Voluntários dão assistência a população em situação de rua em Juiz de Fora

O SOS Moradores de Rua faz visitas todas as quartas-feiras e assistem em torno de 100 pessoas por semana

Angeliza Lopes
Repórter
9/07/2016
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Mais um dia de trabalho encerra, as portas das lojas vão abaixando e o trânsito começa a congestionar com carros e ônibus urbanos lotados. Depois de um dia cansativo, nada melhor que chegar em casa. Mas, existe também quem fica e faz o caminho inverso. Retorna para suas acomodações sem paredes, próximas as portas fechadas. São nestes lares públicos que um grupo bate a porta todas as quartas-feiras em busca de conhecidos: a população em situação de rua. Há um ano e dois meses em atividade, o SOS Moradores de Rua luta todas as semanas para preparar o melhor lanche e coletar roupas e agasalhos para as distribuições noturnas pelas ruas de Juiz de Fora.

A rota sempre começa na rua Belo Horizonte, onde a voluntária Carolina Schuwarten prepara pães com manteiga e mortadela, oito litros de chocolate quente, um litro de café – era a primeira vez que ela levava, por isso fez pouco para saber a adesão; suco, separação de cobertores, agasalhos femininos e masculinos e meias. Já com tudo preparado, ela me recebeu para contar um pouco da história do projeto, que possuí 23 membros no grupo do WhatsApp e quase mil na página no Facebook.

Carolina conta que a ação nasceu da comoção dos fundadores em dar uma assistência maior as pessoas em situação de rua da cidade, que há quatro anos eram totalmente invisíveis ao restante da população. “Antes existiam algumas pessoas que se sensibilizavam sozinhas e distribuíam chocolate e cobertores nas ruas. Hoje existem vários grupos em Juiz de Fora. Eles nos contam que quase todos os dias recebem comida e assistência, tonando-os mais visíveis à sociedade, até mesmo pela mídia. Mas, muitos ainda têm preconceito e acham que eles são ladrões e que vão agredir, mas a grande parte já está muito fragilizada pela situação, são seres humanos como nós”, declara.

Integrante também de outros projetos e coordenações como o Vicariato da Caridade, Diaconia da Esperança do Cemitério Municipal e Diaconia Carcerária, todos da Arquidiocese, ela se desdobra para conseguir junto com outros voluntários, todas as doações da semana. “Outro dia lancei um desafio no Facebook. Se cada um dos mil integrantes doasse um litro de leite, agasalho ou pão, a gente não passava tanto aperto para sair com os lanches todas às quartas”, se emociona. “Mas Deus tem escutado nossas preces e cada semana temos recebido mais doações. Cada um tem uma função no grupo, sendo que alguns ficam por conta de captação”.

Roteiro SOS

Às 20h, do dia 29 de junho, o grupo de 10 voluntários, contando com a jornalista que narra esta história, estava preparado para mais uma longa noite de doações e acolhimento que terminaria às 1h30 de quinta, 30. Minutos antes de sair, os novatos receberam orientações da rota, como não entregar nada embalado para evitar que eles vendessem, não insistir e doar mais de um pão se pedirem. Para fechar foi feita a oração ecumênica.

fotoSaíram dois carros com todas as doações para seguir na rota já prevista, começando pelos bairros São Mateus, Alto dos Passos, Granbery, avenida Itamar Franco e, em sequencia, no Poço Rico, avenida Brasil, ponto da rodoviária atrás da praça da Estação, praça da Estação, Santa Terezinha, Morro da Glória, terminando no Centro. Em todos os pontos um batalhão de voluntários desciam dos carros com garrafões, copos e roupas para as visitas semanais.

Carolina destaca que quando o grupo possuí doações e dinheiro em caixa, são montados kits de higiene. “Eles pedem muito calçado, mas são mais difíceis de conseguir. Encontramos poucas mulheres nas ruas, por isso pedimos mais roupas masculinas”. Ela lembra que há alguns meses houve a infestação de piolho humano no Núcleo População de Rua, mais conhecido como albergue, e várias pessoas que recebem os lanches saíram do local cheios de feridas pelo corpo e os poucos que ficaram foram levados para o Cesporte, provisoriamente, no bairro Santa Terezinha. “Eles retornaram depois para o albergue, que está previsto para fechar até o final do ano”, se emociona novamente. “Eles não terão para onde ir. Todos que evitam de ir para o núcleo reclamam de violência dentro do lugar, por isso vejo que se não houvesse as ajudas assistenciais eles estariam desamparados. Eu chamei uma vez o Samu para um homem que tinha caído no Largo Riachuelo, depois de beber muito, e estava com a cabeça machucada. Eles não atenderam. Outro rapaz se envolveu em uma briga por causa de roupas e ficou com um buraco na cabeça. Como não tinha documentos, não foi atendido no hospital e o buraco cicatrizou só com curativos”, denuncia.

