A maldi??o dos deuses da bola

Ailton Alves Ailton Alves 10/12/2007

foto de um campo de futebol Os pragm?ticos costumam dizer que, no futebol e na vida, tudo ? uma quest?o de sorte. J? os rom?nticos preferem culpar o destino. Os crentes gostam de colocar na cota dos "des?gnios" de Deus. No jarg?o popular, h? aqueles que "nascem de quina para a lua" e os que "recebem a sujeira dos urubus". E os s?bios encerram a discuss?o com um cl?ssico "nasceu para brilhar" ou "tem gente que n?o d? certo na vida".

Tal introdu??o, pseudo-filos?fica, vem a prop?sito da trag?dia do Tupynamb?s - tantas vezes repetida com o Tupi e, em menor escala, com o Sport. ? quase obrigat?rio acreditar que h? uma maldi??o sobre os times da cidade. Os deuses do futebol, assim como o Deus ?nico, t?m mesmo predile??o por alguns filhos e ignoram sistematicamente outros.

Agora, tudo consumado, dir? o pessimista de plant?o que, num grupo de cinco times, ficar entre os tr?s primeiros colocados era uma obriga??o. O matem?tico completar? o racioc?nio com a tese de que a chance disso acontecer era de 60 %. O amuado vai deixar registrado que bastava ganhar as duas partidas em casa. E o profeta amador, pobre de esp?rito, em pouco contribuir? para a discuss?o, dir? apenas que j? sabia.

Todos t?m, desgra?adamente, um pouco de raz?o. O ?nico sen?o ? essa mania "moderna" de achar que o futebol ? uma ci?ncia exata, que basta analisar estat?sticas, passes certos e errados de cada atleta, percentual de vit?rias em casa e sucessos como visitante - e coisas do g?nero - para seguir e vislumbrar o final de um campeonato. Quem ? de outra gera??o, como eu, sabe do que estou falando: treino ? jogo, e jogo ? guerra; cada partida ? uma hist?ria; o lambari ? pescado, e o jogo ? jogado; ningu?m ganha nada por antecipa??o; s?o onze contra onze, e a partida s? acaba quando termina.

Ent?o, deixando de lado a "modernidade" ditada pelas estat?sticas de computador ? de bom tom ficar apenas com que os olhos v?em. O Tupynamb?s n?o est? na Segunda Divis?o - embora o carimbo de "classificado" j? estivesse encharcado no mata-borr?o que fica ao lado da tabela - porque acreditou demais numa ilus?ria reserva de mercado para os times mais antigos e mais bem estruturados. No in?cio do campeonato podia-se imaginar o favoritismo dos experientes, com os novos se contentando em aprender, ganhar apenas justamente a tal experi?ncia.

foto de um campo de futebol Mas n?o ? assim a vida - e nem o futebol. Tanto que dos tr?s classificados, dois s?o clubes-beb?s. No domingo, o Baeta sentiu todo esse fogo da juventude. Foi ao Sul de Minas e perdeu para o Po?os de Caldas, seis meses e oito dias de exist?ncia, e j? revigorado pela decad?ncia do outro time da cidade, a Caldense - n?o por capricho ou mimo dos torcedores chamada de "a veterana", pronta para amargar a Segundona.

Realidade constatada - via Cartola - de que a vida ? um moinho e por vezes transforma a ilus?o em p?, resta ao Baeta seguir adiante. Apesar do fracasso e do medo do desconhecido, de n?o saber o que vir?, de tudo ficou muito. Principalmente o fato incontest?vel de que o Le?o voltou a rugir. Foi bonita a festa, depois de uma longa espera. Da estr?ia em Lavras, em meados de setembro, ?s exibi?es de Euller, o filho do vento, passando pela volta aos gramados em casa (no massacre sobre o Figueirense), as goleadas sobre Sul Mineiro e Passense, e as partidas fantasmas contra Minas e Esportivo.

Durante a campanha, entre tantas cenas, uma, protagonizada por Renato Santiago, o homem-gol do Tupynamb?s, ? sintom?tica. N?o satisfeito em fazer o primeiro gol do clube no Est?dio M?rio Hel?nio - contra o Figueirense -, fez, no Ita?na, o mais belo tento do Baeta no campeonato: um corte seco no zagueiro, na altura da grande ?rea e um chute portentoso no ?ngulo. Rede balan?ada, dever cumprido, ele mostrou a sua outra face: a do homem-pai. Foi l?, pegou a bola e homenageou a mulher-m?e. A cena, j? cl?ssica nos gramados brasileiros, dele com a bola envolta no manto rubro na altura da barriga ? o s?mbolo. O que sair dali ?, obrigatoriamente, o futuro.

Quanto aos deuses do futebol, talvez eles estejam certos em sua crueldade, em escrever certo por linhas tortas. As almas divinas preferiram dar, por ora, alegrias a Ita?na, Passos, Po?os de Caldas, Arax?, Ipatinga e Santa Luzia. Afinal, uma cidade como Juiz de Fora - com essa mania de privilegiar os clubes cariocas em detrimento dos locais - deve precisar menos que as demais de um bom time.


Ailton Alves ? jornalista e cronista esportivo
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