Recital Moisés Mattos

Nome do Colunista Sumaya Lima 20/08/2019

Em um domingo fui convidada para um recital no glamouroso Cine-Teatro Central de Juiz de Fora. Doroti Mira, uma aluna de yoga, amiga do pianista e professor André Pires, contou-me resumidamente a história de superação do protagonista do espetáculo, o pianista Moisés Mattos, tão bonita que só por isso já valia a pena conferir o evento. O recital foi assim surpreendente como é a história do artista.

Durante o espetáculo eu pensava: um rapaz tão novo, tão cheio de talento, veio de família tão simples, pais analfabetos, uma irmã com Síndrome de Down, quantos exemplos de superação ele deve ter para contar! Devem ser muitos, pois o espetáculo daquela noite foi filmado e possivelmente fará parte de um documentário sobre a sua biografia.

Vejo que o pianista aproveitou ao máximo as mínimas oportunidades que lhe ofereciam. Ele aprendeu e lecionou aulas de violino aos 12 anos na Igreja que frequentava. Andava a pé do bairro São Pedro ao Centro da cidade, para ter aulas de piano no Conservatório Estadual de Música Haidée França Americano. Ele não tinha nem mesa em casa, mas desenhava as teclas de um piano para treinar de memória o que aprendia. Sem dinheiro para comer na rua, passou fome. Mas não perdeu tempo. E acreditou que os obstáculos não podiam ser maiores que ele.

A história do pianista é muito comovente quando fala do seu professor, que também é pesquisador, compositor e maestro, André Pires (acesse entrevista com Daniela Aragão). Ao que parece, a relação entre ambos foi baseada não apenas em respeito e aprendizado mútuo, mas também em sensibilidade e generosidade.

Sua história começa em Juiz de Fora, mas continua a surpreender do outro lado do Atlântico, onde se apresentou e participou de orquestras conceituadas em vários palcos europeus. Hoje ele vive num dos países mais exigentes em música clássica do mundo, a Alemanha.

Agora você pode me perguntar: mas a sua coluna no ACESSA.com não é sobre espiritualidade e saúde? Sim, vou responder. E pergunto a você: como não encontrar excelente saúde mental e psíquica na determinação e no prazer pelos quais M.Mattos decidia optar em cada dificuldade que enfrentava? Como não considerar saúde no fato de ele insistir no melhor de si para desenvolver todo o seu talento apesar de tantos reveses? A mídia e o cinema mostram uma enxurrada de histórias violentas de meninos negros de periferia, que são alvo principal de intolerâncias sociais e da polícia. Como não encontrar saúde e espiritualidade na sua busca obstinada para ser feliz condignamente? E no serviço desinteressado não apenas das pessoas reais que ele encontrou pelo caminho e lhe ensinaram ou lhe apoiaram, como dele mesmo, M.Mattos, quando partilhava o que aprendia?

Aliás, ainda partilha. A forma quase intimista como ele falava com o público, naquele amplo e belo teatro, revelou pra mim algumas qualidades do pianista. Eclético: ele interpretou desde trechos de obras clássicas como de Schumann (Papillons) a obras contemporâneas como de Ernesto Nazareth (Improviso dedicado a Villa Lobos). Fez questão de, em intervalos, comentar sobre cada compositor ou a peça musical que interpretaria no piano. Nessa sua atitude, senti um artista zeloso, generoso, que se percebia responsável pelo conhecimento, mas também afetuoso com o público menos familiarizado com as obras. E notei como a plateia respondeu à altura seu afeto.

Entretanto, o coração do público me pareceu especialmente tocado pela última música, composição de sua autoria: uma surpresa! Ao final, na saída do espetáculo, ouvi várias pessoas concordarem ter sido a mais comovente. Talvez porque toda a busca de M.Mattos se afinasse com os acordes de cada um de nós, ouvintes. Seus movimentos encheram o nosso peito de orgulho, humildade, aflição, força, inquietação, vitalidade, amorosidade e esperança.

Lembrei de um dos sutras do Yoga1, “Sukhamanantamánandam”, escrito na antiga língua indiana, no sagrado Sânscrito. Nesse sutra, afirma-se que nenhum ser vivo se contenta com pouco, muito menos o ser humano. Desse modo, pouca felicidade não satisfaz a ninguém. Todos querem felicidade infinita. Essa felicidade infinita é uma condição que está além dos conceitos de prosperidade e infortúnio, porque a sensação de felicidade advinda dos sentidos ultrapassa os limites dos órgãos sensoriais ao se fixar no infinito. Essa felicidade infinita é conhecida como ananda. Bem-aventurança. E Moisés Mattos parece querer esse infinito em tudo o que faz.

No final daquele recital inspirador, creio que os nossos aplausos continham o forte desejo de dizer: vai, Moisés, vai ser o infinito na vida! Estamos juntos nessa busca com você!

Até a próxima!

 1.ÁNANDAMÚRTI, Shrii Shrii. Ánanda Sútram. Tradução Pradip Deva e Mayajiit. Brasília: Editora A. Marga Yoga e Meditação, 2007

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