Escola de samba revisita história de sacerdote da umbanda que impulsionou Réveillon de Copacabana
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - É da revista O Cruzeiro, edição de 1973, a sacada de chamar Tancredo da Silva Pinto de "Papa Negro".
Um dos primeiros líderes populares da umbanda, criador de associações religiosas e autor de livros, Tancredo era desenvolto nos jornais. Posava para fotografias, escrevia artigos e era entrevistado por diversos veículos de comunicação.
Tata Tancredo, como era conhecido -"tata" é o título de pai em alguns cultos de origem banto-, dava pistas, nas entrevistas, sobre seu passado de criança negra do início do século 20, filho direto de ex-escravizados. Ao Cruzeiro, lembrou dos carnavais em Niterói que misturavam a folia dos ranchos com a celebração aos orixás, mistura dada pela perseguição aos cultos afro-brasileiros, segundo ele.
Ainda que tenha publicado 22 livros e artigos, e ainda que tenha sido um dos líderes da umbanda mais populares do século 20, pesquisá-lo foi desafiador para Marcus Paulo, carnavalesco da Estácio de Sá.
A escola de samba da Série Ouro, grupo de acesso do Carnaval do Rio de Janeiro, vai contar a história e o legado do sacerdote que, em algum grau, era vizinho e frequentador da escola. Tancredo viveu e morreu no morro de São Carlos e viu de perto a criação do samba moderno e da Deixa Falar, agrupamento da década de 1920 considerado o pioneiro das escolas de samba.
"Embora Tancredo tenha publicado livros, sido colunista e atuado no espaço público, há uma escassez significativa de registros sistematizados sobre sua obra e suas composições. Essa dificuldade é recorrente em pesquisas sobre personagens e produções da cultura negra no Brasil", afirma Marcus Paulo.
A pesquisa para o enredo "Tata Tancredo, o Papa Negro do Estácio", se baseou em livros, jornais e pesquisa oral com pessoas que conviveram com ele ou foram influenciadas por sua atuação.
"Tancredo é uma figura ainda muito presente na memória do Morro do São Carlos e dos morros do entorno. Ele foi um líder religioso, cultural e comunitário de grande relevância, o que fortalece o sentimento de pertencimento ao enredo", diz o carnavalesco.
É atribuído a Tancredo a criação, ou ao menos a divulgação, daquilo que hoje se conhece como Réveillon em Copacabana. A partir da década de 1950, popularizou-se entre seguidores da umbanda e candomblé a passagem do ano nas praias para saudar Iemanjá. Os fiéis vestiam-se de branco e lançavam ao mar flores e barcos de papel e madeira.
Durante a passagem aconteciam também pequenas ou grandes giras, com a incorporação de caboclos e pretos-velhos.
Houve celebrações nas praias de Mangaratiba, na praia de Ramos e no Leblon, até que a partir de década de 1970 a praia de Copacabana se tornou o lugar principal, atraindo também quem não era da religião.
Como Joãozinho da Gomeia, líder pop do candomblé do século 20, Tata Tancredo atraía e buscava atrair a opinião pública. Fazia eventos para homenagear políticos de diferentes matizes e em 1965, por ocasião do quarto centenário do Rio de Janeiro, organizou, no Maracanãzinho, uma gigantesca gira de umbanda para milhares de pessoas. "Você Sabe o Que é Macumba?" foi o nome do evento, que contou com anuência do então governador da Guanabara, o conservador Carlos Lacerda.
A ideia era reverter a renda para a construção de um hospital.
Fundador da Ceub (Congregação Espírita Umbandista do Brasil), ele não era unanimidade em sua época: parte dos expoentes da umbanda reclamava da quantidade de aparições na imprensa. Era provocado por detratores como o metido a único entendedor da religião.
Tancredo também falava na Lemúria, boato mundial de um suposto continente perdido, e na chegada da era de Aquário. Compôs sambas, e a especialidade era o samba-de-breque. Seus intérpretes preferidos eram Moreira da Silva e Jorge Veiga.
"General da Banda", composição de Tancredo com Sátiro de Melo e José Alcides, foi o maior sucesso do Carnaval de 1950 na voz de Blecaute. O samba-marcha foi gravado por Dircinha Batista, Ivan Lins e Elis Regina.
Tancredo morreu em 1979, quando o Réveillon de Copacabana, mais moderno, já tinha como ápice o show de luzes e pirotecnias das fachadas dos hotéis da orla, especialmente o antigo hotel Meridien.
Na passagem de 2000 para 2001, um acidente com fogos de artifício matou uma pessoa e feriu 48. Com chuva e vento durante aquele Réveillon, estilhaços dos tubos de PVC dos fogos caíram sobre o público.
A partir de 2002, a pirotecnia na orla ficou proibida e os fogos passaram a ser detonados em balsas no mar, a pelo menos 300 metros de distância da areia. Oferendas seguem comuns em Copacabana. As giras se espalharam por outras praias.
