Fernando Agra Fernando Agra 12/3/2012

Agiotagem oficial x agiotagem não-oficial

Traição é traição,
Romance é romance,
Amor é amor,
E um lance é um só um lance.

(Trecho da música de Carlos e Jader, cujo título é
impronunciável para um artigo de opinião).

Foto de balançaInicio este artigo com uma parte da música que escutei bastante no Carnaval deste ano, lá em São Miguel do Anta (MG), pequena cidade da Zona da Mata mineira que fica a quase 200 km daqui de Juiz de Fora. Os leitores devem estar um pouco surpresos: o que essa música tem de relação com a economia? A priori nada, mas ao assistir a uma reportagem no Jornal Hoje há algumas semanas, houve uma matéria que mostrou que a polícia prendeu uma quadrilha de agiotas que cobrava 300% de juros e ainda ameaçava a vida das pessoas (das que pediam o dinheiro emprestado, bem como dos familiares e dos vizinhos, que não tinham qualquer relação com os débitos). Aí foi onde o Avatar do artigo do mês passado (aquele que ficava sobrevoando as áreas de Zona Azul do centro e de alguns bairros daqui de Juiz de Fora, em busca de suas vítimas, ou melhor, de motoristas para cobrar por um estacionamento que é público) apareceu novamente e me deu um insight para escrever o atual artigo (pelo jeito, esse Avatar ainda vai assombrar a vida de muitos motoristas e de meus artigos também).

Simultaneamente ao escrever este artigo, recebi uma ligação de uma rádio daqui da cidade que me solicitou uma entrevista para analisar o comportamento das taxas de juros na economia e seus impactos na vida dos consumidores (como dizia Chico Xavier, "O acaso não existe"). O jornalista me enviou um e-mail com alguns dados que mostram que a taxa de juros para pessoas físicas está em 6,33% ao mês (o que corresponde a 108,87% ao ano); os juros para as empresas giram em torno de 3,72% ao mês (que equivale a 55,01% ao ano), segundo a Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Há indivíduos que compram tickets alimentação das pessoas com um deságio de 13%. Isso implica num ganho de 14,94% nessa operação por parte desse tipo de agiota numa simples operação (muitas pessoas, ingenuamente, fazem isso para complementar sua renda). Na época em que o vale-transporte era de papel, o mercado paralelo na rua Halfeld comprava cada vale por R$ 1,60, com um deságio de 8,57% (o que acarretava num ganho de 9,38% para essa modalidade de agiotagem que vendia os vales pelo preço original da passagem à época, que era de R$ 1,75). Por que as pessoas se submetem a esse tipo de extorsão? Necessidade ou ignorância no que diz respeito às taxas de juros cobradas. Infelizmente ainda precisamos de educação financeira nas escolas. As mesmas precisam ensinar não somente taxa de juros simples, mas principalmente taxas de juros compostos, como veremos nos exemplos que se seguem.

Há bancos que chegam a cobrar próximo de 10% no cheque especial (o que equivale a 213,84% ao ano). Há rotativos de cartão de crédito (que incide sobre o valor que o consumidor pagou na fatura e o total da mesma; tem gente que paga o valor mínimo. Isso é suicídio financeiro.) que cobram 15,99% ao mês, que corresponde a 492,99% ao ano. E ainda há financeiras que emprestam dinheiro a 17% ao mês, o que perfaz 558% ao ano.

Agora, caso a gente empreste dinheiro ao banco via caderneta de poupança, vamos auferir um rendimento mensal de 0,5% mais a TR, o que tem dado por volta 0,65% ao mês, que corresponde a 8,08% ao ano. E se você comprar um título público vai ter um rendimento anual bruto de 9,75%, que, de acordo com o prazo do vencimento deste, o Imposto de Renda que será cobrado fará com que o rendimento líquido seja menor do que a poupança. Essa diferença entre o que os bancos ganham quando as pessoas pegam dinheiro emprestado e o que ganhamos quando emprestamos para eles é o Spread. No Brasil, é um dos mais altos do mundo e tem contribuído para que o setor financeiro lucre cada vez mais.

E aí, os bancos são agiotas também! E também cobram caro! Por que será que a polícia somente prendeu os agiotas não-oficiais? Será que a polícia do sistema financeira, representada pelo Banco Central, precisa fazer umas intervenções de tal modo a rever as taxas de juros praticadas pelos agiotas oficiais? E aí, caros leitores, qual a diferença entre os dois tipos de agiota? Finalizo esse artigo com uma adaptação de parte da música de Carlos e Jader (citada no início):

Traição é traição,
Agiota é agiota,
Amor é amor,
E a taxa de juros não é só um lance!

Mais artigos


Fernando Antônio Agra Santos é Economista pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e professor universitário das faculdades Vianna Júnior, Estácio de Sá, Universo e da Fundação Educacional Machado Sobrinho, todas a instituições em Juiz de Fora - MG. O autor ministra palestras, para empresas, na área de Educação Financeira.

ACESSA.com - Agiotagens oficial e n?o-oficial deveriam ser combatidas com rigor