Ailton Alves Ailton Alves 11/1/2010

Quando domingo era um dia de Gala

Taça Jules Rimet com as bandeiras da Itália, Brasil e Argentina, com estádio no fundoO primeiro domingo daquela Copa de 1946 (a Copa que ninguém viu simplesmente porque não aconteceu) foi um dia de Gala, com as apresentações de Argentina, Brasil e Itália. Diante de pouco mais de 72 mil pessoas, em três estádios diferentes, e tendo como coadjuvantes Paraguai, Chile e Equador, desfilaram três dos maiores times do século, com seus craques inesquecíveis: Valentino Mazzola, Gabetto, Domingos da Guia, Danilo Alvim, Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair da Rosa Pinto, Pedernera, Labruna, Moreno e Loustau.

No Estádio Nacional de Lisboa, a Argentina começou a sua caminhada rumo ao bicampeonato não tomando conhecimento dos paraguaios, 5 a 0, com um gol de cada atacante da “Máquina” (como era chamado o time do River Plate, base da seleção nacional). Só Sastre, que na época brilhava no São Paulo Futebol Clube, estava ausente. Na mesma Lisboa, no gramado vizinho, praticamente na mesma hora, Zizinho marcou quatro gols, Chico um e o Brasil passou pelo Chile; e na Cidade do Porto, Mazzola (que morreria três anos depois, juntamente com todo o time do Torino) estufou as redes equatorianas duas vezes.

Quando o sonho se torna realidade nada mais importa, mas tudo ficou ainda melhor na segunda rodada, quando três jogadores surgiram nas equipes da Argentina e do Brasil: um garoto de 19 anos, apelidado de “La Saeta Rubia” (“A Flecha Loira”); um grandalhão de classe, de 21 anos, e um nordestino de queixo avantajado, já com seus 24 anos.

O que foi feito desses jogadores na terceira rodada acabou, de certa forma, definindo a Copa. Alfredo Di Stéfano (habilidosíssimo, veloz, artilheiro e líder) ficou no time até o final do torneio, no lugar de Muñoz, o eterno reserva. Assim como Nestor Rossi, o espetacular volante do River Plate.

No lado brasileiro, Ademir Menezes, o Queixada, não foi mantido e só voltaria ao time na disputa do terceiro lugar. Olhando o ataque do Brasil (Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair da Rosa Pinto e Chico) poderia se pensar que, de fato, não haveria lugar para ele, mas a permanência de Heleno no time se transformaria em um erro fatal, como se veria a seguir.

Mineiro de São João Nepomuceno, Heleno de Freitas, “Um Homem Chamado Gilda” (referência a personagem de um filme famoso da época), era um craque absoluto, um centroavante técnico de porte elegante, grande cabeceador e finalizador (diziam que as bolas que ele chutava a gol nem chegavam a tocar na rede), mas extremamente temperamental.

Fora de campo levava uma vida totalmente fora dos padrões de um atleta. Marcou época no Botafogo e até hoje só perde para Garrincha no coração dos adeptos da Estrela Solitária, embora seu único título tenha sido conquistado no Vasco da Gama, em 1949.

Heleno de Freitas teve um fim trágico. Morreu esquecido e louco, em Barbacena.

Isso foi em 1959. 13 anos antes, em Lisboa, os nervos já o traíam. No jogo de estreia, ele brigou com um chileno e foi expulso de campo. Ficou de fora contra a Bélgica, o Tribunal Especial da FIFA o inocentou e ele pode jogar a Copa inteira, embora transmitisse uma sensação de insegurança para toda a equipe – nunca se sabia o que ele ia fazer.

Apesar disso, o craque se comportou extremamente bem até a semifinal contra a Itália. Aí, a exemplo do que já acontecera com Domingos da Guia em 1938, ele perdeu a cabeça e deu de bandeja para os italianos a vitória e a vaga para a final.

Domingos da Guia, que estava em campo e acompanhava tudo sem nada poder fazer, viu a história se repetir e ficou igualmente nervoso, entregando qualquer tentativa de reação do time brasileiro.

Em 1938, o algoz havia sido o temível Piola. Em 1946 foi, é claro, Valentino Mazzola, que, experiente, aproveitou o descontrole brasileiro.

Descontrole esse que duraria, grosso modo, até a Copa de 1958.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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