Aborto legal: Advogada Paula Assumpção fala sobre casos pol?micos que circulam na internet

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Aborto legal: Advogada Paula Assump??o fala sobre casos pol?micos que circulam na internet

Dois casos de violência geraram ampla repercussão ao longo dessa semana. O primeiro é de uma menina de 11 anos vítima de estupro, que conseguiu ter acesso à interrupção legal da gestação, após a negação do procedimento pelo serviço de saúde. No segundo caso, o estupro foi relatado pela atriz Klara Castanho, em uma carta aberta divulgada por ela, depois que a violência e a decisão de entrega da criança para a adoção, procedimento que envolve sigilo, foi exposta pela mídia.  

Como esses assuntos estiveram entre os mais comentados, o que levantou uma série de dúvidas e a circulação de informações imprecisas, a ACESSA.com entrevistou a advogada, professora e colunista do Portal Paula Assumpção.

ACESSA.com: Quais foram os principais pontos de dúvidas que esses casos provocaram?

Paula Assumpção: É importante que, quando a gente converse sobre o aborto ou sobre violência sexual no Brasil, que a gente tire das nossas mentes a imagem de que a mulher é a culpada daquela relação não consentida. Porque toda vez que uma mulher, menina ou jovem fazem o pedido pelo aborto, seja por conta de uma gestação comprometida ou, até mesmo, no caso de entregar a criança para a adoção, automaticamente as pessoas já vêm naquela vítima a monstruosidade de uma mãe que não quer um filho. Enxergam uma assassina, uma pessoa que não ama uma criança, uma pessoa insensível. Mas antes de tudo, é importante lembrar que estamos falando de uma vítima de violência, de uma relação sexual não consentida.

ACESSA.com: Quais foram os componentes que despertaram todo esse debate? Quais são os casos em que o aborto é legal?

Paula Assumpção: A polêmica envolve a exposição que a atriz não queria de uma decisão muito particular dela. De um caso de violência sexual, que é o estupro, é uma questão particular de cada uma, que é levar a gestação até o final ou não e o direito de entregar a criança para adoção. Um primeiro ponto importante é que, no Brasil, existe a possibilidade de que a gestação ser proveniente  de uma relação não consentida ou de violência sexual, não precise ser necessariamente levada até o fim. Uma vez constatada a violência sexual, a mulher pode pedir autorização aos órgãos públicos e do hospital a exceção legal para retirar a criança. Dificilmente a mulher conseguirá administrar as emoções de ter sido violentada e isso vai refletir tanto na gestação, na saúde do bebê e na criação que aquela mulher vai dar à criança, quando ela nascer. Então é um direito previsto no Código Penal. Nos casos em que há risco de morte para a mãe, também existe na legislação a previsão de que seja feito o aborto. Se a mulher não quiser ficar com aquela criança, ela pode pedir o aborto em casos específicos de violência. É importante ressaltar que a entrega voluntária para a adoção se dá nos casos em que a mulher decide levar a gestação até o final. Seja por conta de suas questões religiosas, por conta de suas próprias crenças, seja em função da criança estar em um estado de amadurecimento fetal mais avançado. Questões particulares que a fazem preferir levar a gestação até o final, para entregar a criança para um outro lar cuidar.

ACESSA.com: Mas a entrega de uma criança para a adoção não está restrita aos casos de violência, correto?

Paula Assumpção: A entrega voluntária para a adoção não é só para os casos de violência sexual. Se a mulher tem uma gravidez não desejada, ou não planejada, ela pode também comunicar essa decisão no hospital, ou em um outro centro de referência. Ela vai informar que não tem interesse em ficar com a criança, para que a partir disso, a criança seja colocada à disposição no Cadastro Nacional de Adoção, para famílias que querem adotar. Depois disso, a criança pode ser levada para um lar provisório, ou ser entregue a outros parentes e, até mesmo, ser encaminhada para uma família substituta, que no futuro, com uma boa adaptação, vai adotar aquela criança.

ACESSA.com: O que é importante assegurar para que mulheres e meninas possam tomar uma decisão tão importante?

Paula Assumpção: O ponto mais importante da entrega voluntária para a adoção é o sigilo e o apoio psicológico para a mulher. Ela passa por várias entrevistas, com psicólogo, com assistente social, onde ela conversa sobre aquela gestação, sobre aquela criança, a gravidez e as consequências, sobre como vai ser o futuro dela após o nascimento daquela criança. Se realmente for constatado que ela não quer ficar, a criança vai ser encaminhada para uma adoção, para uma família substituta ou um lar provisório. Fica resguardado o sigilo da mulher e da criança. Da mulher, para que ela não seja exposta como uma pessoa insensível, que não quis ficar com a criança. Para a criança, pelo mesmo motivo, para que ela não fique com essa marca de que foi entregue. Na verdade, a gente precisa conversar sobre isso. Entregar voluntariamente para a adoção, na medida das suas limitações, também é um ato de cuidado e de amor. É a mulher admitir que não tem condições de dar uma criação àquela criança, sejam elas psicológicas, financeiras, emocionais ou estruturais. Ela vai entregar a criança para uma pessoa que possa ficar e possa dar a ela uma condição melhor de vida. É importante conversarmos sobre isso, para vencer esse preconceito, para saber que existe uma equipe multidisciplinar envolvida. Não é o abandono da criança, é o contrário. A adoção é o procedimento certo e não o abandono puro e simplesmente, diante uma casa, em sacos de lixo, na frente de igrejas, como vemos em notícias nos jornais.

ACESSA.com: Na última terça-feira (28) tivemos uma audiência pública a respeito do manual do aborto, do Ministério da Saúde. Quais mudanças podem ocorrer na forma como esses procedimentos acontecem no Brasil e o que elas representam?

Paula Assumpção: Reuniões como tivemos, que podem mudar os procedimentos em relação ao manual do aborto precisam levar em consideração a saúde física e mental da mulher, da criança, se elas correm risco. Não adianta forçar uma família onde ela não foi constituída pela vontade, onde há uma mácula de violência, a marca da agressão, porque futuramente essa mãe vai ter dificuldade de nutrir carinho, cuidado, respeito e responsabilidade em relação àquela criança. Aí sim temos o abandono afetivo, sentimental e outros problemas psicológicos que podem afetar tanto a mãe, quanto uma criança e será muito pior.

Então, é importante não levar a discussão para o lado da religiosidade, para o lado das nossas bandeiras pessoais. Não é como eu faria e sim como o Estado vai agir quando uma vítima o procura, como a polícia vai agir, como a saúde pública vai agir. Garantir o segredo, o sigilo, o respeito, o acolhimento é o que tem que ficar de casos tão terríveis, que o Brasil tomou conhecimento na última semana. Uma criança precisou estar exposta na mídia para conseguir tirar aquela gestação e uma jovem, que decidiu levar a gestação, mas optou pela adoção, ambas foram igualmente culpabilizadas por serem vítimas de violência, por pedirem algo que está previsto na Lei. Pedindo ao Estado o que elas têm direito.

Precisamos conversar mais sobre o assunto, tirar algo de positivo desses casos. O que tem de positivo é que as pessoas estão conversando sobre, refletindo e pensando: ‘poderia ser minha filha’, ‘minha sobrinha de 11 anos’, ‘minha irmã de 21 anos’. O que fazemos com esse tipo de crime, quando ele está no nosso quintal? Quando está lá fora, distante, é uma coisa. Quando está perto é diferente. Temos que refletir porque a justiça não pode escolher apoiar uns, assessorar uns e abandonar outros.