Brasil pode aumentar protagonismo na saúde global após turbulências nos EUA em 2025
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ano de 2025 não foi fácil para o sistema sanitário e científico dos Estados Unidos. O paracetamol foi associado ao autismo em falas do presidente Donald Trump, ligação que não tem respaldo em evidências científicas. Diretores do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) pediram demissão em agosto por não concordarem com mudanças sem respaldo científico na política de vacinação. Antes disso, em junho, 17 especialistas de um comitê consultivo sobre vacinação no CDC já haviam sido demitidos e substituídos por novos membros com histórico de falas antivacinas.
Essa turbulência na saúde norte-americana ocorre de forma simultânea a uma importante crise sanitária no país. O sarampo se alastra nos EUA, chegando ao pior índice de novos casos dos últimos 30 anos. A vacinação também enfrenta desafios. Segundo um levantamento, 1 em cada 6 pais americanos pularam ou adiaram as vacinas de seus filhos. Enquanto isso, um painel consultivo deixou de recomendar a vacina contra hepatite B para todos os recém-nascidos.
A situação não é exclusiva dos Estados Unidos. O sarampo é um desses exemplos. Claudio Maierovitch, sanitarista e coordenador do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (Nevs) da Fiocruz de Brasília, afirma que houve avanços no combate à doença no Brasil, principalmente com altas taxas de cobertura vacinal, mas o índice de imunização caiu nos últimos anos. "Essa queda, uma vez percebida, deveria ter desencadeado grandes campanhas, mas isso não aconteceu", afirma Maierovitch.
Em alguns países asiáticos, como Camboja, Mongólia, Filipinas e Vietnã, cresceram os casos de sarampo nos primeiros meses de 2025, na comparação com o mesmo período do ano passado. A OMS (Organização Mundial da Saúde) definiu a situação como um retorno perigoso de doenças preveníveis por vacinação.
RESQUÍCIO DA PANDEMIA
Esse cenário atual da saúde global, em que uma das características é a suspeita sobre eficácia e segurança de vacinas, lembra acontecimentos ocorridos na pandemia de Covid-19. André Siqueira, médico infectologista e chefe do programa global de dengue do DNDi (Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas), afirma que os problemas atuais podem ser encarados como "uma continuidade e uma intensificação" das suspeitas a respeito de vacinas vistas durante a crise causada pelo Sars-CoV-2.
Essa hesitação vacinal é resultado de um sistema bem estruturado de desinformação de saúde. Para Deisy Ventura, professora titular da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), o combate às fake news sobre saúde ainda não é o ideal. Pior ainda, Ventura diz, são as falas controversas dos tomadores de decisão ?como exemplo, ela cita a fala do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que disse ter se arrependido de defender a obrigatoriedade da vacina contra a Covid.
Ainda nos EUA, o secretário de saúde do país, Robert Kennedy Jr., dá voz a ideias sem comprovação científica e aparelha órgãos sanitários, como o CDC, com membros que compartilham de visões parecidas às dele.
O problema é que essas mudanças em órgãos de saúde nos EUA impactam diferentes regiões do mundo. Por exemplo, a decisão da gestão Trump de retirar os EUA da OMS levou a problemas de financiamento da organização, já que o país era o que mais contribuía com a entidade. A saída impactou diferentes setores da OMS, como programas contra o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, além de levar à redução da equipe de gestão da entidade.
Outro impacto global de decisões internas do governo norte-americano tem relação com a relevância internacional de entidades como o CDC. Maierovitch explica que, quando a principal agência de saúde dos EUA toma uma medida sobre vacinas, essa resolução normalmente é levada em consideração em outros países.
Essa influência é sentida também no Brasil, mas agora representa um perigo por causa do desmantelamento do CDC. "O Brasil precisa proclamar a independência sanitária", resume Ventura.
Para a professora da USP, alcançar esse feito é possível, já que o país, mesmo com problemas, conta com um sistema público de saúde robusto e reconhecido mundialmente. Financiamento à pesquisa e instituições como a Fiocruz também são mencionadas pela professora como pontos relevantes no sistema sanitário e científico brasileiro.
Os desafios, no entanto, ainda são inúmeros, como o baixo investimento em saúde e ciência, lembra Siqueira.
