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Temer Sarney ou Temer Itamar?

Cláudio de Oliveira - Setembro 2016
 

Publiquei uma charge na edição do jornal Agora São Paulo de 16/04/2016, véspera da votação na Câmara que iniciou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Numa primeira leitura, a charge especulava que Michel Temer talvez fosse mais um vice a assumir a Presidência da República. Mas uma outra questão já se colocava: qual seria o caráter de um governo Temer?

Certamente, um curto governo de transição como foi o de Itamar Franco (1992-1994). Mas qual poderia ser o conteúdo do seu governo? Mais para o conservadorismo, como o longo governo José Sarney (1985-1990)? Ou mais para o progressismo, como o de Itamar?

O governo Sarney

Sarney assumiu antes da posse de Tancredo Neves na Presidência. Tancredo morreu após derrotar o candidato da ditadura, Paulo Maluf, e encerrar o ciclo autoritário (1964-1985).

Sarney foi um político da conservadora UDN e durante o período militar foi um dos líderes do partido governista, a Arena, depois PDS. Em 1984, entrou para o PMDB para compor a chapa de Tancredo, num acordo com a dissidência do PDS, que se tornou o PFL, hoje DEM.

Tancredo foi um liberal-democrata que, juntamente com Ulysses Guimarães, liderou a resistência democrática ao regime ditatorial. Para derrotar Maluf na eleição indireta, Tancredo teve o apoio do seu partido, o PMDB, então um partido-frente que abrigava liberais, social-democratas, socialistas e comunistas. O PCB, hoje PPS, o PSB e o PCdoB só foram legalizados após o fim do regime. Tancredo também contou com o apoio do PDT de Brizola, mas não do PT, que não participou da votação no chamado Colégio Eleitoral.

Sarney contra Ulysses

Sarney começou o seu governo com um ministério de perfil de centro-esquerda deixado por Tancredo. Porém, foi incapaz de resolver a crise econômica herdada do governo do general Figueiredo. O Plano Cruzado fracassou, bem como as tentativas seguintes de domar a inflação.

Para agravar a crise, Sarney entrou em conflito com a maioria do PMDB liderada por Ulysses, presidente do PMDB, da Câmara e da Constituinte, esta instalada em 1987 para escrever a nova Constituição do país.

Apesar de ter sido eleito com um compromisso para um mandato de 4 anos, Sarney articulou para ficar 5 anos, com base na Constituição autoritária de 1967. Ulysses queria os 4 anos e era simpático ao parlamentarismo.

Na Constituinte, Sarney apoiou o "Centrão", grupo de parlamentares conservadores liderado pelo deputado Roberto Cardoso Alves (PTB), contra o bloco progressista, comandado por Ulysses, que reunia o centro, a centro-esquerda e a esquerda, à exceção do PT.

Os progressistas conseguiram muitas vitórias na Constituinte, especialmente no estabelecimento dos direitos sociais e no capítulo da ordem econômica, que preservou o setor estatal e prestigiou a empresa nacional.

Mas os progressistas foram derrotados quanto ao sistema de governo, que permaneceu presidencialista, e à duração do mandato de Sarney, que ficou em 5 anos. Tais fatos ensejaram que, entre outros motivos, uma ala progressista do PMDB deixasse o partido e fundasse o PSDB em 1988.

O PT se opôs a Sarney, mas votou contra o parlamentarismo e contra a Constituição, por considerá-la "reacionária".

Sarney perdeu o apoio de alas importantes do PMDB, da centro-esquerda e de setores de esquerda. Sem força política, foi incapaz de vencer a crise econômica e social. Mesmo que tenha garantido a transição democrática, entregou o país com uma das mais altas taxas de inflação da história.

Nesse quadro de crise, o vencedor da primeira eleição presidencial direta, em 1989, foi um candidato conservador, Fernando Collor.

O governo Itamar

Com o impeachment de Collor, Itamar montou um governo de perfil de centro-esquerda, com base nas forças políticas que fizeram parte do bloco progressista de Ulysses na Constituinte.

Ele tentou agregar o PT a esse bloco, mas o partido negou-se a participar do governo e afastou a ex-prefeita de São Paulo, Luíza Erundina, que havia aceitado chefiar o Ministério da Administração em caráter pessoal.

Assim, o eixo da coalizão de Itamar girava em torno do PMDB ulyssista, o PSDB, o PSB, o PPS e o PDT. E contava também com o apoio de outros partidos, como alas do PFL e do PTB não ligadas a Collor.

Classificando o seu governo de "parlamentarista informal", Itamar não só bem negociou as medidas de ajuste do Plano Real com o Congresso, como também dialogou com a sociedade civil sem instrumentalizá-la, ao acolher, por exemplo, o sociólogo Betinho e sua campanha de combate à fome. Itamar lançou bases de muitas políticas sociais posteriores.

Itamar iniciou a derrubada da inflação (chegou a 2.477%, em 1993!) e a retomada do crescimento. Desde a promulgação da Constituição de 1998, foi no seu curto mandato que a economia mais cresceu. A média de crescimento do PIB nos dois governos FHC foi de 2,4%; nos dois períodos de Lula, de 4%; nos dois mandatos de Dilma, -0,8%. Apesar de ter recebido o país em piores condições do que seus sucessores, Itamar conseguiu uma média de crescimento de 5,37%.

Assim, me pergunto: o governo Temer será mais parecido com o governo Sarney ou com o governo Itamar? O tempo dirá.

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Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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