Estratégias Eleitorais e Processo de Personaliza??o

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Estrat?gias Eleitorais e Processo de Personaliza??o
 Eleições 2012 6/9/2012

Estratégias Eleitorais e Processo de Personalização

O processo de personalização da política contemporânea – evidenciada, por exemplo, na prevalência de campanhas eleitorais centradas na apresentação das supostas qualidades pessoais dos candidatos, em detrimento de argumentos ideológicos, partidários ou programáticos – constitui questão cada vez mais estudada em todo o mundo. Foi a partir de pesquisas acerca da incumbency advantage (hipótese que sugeria uma vantagem relativa do candidato que já está no cargo e concorre à reeleição) que o tema do "voto pessoal" ganhou grande destaque.

Nessas últimas semanas, quase a totalidade dos noticiários internacionais tratou das convenções dos partidos norte-americanos que ratificaram as candidaturas presidenciais de Mitt Romney, pelo Partido Republicano, e de Barack Obama, pelo Partido Democrata. Nas duas convenções, tiveram papel de destaque os discursos das esposas dos candidatos – ressaltando sempre as dimensões humanas de seus maridos.

Bons filhos, bons pais, bons esposos, boas pessoas: mais do que nas propostas políticas por eles vocalizadas, foi nessas supostas qualidades pessoais que grande parte do esforço narrativo das convenções norte-americanas concentrou-se. Processos similares ocorrem em democracias planeta afora, mesmo em países nos quais há longa tradição de consolidação ideológica do sistema partidário (só para ficar noutro exemplo recente, as personalidades de François Hollande e de Nicolas Sarkozy foram um dos grandes temas da última campanha presidencial francesa).

Numerosos trabalhos acadêmicos vêm demonstrando os efeitos desse fenômeno na política brasileira. Uma breve avaliação dos programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) da campanha municipal de Juiz de Fora oferece evidências bastante sólidas da extensão do processo de personalização. Só para ilustrar o fenômeno, detenhamo-nos nos programas exibidos na noite de 5 de setembro, por ordem de entrada no ar.

Bruno Siqueira, cujo programa foi dedicado ao debate sobre educação, trouxe a declaração de voto do ex-ministro Murilio Hingel – ao falar do legado de Itamar Franco, o professor observou que o ex-presidente "tratou Bruno como neto". Sintomática expressão: a aproximação do candidato e do ex-presidente não foi articulada a partir de questões políticas, mas pessoais (e com base em expressões relacionadas ao universo da família).

Custódio Mattos dedicou a maior parte do programa ao evento de lançamento de seu programa de governo, no qual a grande estrela foi o senador Aécio Neves. Até mesmo para apresentar as metas, a personalização esteve sempre presente (explícita ou subtextualmente). Aécio reiterou os problemas herdados por Custódio ao assumir e vaticinou: "você planejou o futuro" e "tem o respeito dos mineiros e brasileiros". A escolha da primeira pessoa do singular na frase e a reiterada apresentação do candidato como um "administrador eficiente" assumiram proeminência em relação às próprias propostas apresentadas ao longo do programa.

Victoria Mello e Laerte Braga foram exceções à tendência. Tanto a candidata do PSTU (ao discutir políticas de transporte público, centrou-se na proposta de estatização do setor) quanto o do PCB (cuja fala remetia à necessidade de reformular as estruturas de poder) não fizeram menções a si mesmos nos programas. Rumo oposto ao apresentado no programa de Marcos Paschoalin: ao repetir a afirmação de que governaria sem secretários, sugeriu aos eleitores que falassem "diretamente comigo quando não forem bem atendidos".

Mesmo no programa de Margarida Salomão – que, dentre as candidaturas que ocupam as primeiras posições nas pesquisas, é aquela que mais intensamente tem repetido menções a seu partido e ao programa partidário –, informações relativas a características pessoais tiveram destaque. No trecho dedicado à juventude, a candidata fez questão de afirmar, após a fala de um jovem, que "eu gosto de música, de rock, de flauta doce, de cavaquinho".

Vale ressaltar que relativizar a importância partidária na escolha do voto por parte do eleitor não tem por derivação lógica a eliminação do partido enquanto importante elemento no processo eleitoral brasileiro. Partidos são indispensáveis para qualquer cidadão que deseje se candidatar - visto que não há a figura do candidato sem partido no Brasil - e, por mais que se esqueça desse detalhe no diálogo cotidiano sobre a política, são os partidos também que apresentam a lista de candidatos entre os quais os eleitores podem optar. Há, portanto, uma definição prévia à arena eleitoral, que ocorre internamente em cada um dos partidos.

Uma das sugestões a justificar o peso do voto personalizado nos discursos e na visualidade das campanhas é a de que esse elemento é um dos poucos que podem ser minimamente controlados pelos próprios políticos. Os candidatos podem fazer pouco ou nada para alterarem as avaliações de seus eleitores sobre seu partido e líderes partidários, sobre a situação econômica etc. Mas eles podem modificar a imagem que possuem frente ao eleitorado, e o pouco que podem fazer nesse campo tem chance de ser mais relevante do que o muito que não podem modificar. Há algum problema intrínseco em trazer supostas características ou gostos pessoais a uma campanha? Não necessariamente. Eleições para prefeito, para governador ou para presidente são disputas para cargos uninominais – nas quais é impossível dissociar completamente a figura humana que pleiteia o voto das ideias que são vocalizadas por seu partido.

Mas até que ponto a ênfase na primeira dimensão obscurece a segunda? É na tênue linha que separa a oferta de uma informação pessoal relevante, por um lado, do subterfúgio que afasta a discussão das propostas políticas, por outro, que o eleitorado deve estar atento. A política é feita por pessoas, mas não apenas por pessoas: obliterar o esforço coletivo e institucional necessário para resolver problemas públicos é, com frequência, um modo de não os resolver de fato.

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Paulo Roberto Figueira Leal (professor da UFJF; doutor em Ciência Política pelo Iuperj) e Vinícius Werneck Barbosa Diniz (doutorando em Ciência Política pelo Iesp-Uerj)