Furtos e medo de roubos resistem a queda de indicadores de crimes em SP

Por LUCAS LACERDA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dados da segurança paulista atualizados até novembro mostram que a cidade de São Paulo e o estado chegaram às menores marcas de roubos no acumulado de 11 meses do ano, com 91 mil e 149,5 mil registros, respectivamente.

A sensação de insegurança, no entanto, ainda paira sobre a população. Como mostrou pesquisa Datafolha, 80% dos moradores de metrópoles no Brasil tomaram alguma atitude por medo da violência.

Um dos casos de latrocínio ocorridos no início do ano em São Paulo, a morte do ciclista Vitor Medrado, baleado durante um roubo de celular na região do Parque do Povo, no Itaim Bibi, sintetiza a violência que choca. O episódio reuniu elementos como a cobiça de criminosos pelos aparelhos e e o medo de exposição a um roubo armado que pode terminar em morte.

Tanto a capital paulista quanto o estado também registraram recorde de feminicídios em meio a uma onda de violência contra a mulher, a exemplo do caso de Tainara Souza Santos, 31, que teve as duas pernas amputadas após ser atropelada e arrastada por um homem. Ela morreu após 25 dias internada.

Os homicídios, apesar do aumento na capital de janeiro a novembro, com 475 mortos ante 447 no mesmo período de 2024, têm seguido uma tendência de queda no estado mantida há anos ?o indicador atingiu 2.271 assassinados em 11 meses, menor número desde 2001, início da série histórica.

Para especialistas, a tendência de anos se deve a um conjunto de fatores, como o envelhecimento da população, a ação do crime organizado quase monopolizada no estado sob o PCC (Primeiro Comando da Capital) e também políticas como a estruturação de uma unidade especializada, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).

"É uma tendência muito ímpar de São Paulo", afirmou David Marques, gerente de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Já as queixas de furto no acumulado tiveram recorde na capital, com 230,5 mil ocorrências. No estado, o número se manteve no patamar de 2024, com 507,3 mil casos.

Para Marques, a trajetória dos indicadores pode não gerar mudanças de percepção da população. "Não é um fato novo, é algo estudado no campo da sociologia", avalia, sobre a sensação de risco.

Um fator que pode contribuir para isso, afirma, é a grande quantidade de vídeos sobre crimes produzidos e depois divulgados pelas redes sociais. "Em São Paulo, em particular, a gente tem esses fenômenos de câmeras, tanto do município, com um programa específico, mas também de empresas particulares, que se propagam pelos bairros."

Assim, embora os números mostrem queda de ocorrências, a riqueza de detalhes dos crimes mantém a sensação de medo em alta, explica o especialista. Ele também aponta a politização dos casos com a disseminação de vídeos, inclusive por agentes políticos, para atrair o público por meio da indignação.

Rafael Alcadipani, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas), pondera que os indicadores são muito altos, ainda que tenham registrado queda.

"Os números são altíssimos. O crime está migrando para o online e ainda não temos essa [modalidade de] notificação. Outro aspecto é uma subnotificação grande. As pessoas não confiam em reportar crimes à polícia porque não confiam no que vai acontecer."

Dados da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que o país teve cerca de 2,2 milhões de casos de estelionato em 2024, um novo recorde.

Para ele, "reduzir 30% ou 40% não significa refresco para a população". "O governo não tem e não tinha até o momento uma política pública clara", afirma, em alusão à mudança na chefia da Secretaria de Segurança Pública do estado, antes sob o comando do deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), e agora chefiada por Osvaldo Nico Gonçalves. "O governo gera indicadores que não significam muito."

Procurada, a secretaria da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que os resultados são fruto de uma política integrada que combina reforço de efetivo e investimentos em tecnologia, inteligência e coordenação.

Também mencionou a abertura de 17 mil vagas em concursos públicos para as polícias nos últimos três anos, com 14 mil já em atuação. A pasta tem concurso em andamento para mais 3.600 policiais e prevê mais 2.400 postos.

A prioridade do governo, segundo Alcadipani, deveria ser o enfrentamento da violência contra a mulher. "O atual governo piorou as políticas. A formação do policial era melhor, o atendimento tinha uma preocupação mínima. Hoje virou aplicativo e tecnologia, em vez da tentativa de construir mais modelos como Casa da Mulher Brasileira. Faz mais DDM [Delegacia de Defesa da Mulher], mas não qualifica."

O governo Tarcísio disse que chegou a 312 espaços policiais para atendimento exclusivo a mulheres em 2025, ante 202 em 2023, considerando 170 salas DDM e as 142 delegacias especializadas em todo o estado.

Houve aumento nos prédios de medida protetiva, segundo a gestão: 140 mil deles em 2024, ante 99 mil em 2023. Entre as ações de acolhimento também estão as Casas da Mulher Paulista, que têm 20 unidades inauguradas e 16 em construção, com R$ 14,5 milhões investidos.

Para Marques, outro ponto que precisa ser fortalecido no estado é a dificuldade em enfrentar redes criminosas mais articuladas e com alta capacidade de armamento, ação coordenada e corrupção.

Um dos exemplos é o da morte de Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, empresário e delator de esquemas do PCC, morto a tiros no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, há pouco mais de um ano. O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo condenou 11 policiais militares por organização criminosa em 16 de dezembro. Outros quatro agentes foram absolvidos.

Houve ainda o assassinato do ex-delegado-geral Ruy Ferraz Fontes em setembro, que segundo os promotores foi ordenada pela cúpula do PCC.

Os casos, diz Marques, mostram um nível de especialização dos criminosos para o qual não há resposta do poder público. "Não é exclusivo de São Paulo, porque a gente tem visto essa criticidade em outros estados, mas esses casos aqui chamaram muito a atenção."

A SSP, por sua vez, afirmou que os casos foram esclarecidos pelo DHPP, com identificação e a prisão de envolvidos, "reafirmando a capacidade investigativa da Polícia Civil em crimes complexos".