Pelas ruas

Com sorte, aquela quarta não estava tão fria, comparada com outras noites com temperaturas abaixo de 7° C. Em uma das primeiras paradas conversamos com o P. P. D, de 42 anos, que dormia próximo ao Hospital Maternidade Therezinha de Jesus. Ele contou que é de Senador Firmino e chegou a fazer um semestre de Psicologia em Viçosa, mas o trauma da perda do pai e mãe fez com que ele não conseguisse sair das ruas. “Já trabalhei em várias padarias de Juiz de Fora e tenho muita experiência como padeiro e confeiteiro. Tive um acidente e estou com problema no pé”, disse, mostrando o pé inchado.

Ana Carolina de Freitas Feital, advogada e voluntária do SOS, há um ano e dois meses, entende que todos deveriam enxergar estas pessoas como um morador da cidade, que possui as mesmas necessidades que qualquer outro. “Quando eu abordo, eu tento tratar ele como se fosse um conhecido meu, que tivesse as mesmas necessidades que eu tenho e ajudá-lo como posso”, afirma. Ela destaca que a principal ajuda do SOS é assistencial com alimentação, vestimenta e cobertor, porém, eles têm notado a necessidade de ajudá-los com documentações para conseguirem internação de dependentes químicos e emprego.

foto“Eles nos pedem. Por isso, começamos a fazer um cadastro para saber porque eles moravam nas ruas e ter dimensão das pessoas que atendemos, além de catalogar o que precisam. 90% das pessoas, que giram entre 100 a 150 por semana, necessitam de atualização de documentos, cirurgias ou assistência em saúde, mas como fazer documentos gera custo, fazemos votação para definir quem vamos atender por semana, para não gerar expectativas”, relata.

Ana Carolina lembra dos serviços do Centro População de Rua (POP) oferecido pela Secretaria de Assistência Social, responsável pelos serviços de encaminhamentos. “Eles reclamam que o atendimento é burocrático e não são específicos para o que realmente precisam. Já no albergue, muitos me relataram que já apanharam lá dentro, foram vítimas de abuso sexual ou roubados. Além disso, nem todos atendem as regras exigidas, como o consumo de bebida, e acabam nas ruas, além do número de vagas ser limitado”, destaca.

Outro problema presenciado pela advogada foi a retirada, por assistentes sociais, de cobertores, roupas e papelões de alguns moradores, para obrigá-los a irem para o abrigo. “Ela chegou a dizer que o que fazíamos era errado pois incentivava eles a ficarem nas ruas e a intenção deles em recolher era forçá-los a irem para o abrigo, onde teriam atendimento correto. Eu falei que eles estavam com fome e frio e o objetivo do grupo era suprir isso, mas ela retrucou dizendo que a fome era relativa”.

Olhar solidário

Ao chegarmos para oferecer lanche e cobertor a D. A. O, de 33 anos, o ajudante de pedreiro agradeceu a coberta, mas não aceitou dizendo que já tinha a sua e outras pessoas poderiam precisar mais do que ele. Esta reação foi expressada por quase todos assistidos que o grupo fez abordagem. Se não recusavam cobertor e roupas, diziam que não queiram mais leite para sobrar para o próximo. Nestes momentos, Carolina sempre me olhava e dizia. “Olha só, quanto menos temos mais somos solidários com o outro”. D. deixou bem claro que não usa drogas, bebida alcoólica e trabalha. Ele é de Marataízes, estado do Espírito Santo, e está na cidade desde 2008. Sua profissão é pescador, mas em Juiz de Fora ele vive com o salário de ajudante de pedreiro. “Tenho um filho que mora no Furtado de Menezes e fico na casa da madrinha dele às vezes. Pensei em voltar para a casa da minha mãe, mas ela não aceitou minha nova namorada por ser negra. Então preferi ficar nas ruas, por enquanto. Minha namorada está presa devido um problema que teve com o ex marido. Vamos morar juntos no Borboleta quando ela sair”, conta.

