Associação dos Surdos de Juiz de Fora Quando a falta de sons torna-se uma nova linguagem de vida

Marcelo Miranda
Repórter
03/03/2006

 "Nosso mundo é outro, completamente diferente do comum. Como se fôssemos de outro país e de uma cultura diferente". É assim que Arnaldo Ângelo Lino (foto ao lado) define o universo dos deficientes auditivos. Surdo desde quando nasceu, há 37 anos, Arnaldo é fundador e presidente da Associação dos Surdos de Juiz de Fora, entidade sem fins lucrativos em atividade desde 1992.

Até os 18 anos, Arnaldo não tinha a menor noção do que acontecia ao seu redor. Não teve educação de sinais quando criança e nem foi alfabetizado, por conta das dificuldades de comunicação com pais e amigos. "A pessoa ouvinte recebe informações de todo lado. E o surdo? Ele não capta sons e palavras, então não possui parâmetros para entender coisa alguma e nem fazer relações do que se diz com o que se quer dizer", explica Arnaldo, que durante entrevista à ACESSA.com teve auxílio da intérprete Francislaine Assis para se expressar.

Ele conta que apenas se "libertou" desse isolamento quando aprendeu libras - a linguagem dos sinais e expressões. "Foi como nascer de novo", afirma. Há 14 anos, quando passeava pelo Parque Halfeld, deparou-se com um grupo de surdos gesticulando e "conversando". Pensou que seria interessante criar alguma forma de interação entre eles. Viajou à Belo Horizonte, onde conheceu associações de deficientes auditivos, e retornou à Juiz de Fora disposto a bolar uma variação dessas instituições na cidade. Reuniu outros 150 surdos e fundou a entidade. As primeiras reuniões aconteciam na Escola Maria das Dores, mas o grupo nunca conseguiu uma sede própria.

Atualmente, a associação atende numa salinha no Alto dos Passos (foto abaixo), no mesmo local onde é promovido o curso de libras. A prefeitura municipal já doou um terreno no bairro Araújo para utilização dos membros, mas faltam verbas que ajudem a elaborar um projeto arquitetônico e financiem os trabalhos de construção.

"A associação começou como um bebê, que está crescendo até hoje. Estamos aprendendo todos a caminhar juntos", compara Arnaldo, que já contabiliza mais de 250 participantes no grupo - sendo 160 sócios e 80 freqüentadores de reuniões, cursos e seminários. Todos colaboram com valores em dinheiro para manter viva a entidade, que é ainda filiada à Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos e à Federação Mineira Desportiva dos Surdos, o que permite a participação dos membros em encontros e atividades esportivas, como vôlei, futsal e futebol.

O maior objetivo da associação é servir de articuladora entre o deficiente auditivo e a sociedade. "Os surdos não possuem comunicação, nem mesmo com a família em casa, se não tiver uma educação prévia. Aqui eles têm acesso à informação de todo tipo, discutem seus direitos e são encaminhados a empresas que possam lhes dar oportunidades de trabalho, sempre com orientação sobre como se comportar e agir", explica Arnaldo. "E temos ainda a preocupação com a questão cultural, tentando sempre promover seminários e peças de teatro com a presença de intérpretes".

Curso de libras
Na tentativa de facilitar ao máximo o contato entre o surdo e o ouvinte, a associação se tornou parceira do curso Libra Eventos. A intenção é literalmente alfabetizar os dois lados - quem ouve e quem não ouve - para que ambos não apenas possam viver em harmonia e sem grandes dificuldades de comunicação, mas que entendam a postura diferenciada dos deficientes em relação à forma como recebem os significados ao seu redor. "Temos a meta de atender muitas crianças e jovens surdos para que eles já cresçam conscientes de sua condição e de como interagir com o próximo. E ainda sonhamos com uma equipe que possa nos auxiliar no atendimento pedagógico e fonoaudiológico aos membros, mas por enquanto estamos sem condições".

O presidente relata que é complicado conseguir voluntários para ajudar, por conta justamente dos problemas de entendimento. "As pessoas não têm conhecimento da linguagem dos surdos. Já tivemos professores que se desmotivaram por essa barreira e acabaram desistindo", lamenta Arnaldo.

Ao seu lado à frente da associação está Rodrigo Geraldo Mendes (foto), vice-presidente. Aos 31 anos, também surdo de nascença, ele é um caso raro de superação das dificuldades: com o auxílio de aparelho auditivo e de uma educação que vem desde os 4 anos, Rodrigo consegue ouvir e falar muito bem. "Ainda entendo melhor através de sinais, mas converso com certa facilidade e escuto o que as pessoas falam comigo", diz, emendando que seu exemplo deve servir de propulsor para que outros como ele lutem contra os problemas impostos pela deficiência. "Tenho formação acadêmica [Informática pelo CES e pós-graduação em Gestão Ambiental em Lavras] e um trabalho no qual me dou muito bem", conta o funcionário da Câmara Municipal. Arnaldo, presidente da associação, também é formado. Cursou Normal Superior e hoje trabalha na Cesama.

Para ajudar

A Associação dos Surdos de Juiz de Fora atende a surdos ou amigos e parentes de surdos quem queiram tirar dúvidas, conversar, se associar ou fazer o curso de libras. A associação funciona na avenida Sete de Setembro 854, bairro Costa Carvalho.