Especialistas discutem preservação do patrimínio em JF

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Especialistas discutem preservação do patrimônio em JFDemolição de casarão na rua Delfim Moreira sinalizou as dificuldades que o poder público tem para preservar os imóveis tombados da cidade

Guilherme Arêas
Repórter
25/05/2009

A demolição de uma casa na esquina da rua Delfim Moreira e avenida Rio Branco, no início do mês, levantou a discussão sobre a preservação do patrimônio cultural de Juiz de Fora. O casarão, construído na década de 1940 e único exemplar residencial da arquitetura art déco Marajoara na cidade, teve iniciado o seu processo de tombamento e, por isso, não poderia sofrer qualquer intervenção antes da decisão final. Este foi o segundo caso de intervenção irregular este ano. O primeiro, a remoção de uma parede do prédio da Associação Comercial, ligou o sinal de alerta das autoridades responsáveis pela preservação dos prédios tombados na cidade.

Para os especialistas, uma punição exemplar seria o caminho para impor o cumprimento da lei. No caso de intervenções irregulares em um imóvel tombado, a penalidade pode chegar a multas que correspondem à metade do valor venal da edificação. Além disso, após uma demolição irregular, caso o proprietário queira realizar outra construção no local, a obra pode ficar obrigada a se limitar ao espaço original da edificação.

No caso do antigo casarão da rua Delfim Moreira, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) deve entrar com uma ação no Ministério Público Estadual ainda esta semana. Cinco organizações da sociedade civil que defendem a preservação do patrimônio histórico também já se mobilizaram para exigir a apuração do fato. Este é o primeiro caso de demolição irregular de um bem em processo de tombamento na cidade.

O diretor de patrimônio do núcleo juizforano do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-JF), Marcos Olender (vídeo acima), acredita que a demolição da casa é um fato grave, mas considera que os dois momentos de agressão ao patrimônio neste ano foram casos isolados. "Ao mesmo tempo em que os órgãos ligados à preservação se desenvolveram, no último ano nós tivemos um retrocesso pelas ações de enfrentamento da política de preservação do patrimônio. Ainda temos muito o que fazer, mas há um desenvolvimento e uma preocupação constante com a própria revisão das leis."

Desde 2004, os tombamentos de bens históricos de Juiz de Fora são fundamentados nas leis 10.777 e 11.000. Ao todo, são 161 imóveis incluídos na lei de proteção, que, além de conceder benefícios fiscais, impõe restrições quanto à modificação do bem. Para que um imóvel seja demolido, mesmo que não esteja tombado, a ação deve ser autorizada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Compac).

Já para ser tombado, conforme explica o diretor de Divisão de Patrimônio Cultural da Funalfa, Paulo Gawryszewski, o processo dura, no mínimo, três meses. Após uma instrução que indica o patrimônio a ser tombado, o proprietário do imóvel é comunicado e tem até 30 dias para pedir a impugnação do processo. Na etapa seguinte, o relator do caso leva um parecer aos membros do Compac. Caso seja aprovado o pedido de tombamento, o proprietário tem 30 dias para pedir uma nova impugnação do processo. Após passar por todos os trâmites, o projeto segue para a sanção do prefeito.

Para o presidente da IAB-JF, há um equívoco em se pensar o tombamento como prejudicial para o proprietário do imóvel. As leis de incentivos e as linhas de financiamentos a juros reduzidos da Caixa Econômica Federal para a reforma de imóveis tombados podem ser um bom negócio para quem tem um bem desse tipo. "Ter um casarão tombado é uma chancela que o proprietário tem para usar vários instrumentos que ele não teria se o imóvel não o fosse. Essa confusão é mais falta de informação."

 
Símbolos perdidos

Apesar da quantidade de imóveis tombados, nem todas as construções que contaram a história de Juiz de Fora e resistiram ao tempo ganharam a possibilidade de serem preservadas. Raro exemplar da arquitetura modernista na cidade, o prédio do antigo colégio Magister foi o símbolo de uma política que não agradou boa parte da população. Com a demolição, em 2005, o município perdeu mais uma obra do arquiteto Arthur Arcuri, considerado um dos maiores expoentes da arquitetura modernista em Juiz de Fora e no país.

