Mães falam da decisão de ter apenas um herdeiro e contam os prós e contras desta experiência de vida
Djenane Pimentel
28/12/04
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Para a psicóloga Karla Fayer (foto ao lado), a decisão de ter somente um filho é uma
questão geradora de muita polêmica e dúvidas, já que a idéia remete
ao estereótipo de uma criança mimada, egocêntrica e autoritária.
Segundo Karla, essa história de que a criança que cresce sem irmãos se torna
mimada é muito relativa. "Uma coisa tem que ficar clara: se ela crescer com
excesso de tudo, vai achar que o mundo gira a seu redor. O fato de ser
mimado está ligado à dificuldade dos pais em impor limites desde o
nascimento", avisa.
Se tornar uma criança mimada independe da condição de ser única, mas sim da dificuldade dos pais perceberem que as crianças precisam, desde que nascem, de muito diálogo. "É necessário também estimular ocasiões de relacionamento interpessoal, onde elas possam dividir, disputar, brigar, fazer as pazes com outras crianças, primos e vizinhos. É neste tipo de relacionamento que elas vão descobrir que precisam negociar muitas coisas e abrir mão de outras, para viver em sociedade", lembra a psicóloga.
Queria ter, mas não pude
Muitas vezes, a chegada do irmãozinho vai sendo adiada por algum tempo, e
depois, simplesmente acaba não acontecendo. Com a executiva de vendas
Dalva Lúcia da Silva (foto ao lado), mãe de Márcio, 16 anos, foi assim.
Quando o menino tinha apenas quatro anos, a vida lhe pregou uma peça: o
marido sofreu um acidente e veio a falecer. Isso aconteceu em 1991 e, desde
então, Dalva se despediu da idéia de ter um segundo filho. "Nós queríamos
muito ter outro filho, mas juntos. Com a morte dele, a minha vida tomou
outro rumo. Tive que trabalhar dobrado para sustentar a casa e, além disso,
os traumas e dificuldades por que passei me trouxeram também um certo medo
de voltar a ser mãe", admite.
Hoje, Dalva está mais tranqüila, principalmente no que se refere à criação de Márcio. "Mãe erra, claro. Acho até que me excedi em fazer muitas vontades dele, mas também soube limitar muita coisa", afirma. Ela conta que nunca teve grandes preocupações com o filhote, e orgulha-se, citando suas várias qualidades: responsável, inteligente, educado, amigo, alegre, falante...
Por outro lado, Márcio declara: "eu queria ter um irmão", e aponta ainda as vantagens e desvantagens de ser filho único. Entre as vantagens, diz que o melhor de tudo é ter suas coisas sem precisar dividí-las com ninguém. "Mas, em contrapartida, perde-se a noção do que é compartilhar", lembra. A solidão também é um problema para Márcio. "Apesar de ter muitos amigos, estes não conseguem suprir a falta de um irmão. Irmão é irmão", finaliza.
Posso ter, mas não quero
A recepcionista Bianca dos Santos Pinto (foto ao lado), mãe de João Vítor, de
5 anos, não quer ter mais filhos. Junto do pai de seu filho, João Ender, há
dez anos, Bianca vem de uma família grande, de seis irmãos. Diz adorar a
companhia dos maninhos, mas não ter condições financeiras nem psicológicas
para mais um filho. "Quando minha mãe faleceu, há quatro anos, foram eles o
meu pilar de sustentação. Sei que meu filho não vai ter isso, caso aconteça
alguma coisa conosco, mas não quero mais nenhum", afirma convicta.
Para Bianca, um filho demanda muita responsabilidade, uma vida estabilizada e bem-estruturada. "É complicado para educar, cuidar, exige demais de todos e eu sempre acho que estou em falta com ele, por causa do meu trabalho". Além disso, Bianca conta que teve muito sofrimento em sua vida, devido a problemas familiares, que contribuíram ainda mais para esta resistência em ter filhos.
João Vítor foi para a creche com um aninho. Bianca afirma que, na escolinha, ele aprendeu a dividir, a brincar e conviver com os coleguinhas. Este é um detalhe importante nos dias atuais. Até alguns anos atrás, as crianças começavam a freqüentar a escola somente quando tinham uns seis anos. Hoje, elas vão para o colégio muito cedo, algumas até antes de fazer um ano de idade. Lá, aprendem a conviver com outras crianças, respeitar os amiguinhos, enfim, aprendem a se socializar. Portanto, mesmo quem não tem irmãos em casa, acaba aprendendo, na marra, as regras da boa vizinhança.
Só eu... e mais ninguém?
A psicóloga Karla Fayer sugere estimular desde cedo o convívio, criando oportunidades de contato do filho único com outras
crianças da própria família, da escola ou vizinhos. "O ato de brincar com
outra criança da mesma idade é insubstituível. Ela tem que aprender a
compartilhar os brinquedos dos outros e os seus, principalmente",
ressalta.
Ela aconselha também os pais a evitarem que tudo e todos girem em torno da criança, como se ela fosse a "rainha" da casa, tendo os demais familiares como súditos à sua disposição. Isso poderia incentivá-la a desenvolver um sentimento de poder e superioridade. "É preciso, desde cedo, que ela aprenda o significado da palavra 'Não'. Pode ser difícil no começo, mas os pais vão perceber, com o tempo, que só assim as crianças vão aprender a respeitar regras e obedecer limites. O que acabará ajudando os pequenos a enfrentar as frustrações da vida, quando adultos", lembra.
Segundo Karla, o filho único não é necessariamente uma pessoa egocêntrica ou problemática. Mas tudo vai depender do ambiente onde vai crescer, pois este é fundamental para desenvolver sua personalidade. "O comportamento dos pais ao educar a criança é importantíssimo. Com a escola e o ambiente familar trabalhando em sintonia, fica muito mais fácil afastar a possibilidade do filho se tornar egoísta e mimado", finaliza.