Juliano Nery Juliano Nery 8/10/2010

Um passinho à frente, por favor

Ônibus cheioEntrar em um ônibus na avenida Rio Branco depois das 17h tem se tornado uma das mais árduas tarefas. E não é só pelo risco de pegar uma catapora que, com a mudança de estação, torna-se ainda mais iminente. Andar de ônibus neste horário, independentemente do lado em que a roleta estiver instalada, é ter a sensação de ter entrado por uma porta que, se não existe em realidade, pulsa firme na metáfora: a dos fundos. E o que é pior, com uma fila pra lá de enorme. Ah, e antes que eu me esqueça, "um passinho à frente, por favor"...

"Um passinho à frente, por favor", é o que costumam dizer aqueles funcionários que compõem a equipe de viagem, os cobradores. Estão ali para zelar pelo caixa, fazer o troco, bater com a moedinha no metal para o motorista fechar a porta e, destaque, ter um incrível senso de ocupação de espaços. Acredito que tenham sido incansavelmente treinados para que, tal qual coração de mãe, sempre fazer caber mais um no baú. Não adianta reclamar. Eles sempre enxergarão uma gretinha não habitada entre uma pessoa e outra ou um folgado que queira ficar com os joelhos afastados, impedindo a colocação de mais cinco pessoas. O ônibus não sairá enquanto eles não tiverem a certeza de que não falta mais ninguém até o próximo ponto. "Mas vai entrar mais gente?", perguntará algum desavisado, ao que receberá apenas um sorriso triunfante do cobrador.

Nem pense em ficar irritado. Pelo tempo que você deve passar lá dentro, pode até provocar uma úlcera. Fique atento, apenas aos parâmetros de atividades correspondentes aos objetivos traçados antes de entrar no ônibus. Se a missão, por exemplo, for assistir à novela das seis, almeje pegar o terceiro bloco do folhetim das sete. Se o caso for dar banho nas crianças, deixe a incumbência por escrito para a babá, que já deve ter deixado os seus filhos na vizinha, quando você chegar. Se for levar a mortadela para rechear os pães do lanche de casa, é melhor se prevenir com os bifes para o jantar. Não faça cara feia porque a sacola do iogurte está mais quente do que se estivesse saído de um forno em temperatura máxima. Aproveite para tomá-lo antes de azedar. A viagem vai ser longa e lenta. E não menos emocionante. Tomara que ninguém tenha trazido um bolo salgado na bolsa...

Caso você se concentre nas histórias de vida, terá tempo para observar a riqueza do ser humano e concluir que, mais do que nunca, estamos todos no mesmo barco e valendo os mesmos R$ 1,80 da passagem. Talvez por essa tão baixa cotação, as empresas optem pela superlotação de nossos coletivos. Tem que andar muita gente, para que o numerário seja representativo. E quando digo muita gente, vale apertar, espremer, prensar e até empilhar. Por vezes, a sensação é de se estar flutuando. Ledo engano. Somente os seus pés estavam fora do chão, por conta de uma topada de um usuário que desejava descer no próximo ponto. Fazer o quê? – Coisas que acontecem... Mas aproveite o longo intervalo do itinerário para fazer novas amizades, estabelecer comentários pejorativos sobre as pessoas e até reclamar dos serviços de transporte de Juiz de Fora. Com o número de pessoas lá dentro, dá até para fazer uma mobilização de parar o trânsito. Se bem que não há muita necessidade, já que o trânsito está paralisado por máquinas maiores do que o pobre 'busão', ali perto, na mesma área central...

Tente ver o lado bom da coisa: temos a passagem mais barata do Brasil e os motoristas com os nomes mais criativos do mundo. Basta olhar a plaquinha que fica lá na frente, uma das poucas coisas não impedidas no campo visual. Proteja-se dos tarados que ficam à solta em coletivos lotados e murche a barriga. Só não elimine gases. E, caso não tenha tido ainda catapora, vacine-se. Isso dentro de ônibus cheio, contamina que é uma beleza.



Juliano Nery é usuário de transporte coletivo desde criancinha. "Maycon Firmino" foi o nome mais bacana que já viu em plaquinhas de ônibus.