Imóvel que ainda gera polêmica sobre sua conservação e o destino que terá caso não seja tombado, o Cine Excelsior também perdeu um vizinho importante, um chalé normando, que compunha a visão da principal avenida de Juiz de Fora. "Do ponto de vista da cultura, a população sentiu as perdas. O chalé normando era um dos poucos exemplares de uma saudosa avenida Rio Branco povoada por esses casarões. Era um local de residências de porte, escritas nas Memórias de Pedro Nava, uma testemunha de uma época importante da cidade", apregoa Marcos Olender.

Um exemplo de patrimônio que se mantém de pé, mas ainda gera polêmica na população sobre a preservação, o Villa Iracema é destaque no cenário da rua Espírito Santo. O solar construído em 1914 foi a primeira residência em Juiz de Fora a contar com uma piscina desde sua construção. Hoje, o imóvel exibe no seu interior as marcas do abandono. Uma decisão judicial determinou que o imóvel fosse restaurado, mas o projeto ainda está em tramitação no Compac. O Instituto Oncológico/Hospital 9 de Julho, proprietário do imóvel, informou que o local será transformado em um centro de estudos, mas não deu detalhes sobre o início das obras de restauração.

Há dez anos desenvolvendo um projeto de análise do patrimônio cultural de Juiz de Fora, o artista plástico Ricardo Cristofaro lamenta haver pouco o que se fazer para a recuperação da memória arquitetônica da cidade. "Quando Juiz de Fora ainda possuía um patrimônio muito grande, nas décadas de 60 e 70, não existia uma política pública voltada ao tombamento. O grande patrimônio da cidade já foi perdido quando as pessoas não discutiam esse tema. Agora, a luta se acirrou porque são poucos os exemplares que restaram dessa arquitetura do século XIX e XX. O foco agora deve ser a preservação desses pequenos nichos."

Para o artista plástico, a cidade já perdeu 70% do seu grande centro urbano do século XIX e XX. "Os bairros São Mateus e Granbery eram famosos pelas residências, mas hoje estão completamente descaracterizados", analisa. Ele acredita que o esforço na preservação dos bens já tombados poderia se concentrar em uma política mais agressiva nos benefícios e na vigilância dos patrimônios.

"Os benefícios que a Prefeitura pode dar, como a isenção do IPTU, ainda é pouco. A saída natural quando o proprietário não quer mais o imóvel, talvez seria reocupá-lo com outra coisa. Um comércio que quisesse se instalar nesses locais, por exemplo, poderia ter outros benefícios", sugere.


Desenvolvimento x preservação

Símbolo de uma arquitetura histórica que terá boa parte da memória apenas em registros fotográficos, a avenida Rio Branco é o exemplo máximo de como o antigo e o novo ainda são vítimas de uma convivência pouco pacífica em Juiz de Fora. Diversos casarões se reduziram a pó para darem espaço a estacionamentos e prédios modernos.

Para os que defendem a manutenção dos prédios antigos, a questão ultrapassa o simples pensar cultural. "Algumas pessoas atacam a preservação do patrimônio, dizendo que ela prejudica o progresso. Acredito que a preservação não só o estimula, mas ajuda em um processo saudável. Imagine se esses casarões que restam no Centro da cidade forem demolidos e construídas novas edificações. Você acha que Juiz de Fora comporta isso?", questiona Marcos Olender.

A resposta, o próprio presidente da IAB-JF sugere: "Continuar as construções na região central é piorar um caos que já existe." O artista plástico Ricardo Cristofaro concorda. Para ele, a particularidade de Juiz de Fora convergir o centro comercial no centro geográfico é o símbolo da luta entre a memória cultural e a contemporaneidade.

"É uma utopia pensar que a cidade poderia ser totalmente preservada, como Ouro Preto e Tiradentes. Mas acho que podemos preservar camadas dessa história, como ocorre na Europa. Em Roma, por exemplo, você tem camadas de uma cidade etrusca, romana, barroca, renascentista e também uma cidade moderna. Juiz de Fora não conseguiu conviver com essas camadas de tempo. A especulação imobiliária faz com que a história visível se perca e fique registrada apenas na literatura, na pintura e nas fotografias", conclui.

Os textos são revisados por Madalena Fernandes

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