestres.

Em meia hora no local, apenas duas pessoas surgiram caminhando no trecho da rua próximo ao condomínio ?uma era uma empregada doméstica voltando para casa, que não quis falar.

A outra era Renan Oliveira, analista de relações de investidores que mora num raro edifício que não é de luxo das cercanias. "Vim para cá há dez meses, mas já quero sair, porque é um custo alto e não tem nada em volta. Priorizo praticidade, e aqui não tem."

Alguns anos atrás, integrantes da Sociedade Amigos Cidade Jardim estavam numa rua próxima distribuindo folhetos de uma campanha da entidade. Foram seguidos por um carro de uma das muitas escoltas armadas dos condomínios da região, e abordados por seguranças com armas em punho.

A advogada da associação, Viviane Siqueira Rodrigues, diz ter "muita confiança" na manutenção da sentença. "É um caso que chocou muito o tribunal, e esse inconformismo está explícito no acórdão, quando até se fala de suspeita de atos de improbidade no processo administrativo para obtenção de alvarás", declarou.

"Somos realistas: o poder econômico deles é muito maior que o da associação de moradores que estão ali. Mas juridicamente a tese é sólida, foi acolhida em duas instâncias. Confiamos na Justiça", acrescentou.

Em nota, a JHSF afirmou que "vai recorrer da decisão [o que já ocorreu] e não comenta processos judiciais em andamento". A construtora é defendida pelo escritório Barci de Moraes, comandado por Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

A Prefeitura de São Paulo também respondeu por meio de uma nota, em que afirma: "A Procuradoria Geral do Município informa que o caso mencionado está com recursos em tramitação nos tribunais superiores, em Brasília, e aguarda o julgamento dessas medidas judiciais".