Oscar 2019 e o 1º favorito: Green Book - O Guia

Victor Bitarello Victor Bitarello 14/02/2019

Em 2017, no intuito de corrigir o absurdo cometido em 2016 - a total exclusão negra da premiação - a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas decidiu premiar "Moonlight - Sob a luz do luar" com o prêmio de melhor filme. Apesar de ter um roteiro forte e muito necessário de ser visto, o longa não apresenta, ao menos no meu ponto de vista, as características a serem observadas para se receber a estatueta, em especial aquilo que, aqui, eu vou definir por carisma.

Então, chega 2019, e este filmão, "Green Book - O Guia" corre o risco de não ser consagrado pela Academia, pelo fato dela já estar com a consciência "tranquila". "Green Book" tem a vantagem, enorme diga-se, de ser, além de cinematograficamente muito bem construído e trabalhado, um grande show! Show mesmo, haja vista começar assim, e contar com vários momentos de apresentação do pianista interpretado por Mahershala Ali, que me fizeram ficar boquiaberto.

A frase a seguir faz muito sentido para mim: o filme é feito para o público. Cinema, para este humilde colunista, é isso, seja de que tipo for. Para o público. Não para quem faz. E, se tiver qualidade, merece elogios. De preferência muitos!

"Green Book - O Guia" conta a história real do início da relação de amizade entre o motorista e segurança Tony Vallelonga (ou Tony Lip) e o pianista Don Shirley. Conhecido por ser um segurança de clubes noturnos com alta capacidade de apartar conflitos, Tony é contratado por Don para uma turnê de dois meses no sul americano no ano de 1962. Don tinha ciência, de que o fato de ser um homem negro, naquela região do país, implicaria na necessidade de proteção. O filme abarca o espaço temporal do início ao fim da turnê, a qual tem por data de encerramento um concerto de Natal.

Eu faço muita questão de não contar o significado do termo "Green Book", e torço para que as pessoas que venham a assistir ao filme não pesquisem antes, para que possam experimentar o mesmo sentimento de repugnância que eu senti diante daquilo. É algo pavoroso. Como coisas assim aconteceram num país supostamente tão evoluído?

Vamos lá. Considerando a proposta desta coluna, começo.

"Green Book - O Guia" foi indicado às seguintes categorias para o Oscar 2019: melhor filme, melhor ator principal para Viggo Mortensen, melhor ator coadjuvante para Mahershala Ali, melhor roteiro original e melhor edição. Quanto a esta, evitarei explanar por total inaptidão para tanto.

Melhor ator. Eu não gosto muito quando um ator fica extremamente transformado para fazer um personagem. Sei que em muitas vezes é inevitável, mas, mesmo assim, me parece um pouco injusta uma vitória sobre outro que usou somente uma maquiagem ou um pouco mais que isso. E, somada à minha implicância, eu, honestamente, estou torcendo contra Christian Bale, que, assim como o vencedor do ano passado, está irreconhecível em "Vice". A diferença é que eu gosto do Gary Oldman (vencedor em 2018 por "O Destino de uma nação"). Com relação a Ramy Malek, eu gostaria de conferir com calma "Bohemian Rhapsody", para uma análise melhor, apesar de gostar muito dele. Já Bradley Cooper, eu sabia que ele seria indicado, apesar de discordar. Está destoando entre os demais (não gosto de Bale, mas isso não me impede de reconhecer a qualidade de seu trabalho). Bradley não conseguiu "vender" seu personagem em "Nasce uma estrela". Penso que seria mais justa a indicação de Lim-Manuel Miranda, o Jack de "O Retorno de Mary Poppins". Por que estou dizendo essas coisas? Para deixar claro que concordo plenamente com a indicação de Viggo Mortensen. Ele realmente está muito bem como Tony Lip. Incorporou com muita destreza a ideia que o personagem pede. Filho de italiano, muito apegado à família, cheio de preconceitos, bronco, muito racista (friso aqui que se trata do tipo de personagem - e até mesmo pessoa, haja vista tratar-se de história verídica). Eu só não tenho condições de avaliar a questão do sotaque. Isso deixo por conta da Academia... De qualquer forma, sua vitória seria justa, apesar de minha torcida ficar para Willem Dafoe, por "No Portal da Eternidade".

Mahershala Ali demorou muito, mas muito mesmo a pegar no tranco. Cheguei a me questionar sobre o porquê não somente de sua indicação, mas dele estar participando de um filme com tanta qualidade. No entanto, assim como o personagem, ele começou a ficar à vontade na história, e atuou com a desenvoltura que possui. Mas reforço: para mim, não ficou claro que o início ruim foi proposital, ou seja, que ele estava se portando como alguém distante do motorista e segurança Tony, por uma questão de boa atuação. Parecia não estar dando conta mesmo de levar o papel, da forma que o personagem exigia. Mas aí, no decorrer do filme, ele nos leva a muitos momentos de emoção, e passa quase como que nos batendo as mensagens que tinha que passar. Sua vitória é bem provável. Mas não me surpreenderia se ela vir a cair, novamente, nas mãos de Sam Rockwell, por "Vice" (Sam venceu em 2018 por "Três anúncios para um crime"). Ele está inacreditável como George W. Bush.

Enquanto roteiro e filme, "Green Book" é impecável. Seu roteiro segue tão correto, tão lindo! As duas histórias vão se encaixando tão direitinho, explicando o movimento da relação entre Tony e Don quase que didaticamente. Tony vai, a sua maneira, observando todo o horror da segregação. E isso faz com que ele crie empatia com relação a Don, ao mesmo tempo em que admira-o por seu talento. Toda a postura de Don, que aos poucos vai sendo explicada, é de partir o coração. As reações de Tony com os acontecimentos ligados a Don, do início ao fim, são muito adequadas. O filme mostra o horror da institucionalização do racismo nos EUA de forma que é passível de atingir somente um resultado: chocar-nos. Não é possível abster-se ou ficar alheio (apesar de ter havido certo excesso de risadas ao longo da sessão - exceder-se ao mostrar que entendeu uma piada sutil é meio pueril).

Do início ao fim o filme é lindo. Seria muito agradável vê-lo receber o prêmio principal. No entanto, existe uma grande possibilidade deste ir para o mexicano "Roma", de Alfonso Cuarón. Mas esta opção também me agradaria. São meus dois favoritos. "Roma" é um filme muito perfeito, muito bem feito. "Green Book - O Guia" é um pouco mais "fácil", por assim dizer. É mais espetáculo, diversão, mesmo que sua trama aborde uma temática muito pesada.

Confiram!

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