SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As pressões sociais para encaixar o corpo em um padrão ideal têm um grande peso no desenvolvimento de distúrbios alimentares como a anorexia. A opinião foi compartilhada pela cineasta Moara Passoni, diretora do filme "Êxtase" (2020), durante um debate sobre o longa promovido pela Folha de S.Paulo na quinta-feira (1º).
"Na sociedade do controle, a perfeição é o grande desejo", afirmou Passoni, que integrou a equipe de roteiristas indicados ao Oscar em 2020 pelo filme "Democracia em Vertigem" (2019), dirigido por Petra Costa -agora produtora de "Êxtase".
O filme de Passoni mostra a jornada de Clara dos 7 aos 17 anos, período em que desenvolve e rompe com a anorexia. Ainda criança, ela se muda com a família do Jardim ngela, em São Paulo, para Brasília (DF), depois que a mãe é eleita deputada federal durante a Assembleia Constituinte de 1985. O longa apresenta as estratégias da menina para controlar a fome e as consequências do transtorno.
A anorexia é uma condição psiquiátrica caracterizada pela mudança persistente na alimentação ou em hábitos alimentares, alterando o consumo ou a absorção de alimentos.
"A anorexia tem a ver com a forma com que lidamos com os nossos corpos e como eles são incômodos. Seria bom olhar para isso para se libertar do controle."
O público lotou os 101 lugares da sala do Espaço Itaú no Shopping Frei Caneca, região central de São Paulo, para assistir à estreia do longa no circuito comercial. A exibição foi seguida de discussão com a participação da diretora, da produtora Petra Costa e da psiquiatra Lígia Florio. A mediação foi feita pela psicanalista Luciana Saddi.
O roteiro, assinado por Passoni, foi escrito a partir de diários mantidos por ela, que enfrentou o distúrbio na adolescência, e também de relatos de outras mulheres que tiveram anorexia. Cenas de rejeição na escola, rigidez em aulas de balé, distanciamento da família e internações são baseadas em situações reais.
"Todas as cenas são reais, mas optei por fazê-las com uma atriz para evitar o espetáculo dos corpos anoréxicos", explicou Passoni. "Vivi algo que era singular, mas tinha certeza de que conversava com a experiência de outras mulheres."
A diretora afirma que a intenção do longa é fomentar a discussão sobre os preconceitos que envolvem o desenvolvimento de distúrbios alimentares. "É um sintoma de uma época. Não existe uma causa para a anorexia. O filme fala da necessidade de alteridade, de como a gente vive em um mundo que se esquece disso pelo medo da diferença", disse Passoni. "Êxtase" está em cartaz em salas de cinema em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília.
Petra Costa afirmou que se identificou com a biografia de Passoni, já que sua mãe, a jornalista Marília Furtado de Andrade, foi militante política assim como Irma Passoni. Ambas, na opinião de Costa, sacrificaram a vida privada pelo ideal coletivo. "Consideraram que as emoções das próprias filhas eram um luxo, temos esse trauma em comum."
A psiquiatra Lígia Florio disse que um ambiente hostil contribui para o aparecimento desses transtornos. "Todo sentimento de vulnerabilidade cria mecanismos de defesa, baseados nas vivências da pessoa. Um dos sintomas é o isolamento social, além de possessividade e controle."
Para a psicanalista Luciana Saddi, que mediou a discussão, nos distúrbios alimentares há um processo de rompimento com a realidade. "O que se vê na anorexia são pensamentos próximos aos da psicose." Na opinião dela, a anorexia tem uma conotação política, uma vez que o transtorno se manifesta como uma forma de rebeldia do indivíduo contra o controle que a sociedade exerce sobre a forma de seu corpo.
"O filme tenta sair do estigma de que anorexia se trata de meninas que querem ficar bonitas para se encaixar em um padrão. É uma das doenças mentais que mais mata", disse Moara Passoni.
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