Em uma única noite foi possível encontrar tantas histórias, muitas delas precisavam apenas de um olhar de solidariedade, como o caso do senhor F.S. Caseiro de uma chácara em Três Rios, estado do Rio de Janeiro. Ele veio para o município para tentar vender seus panos de prato e ganhar um pouco mais de dinheiro, mas foi roubado enquanto dormia, inclusive estava com o Boletim de Ocorrência nas mãos. “Ele não queria aguardar sair a passagem pela Prefeitura e disse que iria a pé para a cidade dele, pois não aguentava mais ficar na rua”, contou a psicóloga e voluntária do SOS, Michelle Santana Moreira, que levou F. no dia seguinte para a rodoviária e o embarcou com passagem comprada pelo grupo.

Como ajudar

O SOS Moradores de Rua, que pretende se tonar uma Organização Não Governamental (ONG), aceita doações de sucos já adoçados, leite, achocolatado, roupas, agasalhos, calçados e peças íntimas masculinas, cobertores e colchas. Os pontos de coleta na região Central são na Relojoaria Tempo Certo, na rua Halfeld 513, loja 20, e na Alphatel telecomunicações, na rua Barbosa Lima 226. Os interessados também podem buscar mais informações pelo grupo do Facebook e conversar com a voluntária Carolina inbox.

Resposta PJF

A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) tem até o final do ano para implementar todas as adequações traçadas no Plano de Reordenamento dos Serviços de Acolhimento em Juiz de Fora, pactuado em 2013 com o Conselho Municipal de Assistência Social e Ministério de Desenvolvimento Social. Este plano incluí o fechamento do atual Núcleo Cidadão de Rua, com 100 vagas, para a criação de dois albergues masculinos, com 50 vagas cada, no Centro, com execução pela AMAC. A Casa de Passagem apenas feminina, aberta em junho e administrada pela Fundação Maria Mãe, também faz parte dos trabalhos de readequação dos serviços. Outro serviço que passou por adequações foi a Casa da Cidadania, abrigo 24 horas, que oferece 50 vagas para um público mais vulnerável.

O subsecretário de Desenvolvimento Social, Rogério de Souza Rodrigues, explica: “Estamos trabalhando dentro do prazo, mas há uma dificuldade em conseguir proprietários com imóveis centrais que queiram alugar para este fim. Infelizmente ainda existe esta cultura de criminalizar a pobreza e os donos tem receio de alugar e terem problemas com o comércio e população local”, destaca.

Ele complementa que os trabalhos de assistência não consideram a rua como opção para a população, “mas alguns optam por ficar nas ruas por levarem vantagem ao pedir esmola, fixando as pessoas nas ruas. Entendemos que a política abrigocêntrica também não deve se esgotar em si, por isso trabalhamos com um comitê intersetorial envolvendo saúde, com o Consultório de Rua em pontos de consumo de álcool e drogas, para atendimentos e encaminhamento. Estamos fazendo um diagnóstico do número e perfil da População em Situação de Rua em Juiz de Fora que deve ser finalizado até agosto. Queremos trabalhar de forma intersetorial para buscar aqueles que tem para onde voltar, fortalecendo vínculos familiares e inserindo no mercado de trabalho”.

A respeito das denúncias relatadas, Rodrigues afirma que o fechamento provisório do albergue foi uma iniciativa do SDS a dedetização do local e melhoramento do espaço, com pintura e obras de reparo. “As denúncias de agressões nós desconhecemos, pois temos uma equipe de monitores dentro do prédio que garantem a segurança e caso alguém infrinja as normas, temos que suspendê-la. Situações relacionadas a roubos, orientamos a pessoa a registrar boletim de ocorrência”.

Quanto a retirada de pertences na tentativa de obrigar o morador a ir para o abrigo, ele diz que no ano passado foi publicada uma instrução normativa para ações em conjunto com assistência social SAU, Demlurb, Guarda Municipal e Polícia Militar. “Primeiro a abordagem é feita com o Consultório, em último caso fazemos a ação, mas a retirada são de lixos e lonas, pois temos que seguir o código de posturas para impedir obstrução de calçadas e espaços públicos. Não removemos roupas, cobertores e documentos”.

A PJF tem serviço de abordagem social com busca ativa. Caso alguém veja pessoa em situação vulnerável, o número para passar informações é o 3690-7770. A equipe vai até o local e faz o convite para os serviços oferecidos da cidade.

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