Relatórios apontam vulnerabilidade extrema de indígenas Warao em ocupação de Betim
Vistoria técnica identificou precariedade, conflitos e ausência de políticas públicas para famílias venezuelanas.
Famílias indígenas Warao, originárias da Venezuela, vivem em situação de extrema vulnerabilidade na ocupação conhecida como Terra Mãe, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A condição foi apontada em relatórios técnicos e confirmada durante vistoria realizada neste mês por representantes do sistema de justiça, órgãos públicos e da Cruz Vermelha Brasileira. Atualmente, 258 pessoas, pertencentes a 40 famílias venezuelanas, vivem no local.
A vistoria ocorreu no dia 19 e contou com a presença de representantes do Ministério Público, do Judiciário, da Defensoria Pública, de órgãos federais ligados à política indígena e da Cruz Vermelha Brasileira – Afiliada Minas Gerais. O levantamento confirmou a gravidade das condições de vida na ocupação, caracterizadas por moradias improvisadas, falta de infraestrutura básica e insegurança social.
Promotores de Justiça de Betim e representantes do Conselho Nacional de Direitos Humanos estiveram na comunidade para ouvir relatos de ameaças, episódios de preconceito e denúncias de violações de direitos humanos. A diligência também teve a participação de representantes do Município de Betim, do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do gabinete da deputada federal Célia Xakriabá.
Ocupação e condições de vida
Os Warao são um povo indígena tradicional do Delta do Orinoco, que migrou de forma forçada nos últimos anos em razão da crise econômica e humanitária na Venezuela. No Brasil, a chegada de grupos Warao se intensificou a partir de 2016, com registros de assentamentos em diferentes cidades, geralmente em contextos de refúgio e vulnerabilidade social.
Em Betim, a ocupação Terra Mãe teve início em agosto de 2023, em um terreno anteriormente desabitado. Atualmente, cerca de 24 famílias Warao vivem em aproximadamente 18 barracas improvisadas de madeira e lona, sem acesso regular a água potável, energia elétrica ou saneamento básico. No entorno, há construções de alvenaria erguidas por ocupantes não indígenas, o que tem ampliado a sensação de insegurança e exclusão relatada pelos moradores.
Além da precariedade estrutural, a comunidade enfrenta conflitos internos, relacionados a disputas por liderança, espaço e acesso a doações, e conflitos externos, envolvendo relatos de ameaças, agressões e preconceito por parte de ocupantes não indígenas. Também há registros do avanço de loteamentos irregulares sobre áreas inicialmente ocupadas pelas famílias Warao.
A insegurança alimentar é apontada como constante. Sem acesso a trabalho formal, muitas famílias dependem de doações de alimentos realizadas por igrejas, organizações da sociedade civil e grupos voluntários, além da mendicância em vias públicas. Programas sociais existentes são considerados insuficientes para garantir condições mínimas de subsistência.
Na área da saúde, os relatos indicam dificuldade de acesso aos serviços públicos, ausência de atendimento culturalmente adequado e ocorrência de doenças evitáveis. Há ainda registros de mortes de crianças associadas à falta de assistência, tentativas de suicídio e denúncias de violência sexual contra menor, evidenciando um quadro de risco social e fragilidade na proteção às famílias.
Parte das crianças Warao está matriculada em escola municipal próxima à ocupação e recebe alimentação escolar. No entanto, persistem dificuldades de adaptação, relatos de bullying e ausência de políticas educacionais interculturais que considerem a língua e a cultura indígenas.
Processo judicial
O terreno ocupado é objeto de uma Ação de Reintegração de Posse que tramita na Justiça estadual, acompanhada pelas Comissões de Solução de Conflitos Fundiários do TJMG e do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). Segundo informações apuradas durante a vistoria, apesar de tentativas de mediação desde 2023, a situação humanitária no local se agravou.
Instituições envolvidas no acompanhamento do caso apontam que a situação dos Warao em Betim reflete um problema estrutural enfrentado por indígenas migrantes em áreas urbanas no Brasil. Especialistas destacam que, sem soluções duradouras, como acesso a serviços públicos adequados, proteção contra violência e alternativas de moradia digna, o risco é a continuidade do quadro de precariedade e violação de direitos.
