Paulo César Paulo César 19/5/2012

Um belo espetáculo mudo e preto e branco no vencedor do Oscar, O Artista

Pensar em um filme preto e branco nos dias atuais é, no mínimo, um exercício de coragem, já que o 3D é uma realidade que avança a passos largos para o domínio da indústria cinematográfica. Agora, além de sem cor, o longa ser mudo, como nos primórdios do cinema, aí é uma ousadia fora do comum. Para conseguir triunfar sob essas condições, só mesmo mostrando um conhecimento muito grande a respeito da sétima arte. E foi estudando seus primeiros passos que o francês Michel Hazanavicius escreveu e dirigiu O Artista, uma aula de cinema formidável, metalinguístico e exuberante, que prova que há espaço para a arte na era digital.

Muitos até dizem, erroneamente, que o filme é uma versão dramática e muda de Cantando na Chuva, extraordinário musical de Gene Kelly, que mostrava o "estrago" que o som causou quando chegou às telonas. Entretanto, o tom irônico e rítmico em que o tema foi tratado, contrasta com o drama melancólico, apesar de sutil, que conduz a produção franco-americana. E, ao contrário dos personagens do longa de 1952, o protagonista não é refém da mudança, e sim um resistente, já que nem tenta se adaptar à nova era.

A construção do roteiro apresenta uma articulação cinematográfica de vanguarda inteligente, especialmente quando monta as imagens de maneira metafóricas, assim como Serguei Einsestein o fizera na revolução do cinema russo da década de 20. E isso se fez muito importante para que a mensagem tivesse efeito sob o público. Além disso, a forma como acerta na caracterização do tempo-lugar mostra que pesquisou muito para mostrar a efervescência da Hollywood da década de 20, com as orquestras que sonorizavam as salas de cinema e, claro, todo o glamour que cercava as estrelas dos grandes estúdios.

Para construir seus protagonistas, Hazanavicius criou verossimilhanças como mitos da época. O seu George Valentin é inspirado em vários deles, dos quais Rodolfo Valentino, o primeiro grande galã, tem referências nos trejeitos e até no nome. Já Peppy Miller é uma mistura da musa do mudo Clarence Badger, com deusas da era do início do som, como Joan Crawford e Claudette Colbert (essa pelo lado cômico de filmes como Aconteceu Naquela Noite).

Os atores do filme mostram uma personalidade e talento incrível para conduzir seus personagens, já que teriam de construir uma linha tênue entre a simulação e a interpretação. Berenice Bejo se mostra versátil para viver as duas versões de Miller, mas mantendo o carisma e a sensibilidade. Porém, o filme é de Jean Dujardin, o francês é gigante em cena. É brilhante como o exagerado e galanteador no auge da carreira, e mais ainda como o melancólico decadente, que sente na pele o ostracismo de sua era. Para completar, os números de sapateado com sua parceira de cena tornam sua interpretação uma das mais completas que o cinema já viu, devidamente premiado com o Oscar.

Uma obra completa e nostálgica, um estudo meticuloso da arte cinematográfica e mostra que há muito o que se explorar das técnicas atuais, além de seu potencial para pirotecnias. Ousado na forma da concepção e brilhante no roteiro, venceu, com mérito, cinco categorias do Oscar (filme, diretor, ator, direção de arte e trilha sonora) das dez que disputou. Talvez seja apreciado por poucos, mas será cultuado por quem sonha um dia ver nas telas uma presença maior do cinema artístico.


Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.

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