O Museu da Loucura traz a reden??o
do sofrimento e da exclus?o

* Por Ana Cristina Audebert

Neste domingo o calend?rio nos assinala uma agrad?vel surpresa; uma feliz coincid?ncia chama a aten??o para o fato de que no dia 18 de maio se comemora o Dia Internacional dos Museus e ? tamb?m o dia escolhido para se comemorar o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial.

Temos na nossa regi?o, na cidade de Barbacena, um museu muito especial onde podemos exercitar nosso olhar e relacionar alguns aspectos comuns tanto aos museus quanto ? luta antimanicomial: o Museu da Loucura.

Quem ainda acha que museu ? um lugar onde se guarda coisas velhas, lugar onde o tempo est? congelado, precisa conhecer o Museu da Loucura. Pois ? certo que o museu ? um lugar de mem?ria mas a mem?ria - ao contr?rio do que poder?amos sup?r num primeiro momento ? se est? ligada ao passado, s? encontra sentido quando relacionada ao presente. ? atrav?s dela que as nossas experi?ncias adquirem sentido. ? tamb?m atrav?s dela que podemos fazer projetos para o futuro.

O museu ? principal guardi?o da mem?ria social no mundo contempor?neo ? constitui-se em espa?o privilegiado para refletirmos sobre o passado, o presente e o futuro.

Mas se o museu celebra a mem?ria, ele tamb?m celebra o esquecimento pois a mem?ria, sabemos, n?o ? algo totalizante. A mem?ria ? seletiva e por isso ? t?o importante que numa visita a um museu, o visitante fique atento para perceber o que ? comemorado, lembrado, mas tamb?m o que ? silenciado, esquecido.

Essa rela??o complexa entre mem?ria e esquecimento ? algo que est? presente em todos os museus. Numa visita ao museu, o visitante pode e deve sair com d?vidas que ele n?o tinha.

O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial existe no Brasil desde 1987 reunindo profissionais de diversas ?reas interessados em pesquisar e tratar transtornos de s?ude mental. As primeiras manifesta?es se fizeram sentir ainda na d?cada de 70 como uma cr?tica ao modelo assistencial centrado no hospital psqui?trico e trouxeram ? tona as quest?es relativas ? exclus?o da loucura em nossa sociedade. Inspirado na experi?ncia italiana de desinstitucionaliza??o psqui?trica a partir do trabalho de Franco Basaglia e tendo como interlocutor Michel Foucault (1926-1984), o movimento, de car?ter social, buscou no in?cio uma humaniza??o do hospital psqui?trico atrav?s da complementa??o deste modelo com ambulat?rios, hospitais-dia, etc;

Entretanto reflex?es e pr?ticas acabaram por mostrar que a exist?ncia mesma do hospital psqui?trico encontrava-se indissociavelmente atrelada a uma concep??o excludente da loucura: o mito da periculosidade dos loucos assim como o da sua incapacidade.

Uma grande vit?ria nesta luta aconteceu em 2001 quando o Senado aprovou o Projeto de Lei n? 10.216 de autoria do deputado Paulo Delgado (PT/MG) que prev? a extin??o progressiva dos manic?mios.

Ora, sabemos que a sociedade atual ? levada por uma l?gica capitalista e excludente. Segundo esta l?gica ? segregado e exclu?do todo indiv?duo que lhe quebra o padr?o ou denuncia, atrav?s de sua a??o ou rea??o, as suas contradi?es. Este ? muitas vezes o caso do doente mental pois sua doen?a o torna um improdutivo social e econ?mico. Nesta l?gica que forja a diferen?a como sendo uma coisa ruim, exclui-se e segrega-se tamb?m o doente mental devido ? sua n?o participa??o ativa e direta no modelo econ?mico.

O Movimento Nacional Da Luta Antimanicomial trabalha por uma dimens?o social mais aberta e coletiva de se conceber e tratar a doen?a mental buscando assegurar os direitos civis, pol?ticos e sociais dos que sofrem com transtorno mental. O movimento, amparado por esta dimens?o social, entende que a produ??o da loucura que aparece em alguns n?o pode ser observada por um processo interno apenas, como se fosse algo que o indiv?duo, e s? ele, carrega nos ombros, isolado do contexto em que foi produzido.

? justamente esta dimens?o social da loucura, trazida ? tona pelo Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, que nos permite sua aproxima??o com os museus de modo geral pois ambos buscam ressaltar a import?ncia de uma consci?ncia social onde a troca de experi?ncias e a valoriza??o das diferen?as s?o ressaltadas como aspectos fundamentais para a constitui??o das identidades, sejam elas coletivas ou individuais.

Neste sentido o Museu da Loucura cumpre uma fun??o social que merece ser destacada pois reaviva um cap?tulo da hist?ria da psiquiatria brasileira que esbarra na dimens?o desumana, algo que o conhecimento especializado pode traduzir quando n?o orientado por uma pr?tica de inclus?o social e de constru??o da cidadania.

Inaugurado em agosto de 1996, o Museu da Loucura ? parte integrante de um plano de resgate da mem?ria hist?rica de Barbacena, atrav?s do projeto Mem?ria Viva desenvolvido pela Funda??o Municipal de Cultura de Barbacena ? FUNDAC e financiado com recursos da Prefeitura Municipal de Barbacena.

Localizado no Torre?o do antigo Hospital Col?nia, hoje totalmente restaurado e adaptado para finalidades culturais, o Museu conta uma hist?ria de quase um s?culo de sofrimento e exclus?o. Estima-se que naquele local morreram mais de 60 mil pessoas, entre homens e mulheres, v?timas do agravo de superlota??o, abandono e descaso...

Circulando pelas cinco salas do Museu o visitante poder? observar objetos, documentos, fotografias, sons e imagens percorrendo uma trajet?ria dif?cil, dolorosa, sem atalhos onde poder? compreender melhor os caminhos e os descaminhos do tratamento psqui?trico estabelecido em Minas Gerais desde 1900 quando foi criada, pelo Governo Francisco Sales, a Assist?ncia aos Alienados em nosso Estado.

Alguns talvez, ao final da visita, saiam com falta de f?lego. Mas quem sabe n?o saiam, tamb?m, felizes ao perceberem que aquele passado t?o doloroso ser? sempre lembrado como parte de uma estrat?gia, um esfor?o para que nunca mais se repita. E que ele, o visitante, agora sabe que faz parte desta hist?ria e da sua responsabilidade no tempo presente e futuro.

Servi?o: Museu da Loucura. Rodovia MG 265 Km 5. Barbacena. (32) 3332 1477. Hor?rio: Segunda a sexta de 8h ?s 12h e das 13h ?s 18h.

* Muse?loga. Mestranda em Hist?ria da Cultura, PUC/RJ.
Agrade?o ao ex-professor e amigo M?rio Chagas pela sugest?o deste artigo.